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martes, 7 de agosto de 2012

Micro-teatro em Lisboa

A Santinha é Linda  O micro-teatro no âmbito das festas populares de Lisboa
Texto e encenação: Vicente Alves do Ó, interpretação: Carmen Santos e Carlos Oliveira
Local: Teatro Rápido, Lisboa
Por Anamarija Marinović
Se ultimamente se tem falado muito sobre os “microcontos”, “micro-relatos”, poesia haiku e outras formas literárias baseadas no minimalismo e na concentração no detalhe e no mais essencial como pequenas cenas da vida quotidiana transpostas para a literatura, falar no micro-teatro na Europa ainda parece ser uma novidade.
Este tipo de teatro reduz a ação e o número de personagens ao mínimo, não se divide em atos, porque a duração da peça no total não deve exceder os 15 minutos, resume a sua ideia na transmissão de uma mensagem rápida e eficaz da atualidade provoca a reação e a reflexão dos espetadores como se se tratasse de um anúncio publicitário, excerto de uma conversa quotidiana ou notícia do jornal.
Depois de ter recebido boa aceitação por parte da crítica e do públiconas crandes capitais europeias como Paris, Madrid e Berlim, o micro-teatro veio a Lisboa e especificamente para estes efeitos recentemente foi aberto o Teatro Rápido em Lisboa, um espaço alternativo com quatro salas de espaço reduzido, de forma a possibilitar a interação entre os atores e os espetadores. Este teatro fica em pleno Chiado (Rua Serpa Pinto 14) e os preços dos espetáculos correspondem ao tamanho das peças, sendo o custo de um bilhete de apenas três euros. O teatro tem também uma cafetaria acolhedora decorada com pequenas obras de arte, o que tornará a estadia no espaço ainda mais agradável para quem não está habituado a frequentar este tipo de peças teatrais.
Dentro do âmbito das comemorações das festas populares em Lisboa, desde o dia 1 até ao dia 30 de junho, este teatro acolheu entre outras a micro-peça A Santinha é Linda da autoria e encenação de Vicente Alves do Ó e com a atuação de Carmen Santos e Carlos Oliveira. Quem viu o filme Florbela, ou a representação de A Voz Humana de Jean Cocteau, encenada por este mesmo artista, talvez esperasse uma peça um pouco diferente, mais “séria” ou intelectual. Trata-se, no entanto de uma forma divertida e ao mesmo tempo crítica do lado mais comercial e superficial das festas populares lisboetas que decorrem anualmente durante o mês de junho.
As personagens são um ensaiador das marchas populares, com pouca cultura e instrução e com o vocabulário reduzido a uma dúzia de palavras coloquiais e nem mais nem menos que a própria Nossa Senhora da igreja do bairro da Lapa, que para os efeitos da peça é chamada de Santinha. Esta obra é uma comédia que toca em alguns assuntos da atualidade portuguesa (a crise, o aumento dos preços de tudo, até mesmo das sardinhas, inevitáveis na mesa dos portugueses nesta altura do ano, o interesse meramente comercial das festas populares, a crítica do bairrismo lisboeta, o pouco conhecimento da própria cultura por parte de alguns portugueses, a ideia do Governo português de se suprimirem determinados feriados etc).
No meio da preparação das marchas populares dedicadas a Santo António, aparece a imagem da Nossa Senhora da igreja da Lapa, protestando por se sentir abandonada e esquecida e por o bairro da Lapa não ter a sua própria marcha popular, exigindo também ela um feriado só para ela.
Para a surpresa do ensaiador das marchas populares, que parece muito preocupado apenas com o tempo que lhe falta até ao início dos desfiles, com o fator económico e com o seu próprio trabalho, trata a sua visitante por “filha”, “amiga” ou até usando a expressão coloquial e pouco apropriada para uma senhora “gaja”, mostrando desta forma não apenas o desrespeito em relação à população feminina, mas também a sua profunda ignorância de alguns pormenores relacionados com a cultura popular portuguesa e até às próprias marchas (nomeadamente que Lapa não participa do evento). A Nossa Senhora aparece também como defensora das mulheres e “santa feminista” exigindo o seu devido lugar no meio de vários santos masculinos que se comemoram tradicionalmente durante o mês de junho em Portugal (Santo António, São João, São Pedro). Ela é a que dá uma lição de bom comportamento a Adalberto, o responsável principal da organização das marchas lisboetas, ensinando-o a “falar fofinho” sem usar palavrões nem linguagem de registos não apropriados na sua presença, reivindica a beleza e o valor da igreja da Lapa, defendendo a ideia de que ela deveria ser mais visitada e promovida em Lisboa. A Santinha ensina que se deve ter o respeito pelo sagrado, pelas pessoas mais velhas, pelas mulheres, ensina o rapaz que inicialmente era rude e mal educado, a pedir desculpa, a expressar-se bem e a valorizar e conhecer melhor as suas próprias tradições e a informar-se mais sobre a realidade mais imediata que acontece na sociedade portuguesa atual. Com o agradecimento e a exclamação “A santinha é Linda!” que deu o título a esta micro-peça teatral, o organizador das festas populares compromete-se a ver o que é que se pode fazer pela reivindicação da Nossa Senhora da Lapa e no que se refere aos seus pedidos relacionados com o feriado e a marcha popular, todo o público ri e dá uma nova dimensão às festas lisboetas, pensando sobre o que há por trás de um evento cultural que não é nem deve ser encarado apenas como uma diversão barata para as camadas baixas do povo.
Apesar de alguns aspetos positivos da obra como nomeadamente a excelente encenação e escolha dos atores e do tema, seria necessário apontar também para alguns pormenores que talvez poderiam ser repensados ou melhorados numa das próximas realizações da peça: deveria talvez ter-se um pouco mais de cuidado na construção da personagem da Nossa Senhora, uma vez que há momentos em que ela parece um pouco amargada e vingativa, há sequências em que ela também usa o jargão juvenil, parecendo não diferenciar-se o seu estilo falado do registo do rapaz a quem se dirige. A expressão que ela morreu “sem aproveitar a vida” poderia talvez entender-se como uma determinada desvalorização dos santos e do seu papel não apenas na tradição popular, como na vida espiritual e religiosa das pessoas. Tendo em conta que Portugal é um país com uma grande tradição mariana, que no século XX se deve também às aparições em Fátima, esta frase proferida pela boca da Santinha pode soar ligeiramente irreverente aos que são devotos do seu culto. Na denominação Santinha, porém, não nos pareceu evidente qualquer menosprezo, mas uma tentativa de a Nossa senhora se aproximar ainda mais do povo, das festas populares e do imaginário dos portugueses.
Com uma ótima intervenção de Carmen Santos e de Carlos Oliveira, esta peça chamou a atenção do público, provocou riso e simpatia, tal como o interesse pelas tradições populares portuguesas, pelo seu lado bom e menos bom, como também ensinou valores: o respeito pelos outros, a existência da vertente cultural e espiritual da vida, a necessidade de se pedir desculpa e de se corrigirem algumas injustiças.



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