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martes, 7 de agosto de 2012

mulheres perigosas

BOLLMAN, Stephen (2009) Mulheres que Escrevem Vivem Perigosamente, Quetzal Editores, Lisboa, 152 pp.
            Com um título que sugere que seria uma espécie de continuação do livro Mulheres que lêem são perigosas, esta obra apresenta uma série de retratos de mulheres escritoras e as suas vidas originais e por vezes trágicas, sendo a sua escrita uma das possíveis razões para a sua difícil inserção no mundo que as rodeava. Uma vez que a esfera pública da vida ao longo da história tem sido visivelmente marcada pela presença e domínio do género masculino, não é de estranhar que determinadas mulheres excepcionais se tenham revoltado contra esta situação, exigindo o seu lugar digno e o reconhecimento no domínio profissional. Para algumas delas, a escrita era a o desejo de substituir o único papel digno tradicionalmente conferido à mulher (o de dona de casa, esposa e mãe), e para outras como nomeadamente para Ingeborg Bachmann (p.8) “a escrita é o mais doloroso de todos os tipos da morte”. A escrita é também encarada como libertação da monotonia quotidiana ou uma arma da luta feminista quase política.
            Na opinião da escritora latino-americana Cristina Peri Rosi (p.9) 2 as mulheres não escrevem, e quando escrevem matam-se”. A ligação entre a criação literária e a morte trágica de algumas autoras como foi o caso de Virginia Woolf, Sylvia Plath, Alfonsina Storni e outras revela a sua angústia interna por um lado e a sua incapacidade de se enquadrar no mundo real, abundante em preconceitos e dificuldades relativas a mulheres pioneiras na carreira de escritoras. Muitas das autoras aqui referidas consideravam o seu ofício incompatível com o casamento, a vida familiar e as obrigações que a vida a dois comportava, por isso nas suas vidas pessoais havia escândalos, divórcios, crises artísticas, como também recorrências a álcool, tabaco ou drogas, que aparentemente deviam aliviar a sua incapacidade de conciliar a sua realização profissional e a afirmação enquanto mulheres, mães, amantes, donas de casa e pessoas de uma boa reputação.
            A sensação da menor valia destas mulheres criadoras deve-se em parte à ideia da mulher que durante séculos era obrigada à reclusão num convento caso desejasse ter acesso à alfabetização. A imagem da mulher freira contra a sua própria vontade implica a conotação com uma profunda insatisfação e frustração a nível pessoal, o que por sua vez deveria reflectir-se na sua escrita transmitindo uma determinada amargura ou angústia. Não sendo sempre assim na verdade, algumas das escritoras utilizavam pseudónimos masculinos para as suas primeiras obras e adoptavam a sua identidade feminina quando a obra inicial era bem recebida por parte do público leitor. Outras, porém, eram obrigadas pelos maridos a entregarem-lhes a obra para ser assinada por eles e publicada como sua, o que causava conflitos a nível pessoal e problemas com a propriedade intelectual e os direitos do autor.
Entre as autoras representadas nesta colectânea encontram-se nomes como Jane Austeen, as irmãs Brontë, Virginia Woolf, Hildeagrda de Bingen, Cristina Pisano, Mary Wollstotencraft, Anna Achmatova, George Sand, Božena Němcová, Agatha Christie, Hariet Becher-Stowe, Sylvia Plath, Johanna Spiri, Selma Lagerlőf, Toni Morrison, Dorothy Parker e outras, todas elas especiais e singulares à sua maneira, tendo contribuído cada uma para o desenvolvimento e enriquecimento da literatura no seu país e no mundo. Mencionando apenas algumas delas, devemos destacar que a autora sueca Selma Lagerlőf é a primeira mulher vencedora do Prémio Nobel (1909), que Božena Němcová é considerada a primeira mulher checa escritora no sentido moderno da palavra, que Cristina Pisano, embora tenha vivido entre 1360 e 1430 foi a primeira escritora profissional laica, filósofa e pensadora, muito autónoma para o seu tempo. Dorothy Parker foi considerada “the wittiest woman of