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miércoles, 26 de diciembre de 2012

a saudade portuguesa mais uma vez

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...
  VASCONCELOS, Carolina Michaelis de (1996) A Saudade Portuguesa - Divagações filológicas e literar-históricas em volta de Inês de Castro e do cantar velho "Saudade minha, quando te veria" e a Fonte dos Amores, Guimarães Editores, Lisboa, 156 pp.
Inúmeras vezes já se tem discutido a saudade portuguesa, do ponto de vista filosófico, literário, psicanalítico, cultural, antropológico ou até religioso e da influência deste complexo sentimento no carácter nacional português, na sua forma de pensar e de sentir, e da sua  "alma colectiva". O olhar de uma estrangeira, alemã de nascimento e portuguesa de casamento e "adopção", porque estudou e sentiu a cultura portuguesa como algo que lhe era muito próximo dela, é sem dúvida um dos contributos mais notáveis no que diz respeito à análise deste elemento da cultura portuguesa.
Partindo do mito dos amores proibidos e ilícitos entre o rei D. Pedro e a sua amada e amante Inês de Castro, Carolina Michaelis de Vasconcelos compara algumas das realizações literárias deste tópico nas línguas espanhola e portuguesa, analisando e devidamente explicando os elementos da história, lenda, mito e imaginação dentro de cada uma delas.
O que é interessante na visão desta autora é a sua afirmação sobre  a saudade enquanto sentimento e a sua particularidade na língua, literatura e imaginário portugueses: "É inexacta a ideia que as outras nações desconhecem este sentimento. Ilusória é a afirmação (...) que mesmo o vocábulo "Saúdade"- mavioso nome que tão meigo soa nos lusitanos lábios- não seja sabido dos bárbaros estrangeiros (estrangeiro e bárbaro são sinónimos) não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza do Além-Minho" (p.31). Como confirmação desta sua perspectiva, a autora refere alguns dos equivalentes desta palavra (e sentimento e filosofia) na sua língua materna, citando também alguns traços distintivos entre este conceito e os termos alemães, sendo os alemães também metafi´sicos e referentes ao Além, embora não tão aplicados na poesia lírica.
Como uma das possíveis definições  do termo português "Saudade", Michaelis de Vasconcelos cita as seguintes ideias: " vibra maviosamente a mágoa complexa da saudade: a lembrança de se haver gozado em tempos passados, que não voltam mais, a pena de não gozar no presente, ou de só gozar na lembrança, é o desejo e a esperança de no futuro tornar ao estado antigo da felicidade" (p.22)
Reflectindo um pouco sobre estas designações da saudade, pode ver-se que este sentimento é próximo da nostalgia dos "velhos bons tempos", de uma "idade de ouro" da tranquilidade, sossego e realização, que só existia no passado, que no presente é inalcançável, mas que permanece sempre como um sonho, uma utopia e uma fé no futuro. Esta investigadora é também da opinião que a saudade pode ter uma dimensão espiritual, quase religiosa, isto é designa o desejo da salvação e redenção da alma através do desejo de se estar perto de quem partiu, de se confessar a grandeza da falta que a sua ausência causou,  tendo-se a esperança de que nalgum momento se voltará a estar junto da pessoa amada e desejada.  Entre outras características da saudade portuguesa, esta pensadora refere também as "qualidades ternas, suaves, submissas, resignadas da paixão portuguesa" (p.35). Embora a autora analise a manifestação deste sentimento na literatura erudita dos séculos XV e XVI,  a saudade portuguesa descrita e verbalizada exactamente assim está muito presente nos cancioneiros medievais e ainda antes, na poesia portuguesa de expressão oral, podendo-se afirmar a existência de um modus amandi específico do povo português.
A este sentimento ligam-se estreitamente os sentimentos do "isolamento, ausência, falta, mágoa, carência, desamparo, tristeza, melancolia, dó de alma, o mal de ausência, a nostalgia" como também a " vontade de se possuir o que nunca se possuiu" (p.54.)
Estas são as razões pelas quais Carolina Michaelis de Vasconcellos opta por deduzir a etimologia do termo "saudades" do vocábulo latino "solitates" que seria o plural do termo "solidão" e como prova para a sua reflexão refere o "equivalente" espanhol "soledades",  como a sua "raíz evidentíssima". Esta, porém, a nosso ver não seria a ideia mais feliz , em primeiro lugar porque em espanhol existe a palavra "añoranza", que seria o equivalente semântico do termo "saudade" e em segundo lugar porque o processo do desenvolvimento fonético deste termo em português que a autora cita como "alterações fonéticas normais" parece muito forçado, e porque outras fontes mostram algumas divergências no processo do desenvolvimento do português a partir do latim vulgar.
O que representa um dos aspectos importantes deste livro é o fragmento de um velho cantar " Saudade minha,quando vos veria" cantado pela D. Inês de Castro e a sua criada de confiança, Violante, dirigido ao "seu penhor querido" D. Pedro. Neste canto exprime-se toda a dor e toda a angústia causadas pela ausência do amado, a "pena e o tormento" que dominam a alma da rainha apaixonada, a impossibilidade da concretização do seu amor etc, que parecem caracterizar de uma forma muito singular a palavra e o próprio sentimento da saudade.
Com uma série de anotações e esclarecimentos no fim do livro, a consulta e a compreensão da cultura portuguesa, do seu lirismo e da saudade torna-se mais prática e fácil, como também as lendas e pormenores do mito de Pedro e Inês e a Fonte dos Amores.
Para quem estuda a cultura portuguesa, esta obra deve ser uma das referências fundamentais acerca da mentalidade, lirismo e forma de exprimir os afectos do povo português. O facto de ser da autoria de uma estrangeira (embora naturalizada e bem enquadrada na sua cultura de acolhimento) atribui a esta visão de um segmento da literatura e cultura portuguesa um carácter mais neutro e imparcial, que se distancia e ao mesmo tempo aproxima da mentalidade e sensibilidade de um povo, de uma forma clara, científica e meditativa. Este estudo abriu o caminho a muitas outras perspectivas e visões do conceito da saudade (in)traduzível para outras línguas , literaturas e culturas.

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