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miércoles, 26 de diciembre de 2012

cultura portuguesa do ponto de vista de Eduardo Lourenço

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...

LOURENÇO, Eduardo (1999) A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, Gradiva, Lisboa, 214 pp.
 Habituados às ideias europeias e europeístas de Eduardo Lourenço, os leitores nestas duas colectâneas de ensaios encontrarão certamente um substrato europeu, embora desta vez a ênfase se ponha na cultura portuguesa, nas suas especificidades dentro do âmbito da cultura ocidental, e a sua beleza única e a importância de entre todas as outras culturas dos povos que habitam a Europa.. Lendo A Nau de Ícaro,  é  indispensável aperceber-se da relação que os ocidentais e entre eles os portugueses têm com o tempo, sendo que nos ocidentais no geral se note uma determinada indiferença com o tempo e para os portugueses, o tempo continua a ser intimamente ligado ao cristianismo católico e ao papel messiânico de Portugal.  Quando  Lourenço reflecte  sobre a tendência expressionista na arte e na literatura europeia, comparada com a situação em Portugal, ver-se-á que na sua opinião a cultura ocidental de certa forma deixou de ser "uma cultura de angústia, fascinada, hipnotizada ou perturbada pela morte" (p.11) e que em Portugal se nota muito uma " Poética da Dor com maiúscula" , que por sua vez se enquadra na filosofia, na melancolia e na forma de pensar e de sentir dos portugueses.  Deste modo é natural, que como uma espécie  de definição desta corrente artística, Eduardo Lourenço recorra á seguinte ideia: " O Expressionismo à portuguesa não se resume  na opacidade do "silêncio". Fala dentro e acima da morte, saudosamente" (p.35.) 
Diferentemente das suas outras obras que estudam e analisam o imaginário europeu, este conjunto de ensaios refere-se à criação e respeito de uma mitologia portuguesa e europeia em função do cânone  e do imaginário literários, sendo para este efeito inevitáveis os nomes de Camões, Pascoaes, Pessoa e outros grandes pilares das letras portuguesas. Os três autores inicialmente mencionados denominam-se também de "triângulo de Bermudas da literatura portuguesa.
 Como características principais do ser português salienta-se mais uma vez a peculiar ligação com a natureza e com o mundo, o que implica um modo de sentir singular, designado como "a alegria na tristeza e a tristeza na alegria" (p.38), que se reflecte em toda a criação poética lírica portuguesa. O carácter sonhador do povo português é salientado também, por vezes como um traço positivo, sendo Lisboa designada como a "cidade mais onírica da Europa",  e outras vezes também como uma "carga negra de sonhos".(p.58).
Entre estes dois pólos oscila um determinado optimismo quase missionário e o pessimismo fatalista do povo português que define a sua relação com o futuro. O futuro é encarado como "esperança, sonho e utopia" e também como uma "questão da fé", impregnando-se nestas palavras uma forte ideologia cristã. Uma vez que na Europa existe uma grande variedade de povos e culturas, é inevitável mencionar-se uma multilpicidade de tempos e sublinha-se também que cada povo e cultura têm o seu "tempo próprio", isto é o seu próprio ritmo e grau de desenvolvimento, não devendo existir a noção da superioridade e inferioridade de literaturas, povos, filosofias e culturas.
Em relação ao problema de emigração, a chamada "Nau de Ícaro", em homenagem a uma célebre pintura de Breugel, levanta-se quase em simultâneo a questão da identidade portuguesa e de todos os perigos de os portugueses se "converterem" em europeus, globalizando-se e perdendo a sua singularidade. Depois da perda das colónias e  da adesão à Comunidade Económica Europeia (a actual União Europeia), Portugal sentiu-se de certa forma confuso e "perdido" na sua nova posição na Europa e no mundo, sentindo-se marginalizado. Levantando o problema do centro e da periferia e da margem, Eduardo Lourenço refere a trajectória portuguesa como a de um "povo à  margem da Europa, o seu centro-ex-centrado, já estivemos no futuro" (p.74). O interessante nesta visão é a posição geográfica de Portugal (á margem da Europa), que não o impediu a ser "centro" durante uma época, e de ver-se "ex-centrado" após a perda do poder económico e colonial. O jogo dentro da palavra "ex-centrado" que ao mesmo tempo significa ex- e descentralizado ilustra muito bem a  ideia de Portugal como uma ex-potência colonial e como um antigo "centro" cultural, político e económico no mapa da Europa e do mundo. Analisa-se a complexa e ambivalente relação entre Portugal e o Brasil, sendo o Brasil um dos novos focos de atenção, devido ao seu rápido desenvolvimento económico e cultural, como um dos pontos de referência que Portugal não deve esquecer e com que deve fortalecer as boas relações diplomáticas e políticas.
