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sábado, 29 de diciembre de 2012

George Steiner visto de perto

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...


STEINER, George, SPIRE Antoine (2004) Barbárie da Ignorância, Fim do Século, Lisboa, 106 pp.
Consagrado como linguista, crítico literário, ficcionista, pensador e filósofo de ideias fortemente cosmopolitas, Geoge Steiner é por ventura menos conhecido pela sua esfera mais íntima e pessoal, é justamente este aspecto que é apresentado na série de entrevistas feitas por Antoine Spire. Que todos os preconceitos, estereótipos e “barbáries” provêem da ignorância, é mais do que um lugar comum, e por isso não é de estranhar que o livro comece com o destaque da vasta cultura e pluriculturalidade em que este pensador foi educado desde a infância. Nascido em Paris, de pais judeus da origem checa e austríaca, trilingue, grande leitor de obras dos célebres autore clássicos e defensor do ensino e aprendizagem do latim e do grego, como dois grandes pilares da erudição europeia, George Steiner teve o privilégio de criar a sua identidade por cima dos nacionalismos, tendências políticas militantes ou qualquer totalitarismo que impedisse que ele hoje seja considerado um dos espíritos mais liberais e tolerantes da ciência europeia actual. Embora tenha feito o seu Bar Mitswa (confirmação ao judaísmo), fê-lo mais para se inscrever no “clube do qual não nos demitimos” do que para afirmar a genuína pertença afectiva e cultural à comunidade judaica. Isto descobre-se quando o autor confessa ter abandonado o estudo do hebraico por mera preguiça e também para dar preferência ao estudo do grego e do latim. Steiner, poliglota desde a infância, é um fervoroso defensor da aprendizagem das línguas estrangeiras, porque na sua opinião, elas são as vias pelas quais se acede “à felicidade de uma outra civilização” (p.17), mecanismos que ajudam a perceber as psicologias e mentalidades dos povos que as falam, um degrau para o cosmopolitismo e a verdadeira “cidadania do mundo”.
É interessante saber que este pensador dá um grande valor à persistência, perseverância e luta, uma vez que nasceu com uma ligeira deficiência no braço direito , mas mesmo assim aprendeu a escrever com a mão direita e a viver e encarar  seu defeito como um grande privilégio e não como estigma e “uma escola de esperança em que cada progresso é objecto de registo”, referindo o lema de Espinosa que “a coisa excelente deve ser difícil”. Este exemplo é mais um convite para a reflexão, mais um chamamento de atenção aos saudáveis não apenas para não desvalorizarem e discriminarem as pessoas diferentes, mas também para examinarem as suas próprias capacidades e limitações.
Além de aspectos pessoais do célebre autor, esta obra apresenta as suas reflexões sobre a linguagem, a literatura, a posição do poeta e da poesia face à barbárie, a filosofia de Heideger, os limites da fé, a cultura, as diferenças entre a crítica literária e a literatura. Com uma ligeira ironia sobre este assunto e sobre si próprio, Steiner refere que se cada um dos críticos fosse capaz de escrever uma obra de Joyce ou um poema de Puchkine, não seria um “prof” comodamente sentado no seu departamento ou dando aulas a quem o quer ouvir. Na sua opinião, o ser professor é mais d que uma profissão, é vocação, missão e “doença” no sentido mais positivo e apaixonado da palavra, uma vez que “quem não estiver doente de esperança, não tem a mais pequena hipótese de ser professor” (p.98). É nesta frase um tanto missionária que se vê toda a entrega que Steiner revela em relação à sua própria profissão, e também um convite para o exame de consciência e de vontade para quem quer seguir o difícil e atraente caminho de transmissor de conhecimentos  saberes a gerações posteriores
É interessante também a singular visão que este pensador tem sobre Hitler e a sua capacidade de falar em público e seduzir as massas, sendo que “o génio da retórica de Hitler é a morte da nossa linguagem” (p.37). Reconhecendo este talento a uma das figuras mais negativas e sombrias da História da humanidade, Steiner interroga-se sobre os limites do conhecimento, sobre as falhas humanas e sublinha o perigo das más interpretações da língua e da palavra, entidades inseparáveis do pensamento e da lógica.
Esta série de entrevistas está dividia segundo o critério temático em “capítulos” com títulos atraentes e bastante originais (Quatro contentores do lixo na Lua, Um planeta vazio no sal grego da manhã, Um clube limpo de judeus, O nome do Deus desconhecido) que tratam dos temas que preocupam o autor, desde a criação da identidade até à ficção científica e o valor da erudição. Mais uma vez com linguagem clara ideias penetrantes, esta obra chega ao leitor com uma incrível capacidade de sedução, mostrando vezes sem conta que “o espírito humano é indestrutível, totalmente” (p.80) convidando o público a viver, sentir, pensar e expressar-se de uma forma única e original.

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