America” (a mulher mais espirituosa da América). Nas suas palavras “tal como o amor a literatura é também intersubjectiva e internacional” (p. 135). Relacionando a esfera dos sentimentos com a literatura, esta autora tenta reconciliar aquilo que é considerado o mais característico para a mulher (a emocionalidade) com um ofício tipicamente masculino, mostrando que a mulher pode ser boa nas duas esferas e que não se deve projectar no mundo como vítima ou discriminada. Astrid Lingren, autora de Pipi das Meias Altas, a pedido da sua filha que estava doente, criou um novo modelo de menina: rebelde, com personalidade forte, curiosa e admirada por crianças no mundo inteiro. Toni Morrison é a primeira escritora afro-americana galardoada com o Prémio Nobel em 1993. Mary Wollstotencraft foi autora da obra polémica Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã, por causa da qual foi condenada à guilhotina. Agatha Christie é a primeira autora de policiais que deu um grande valor estético e literário a este ge´nero até então pouco valorizado. Doris Lessing, a ícone do movimento feminista, lutadora pelo reconhecimento e respeito da mulher em todas as esferas e em todos os sentidos da palavra. Nem sempre problemáticas, revolucionárias ou radicais nos seus comportamentos, estas mulheres foram criativas e inovadoras  cada uma do seu modo, aportando grande valor à história e à literatura.
Se existe a ideia geral de que só com o Iluminismo se presta mais atenção à educação da mulher, à vida cultural organizada nos salões literários das damas das classes sociais mais altas, no século XIX a mulher ganha mais importância tanto como personagem principal das obras (Anna Karenina, Madamme Bauvary) como na posição de autoras. Na perspectiva de Jane Austeen (p. 22) “com o romance a mulher ganha uma nova auto-estima”. Esta autora optou voluntariamente por ser “invisível” na vida social e pública da sua época, o que lhe permitiu distanciar-se da sua obra e ao mesmo tempo criar um novo tipo e protótipo de mulher “espirituosa e inteligente”.
Quando as mulheres são personagens principais dos romances, presta-se muita atenção à sua infelicidade no casamento (muitas vezes imposto pelos pais ou por convenções sociais), o seu direito de escolher o amante, embora isso possa implicar um grande julgamento moral por parte do marido e do meio em que vivem. Essas personagens são trágicas na sua grandeza e nunca são patéticas ou redutíveis a uma categoria. Quando são autoras, elas criam uma mulher única, forte, capaz de lutar e de agradar ao público.
No século XX, a libertação da mulher vai para além da exigência dos direitos profissionais, tornando-se cada vez mais na libertação feminina no sentido político e sexual e por isso não é de estranhar que algumas das autoras aqui referidas tenham sido lésbicas, tenham assumido o divórcio, tenham tido vários maridos ou amantes.
De qualquer modo, esta plêiade de mulheres extraordinárias quer pela sua vida, sua escrita ou ainda sua morte merece a atenção dos leitores. Um livro belíssimo, com fotografias e partes dos manuscritos de cada uma delas aproxima os leitores da criação sua criação literária, não deixando de perpetuar a dúvida sobre a existência e características da “escrita feminina”, da sua diferenciação da escrita dos homens, dos temas, preocupações e inquietações da mulher ao longo dos séculos e independentemente do espaço geográfico em que nasceram e do meio cultural em que foram criadas. No leque destas mulheres extraordinárias e perigosas do ponto de vista do seu papel inovador, faltam talvez Florbela Espanca, prémio Nobel Polaca Visłava Szimborska, Gabriela Mistral vencedora do Nobel chilena, Isabel Allende, Sophia de Mello Breyner e muitas outras, mas esta pequena amostra é suficiente para se ter uma ideia da grandeza e sensibilidade femininas que conseguem sobrepor-se aos preconceitos sem necessidade de insistir no papel secundário da mulher ao longo da História.

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