Questionando também o progresso, Lourenço debruça-se sobre a ideia grega da história como inquérito, ou como forma de descobrir o sentido dos acontecimentos.
Em "Imagem e Miragem da Lusofonia" comentam-se desde uma perspectiva diferente a questão da globalização, sendo, e muito oportunamente, usada, do mundo no fim do milénio que parece um aeroporto em que a humanidade se cruza sem se ver. Este, de facto, poderia ser um dos perigos de um mundo cada vez mais uniforme e uniformizado, em que tudo parece ser próximo e conhecido, mas sem um real e profundo conhecimento.
Um dos pontos de aproximação entre povos e culturas poderia e deveria, na opinião de Lourenço, deveria ser a língua, e por isso é importante preservar-se a identidade linguística dos povos. Em relação à língua portuguesa, Lourenço exprime-se da seguinte forma: "língua, cultura e ficção". Para entender-se melhor  esta afirmação, é necessário encarar a língua como uma realidade histórica, política, cultural, "herdada", e não apenas como um fenómeno fonológico e fonético que serve para possibilitar a comunicação entre as pessoas. Discute-se também a célebre ideia da língua como pátria, sublinhando-se que no mundo lusófono a pluralidade de diferentes identidades que fazem parte da mesma "pátria" . Não se deve esquecer que a língua é e sempre foi um forte elemento da identidade nacional e cultural dos povos e que do poder que uma língua tem no mundo depende o estatuto dos países. Desta forma, Lourenço utiliza uma frase quase proverbial: "Diz-me a língua que falas, dir-te-ei o estatuto que tens" (122). No que diz respeito à diversidade de línguas locais que se falam nos territórios do Brasil e das antigas colónias portuguesas em África, este autor refere o fenómeno da "babelização", isto é o direito que todos os povos têm de exprimir a sua identidade na própria língua, sem esquecer que o português é e deve ser  um meio importante de comunicação na sociedade.
Quanto à relação entre Portugal e o Brasil, nas reflexões deste autor nota-se que se trata de um fenómeno profundo e complexo, que da parte portuguesa oscila entre "ressentimento e delírio": ressentimento porque na consciência de um brasileiro comum Portugal é um ponto de referência muito vago, situado algures na Europa, não tão importante como o é a Espanha na consciência de um mexicano ou qualquer outro hispano-americano.. Este facto, na visão do autor, não é recente, porque já desde os séculos XV e XVI, os habitantes do Brasil "os portugueses de lá" sentiam-se de certa forma diferentes e superiores aos "portugueses de cá", devido à grande riqueza material e ao ouro do Brasil. Trata-se também de um desconhecimento e incompreensão mútua entre estes dois países, que se deve a uma ampla e multifacetada identidade brasileira. O que é de notar na construção da identidade brasileira é uma certa tentativa de "fugir" do passado colonial português, de negar a importância da Europa e de "abrasileirar" o seu passado,criando uma identidade única e reconhecível num mundo cada vez mais globalizado. Referindo-se ao Carnaval como uma das festas principais no Brasil, Eduardo Lourenço chama este país de "país de disfarce", não vendo, porém, nesta designação nada de falso ou hipócrita, apenas salientando o carácter multirracial, multinacional e plurifacetado deste enorme estado que alguma vez na História pertenceu a Portugal.
Esta colectânea de ensaios problematiza também a definição do termo " lusofonia", sem demasiada mitificação e mistificação deste conceito e determinando-o apenas como o espaço cultural da língua portuguesa. Salienta-se também a ideia de uma determinada  tendência de "sacralização da língua" que os portugueses e os franceses têm, garantindo desta forma a união entre os povos que  falam estas duas línguas em questão e assegurando o seu domínio cultural sobre as suas ex-colónias. A ideia da lusofonia relaciona-se com certos estereótipos ligados ao Norte e ao Sul, neste caso particular, pontos cardinais de Portugal, desmanchando algumas das opiniões enraizadas sobre o regionalismo e bairrismo aparentemente típicos para os portugueses.
Estas duas obras, semelhantes e diferentes ao mesmo tempo , são uma continuação dos tópicos permanentemente presentes na obra filosófica de Eduardo Lourenço, que de uma forma imparcial e objectiva salientam o valor da cultura portuguesa na Europa e no mundo, apontando também para os seus problemas e dessvantagens, mostrando que é possível e desejavel preservar a identidade nacional e formar uma Europa unida nas suas diferenças.

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