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sábado, 29 de diciembre de 2012

a Europa segundo George Steiner

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...

STEINER, George (2004) A Ideia da Europa, Prefácio de José Manuel Durão Barroso, Gradiva, Lisboa, 55 pp.

Desde a existência da Comunidade Económica Europeia (a actual União Europeia) as ideias sobre a necessidade de um continente unido com os mesmos ideais e valores políticos, económicos, sociais e culturais parece ser uma constante que preocupa os pensadores, filósofos, sociólogos e outros investigadores do domínio das ciências sociais e humanas e esta obra não é excepção. Nas palavras de José Manuel Durão Barroso, este ensaio oferece “novas formas de encarar o Velho Continente” e também “explica a ideia da Europa a partir da escala humana, da geografia, de filósofos, artistas, professores sempre em movimento” (p.15).
O pensamento interessante e bastante original do qual parte Steiner pretendendo desenvolver o seu conceito da Europa concentra-se na importância dos cafés das grandes cidades da Europa, e particularmente a ocidental, que se relacionam quase intuitivamente com as personalidades dos poetas, políticos, filósofos e artistas que os frequentaram. Desta forma os cafés de Lisboa que foram os lugres preferidos de Fernando Pessoa, os cafés vienenses e parisienses frequentados pelos grandes nomes das culturas dos respectivos países, revelam um pouco sobre o espírito de cada uma das cidades em questão, sobre o grau da cultura destes países. Da mesma forma, é sublinhada a ideia que um pub inglês e um típico bar irlandês têm a sua história, cultura e mitologia próprias, que determinam o lugar de cada uma destas cidades no mapa cultural da Europa actual.
É precisamente a partir da cultura, uma cultura específica e universal ao mesmo tempo, que segundo Steiner se deve construir uma Europa unida e unificada, que só então será forte e resistirá às ameaças políticas e a vários tipos de crises que o continente pode enfrentar. Parece-nos que o ideário que Steiner propõe rsponde e corresponde de certa forma às ideias europeístas elaboradas por Eduardo Lourenço, que defende a possibilidade da criação de uma “mitologia europeia”.
De acordo com Barroso, “quem diz cultura, diz liberdade e diz diferença” (p.7), isto é, a cultura deve estar por cima de quaisquer nacionalismos, excessivas preocupações com a identidade étnica, política ou nacional e deve aproximar os povos.
Quando foi fundada, a actual União Europeia baseava-se apenas nos critérios económicos (e economicistas) e a cultura e o seu valor nas integrações europeias foram aparentemente bastante secundarizadas, para se evitarem os orgulhos nacionalistas e para não se fomentarem as ideias da supremacia de uma cultura sobre a outra. Esta tendência, porém, mudou, o que é visível na linha de pensamento de George Steiner.
Nas palavras de Rob Reiman, a cultura deve ser um convite para a cultivação da nobreza de espírito, para o interesse pelo Outro. Desta forma, segundo este autor “a cultura como amor não possui a capacidade para obrigar” (p. 20). Isto é, a verdadeira cultura, pela qual luta a Europa unida nega qualquer totalitarismo qualquer possibilidade da uniformização do pensamento humano.
Voltando à ideia inicial de Steiner sobre a importância das cafetarias numa cidade europeia, ver-se-á que estes sítios são encarados como locais “ de entrevistas, conspirações, debates intelectuais, mexericos” tal como locais em que as pessoas procuram reconhecimento político, artístico e literário”. Os cafés são encarados como centros de vida social e cultural, como sítios que reflectem um específico espírito urbano europeu, que não existe nem na América do Norte, nem na Ásia, nem na Austrália. Uma outra especificidade da cultura europeia, na perspectiva de Steiner é que “a Europa foi e é percorrida a pé” (p. 28), diferentemente dos outros continentes em que as distâncias geográficas entre as cidades são bastante maiores e as pessoas parecem ser bastante mais afastadas umas das outras. Nesta imagem enquadram-se o valor, a importância e a diversidade de viajantes (peregrinos, autores de livros de viagens, comerciantes, mestres, pensadores) que percorreram o solo do continente europeu a pé. Esta é uma característica importante da polis grega, o berço do pensamento filosófico europeu. As cidades europeias na linha de reflexão de Steiner são encaradas como cenários de acontecimentos ao mesmo tempo “luminosos e sufocantes”, cujo significado depende da perspectiva de quem observa estes lugares e as personalidades que criaram cultura em cada uma delas.
Este ensaio debruça-se também sobre o valor por vezes excessivo d passado histórico nos países e culturas europeias encarnado no “peso ambíguo do tempo verbal pretérito”, o que pode representar um problema grava quando a sobrevalorização da identidade nacional conduz a genocídios, limpezas étnicas, preconceitos sobre o Outro e sobre si próprio. A identidade cultural europeia, segundo Steiner, reflecte se na “herança dupla de Atenas e Jerusalém”, isto e nenhum europeu pode nem deve negar a importância e força com que a sabedoria grega moldou a sua forma de pensar e ver o mundo, e com que séculos de história, valores e fé cristã influenciaram a forma de crer, sentir, ter esperança e olhar para o futuro. Como três pilares principais da cultura europeia, Steiner destaca a música, a matemática e a filosofia, que elevam o espírito humano e que enriquecem o seu mundo interior.
Não obstante, este autor alerta para a intuição da Europa que pode ruir sob o peso da sua própria grandeza, riqueza e complexidade, que não tiveram equivalente na História e como exemplo desta afirmação refere as das guerras mundiais e a aparente perda de força e de importância do cristianismo na Europa. Este autor claramente tem em conta a cristandade ocidental, esquecendo mencionar sequer o cristianismo ortodoxo, que poderia ser uma das potências reemergistes no cenário cultural europeu actual.  Da mesma forma este pensador chama Moscovo de “subúrbio da Ásia”, e nesta atitude revela-se uma posição um pouco depreciativa da Rússia e da sua cultua ou um determinado elitismo com que se enfrenta o Ocidente europeu no sentido cultural.
Steiner é da opinião que a Internet, a padronização técnica a vida quotidiana, o uso do inglês como uma espécie de língua franca na comunicação não apenas vai aproximar os povos, como vai salientar a necessidade e a importância de um continente unido nas suas diferenças e particularidades, fazendo com eu um sonho europeu, liberto de ideologias falidas continue a ser sonhado e vivido até se concretizar.
Esta peculiar análise da cultura europeia e da Europa em si a partir de pormenores aparentemente insignificantes, o estilo sobro e a linguagem clara e sem pretensões intelectualistas, tornam a leitura desta obra acessível, embora não fácil ou simplista, que são justamente as características pelas quais o pensamento de George Steiner se destaca nas humanidades europeias contemporâneas.
Um dos pontos menos fortes deste livro é a talvez demasiada concentração na cultura da Europa ocidental, sem se debruçar sobre os valores da Europa do Leste, a Europa central o a do Sul, porque não é completamente possível construir-se uma mitologia europeia comum sem se terem em conta as suas grandes partes no sentido geográfico, político, social e cultural.
De ideias bem desenvolvidas, hipóteses fortemente argumentadas e de temática sempre actual, A Ideia da Europa é uma obra que deve ser lida e reflectida por qualquer intelectual europeu, porque se debruça sobre aspectos fundamentais para uma sociedade e uma vida melhor, e porque “a vida não reflectida , não é efectivamente digna de ser vivida” (p.55).

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