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jueves, 27 de diciembre de 2012

Amor, drama, tragédia humana, transitoriedade da vida

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...
Filme: Amor
Género: Drama
 Duração: 127 min.
Cinema: El Corte Inglés
Com: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Rita Blanco
Realização: Michael Haneke
palma de ouro no Festival de Cannes 2012

Começando de uma forma dramática, delirante e inesperada, com uma equipa que abre um belo e grande apartamento no centro antigo de Paris a descobrir uma senhora idosa morta e coberta de flores, este filme insinua que o tema da morte será muito importante. Não se diria que se trata do acto de morrer em si, mas de todo o processo que o envolve: como é que uma doença incurável muda a vida da própria pessoa afectada e como este facto se reflecte naqueles que a rodeiam, amigos, familiares, médicos, enfermeiros. Este filme emocionante, arrepiante, bizarro, terno e profundo ao mesmo tempo questiona não apenas a existência como também os limites e alcances do amor, as forças e fraquezas que o ser humano enfrenta com a velhice, a esperança e a exaustão dos ideais e o triunfo da quotidianidade dura sobre os restos dos afectos.
Georges e Anne, dois professores de música reformados, já octogenários, vivem uma vida cultural e social muito activa, frequentam teatros, concertos, lêem muito, tendo também momentos de rotinas diárias, pequenas brigas, como qualquer casal que se conhece muito profundamente e que viveu muito tempo lado a lado. Uma noite, a protagonista continua acordada, olhando para o vazio e pretendendo que não se passa nada, o que seria talvez um dos primeiros sinais do drama humano marcado pelo medo da velhice, solidão, desamparo, doença e morte. No dia a seguir, ao pequeno-almoço, ela tem uma branca na memória, deixa de reagir, o que preocupa extremamente o seu marido, atencioso, carinhoso e terno. segue-se o acidente vascular cardíaco dela, a sua ansiedade e preocupação de poder permanecer num lar ou num hospital e uma série de cuidados, atenções, lembranças, mimos e pequenas provas de amor, que perdura mesmo quando as paixões juvenis já há muito tempo se desvaneceram. Quando ela fica paralisada do lado direito e quando nem sequer a música e o sucesso de um dos seus antigos alunos lhe servem de consolação, até a visita da filha, do genro e de pessoas próximas começam a incomodá-la, porque ela não deseja ser um peso e um obstáculo no percurso normal das vidas de quem a rodeia. Ela sente toda a sua miséria, doença e desfiguração física como uma perda e transformação angustiante da sua identidade numa outra realidade que lhe é estranha e que a leva a uma demência progressiva e ao sentimento da inutilidade e da ausência da necessidade de ela estar neste mundo, o que se torna cada vez mais um facto evidente e triste até para a sua família. Nesta história, talvez mais do que a profundidade do mundo íntimo e de toda a vulnerabilidade de uma mulher que antigamente era respeitada, realizada e brilhante na sua profissão e na vida pessoal, o que se destaca é a paciência, o carinho e a ternura do marido que compreende todos os sofrimentos da sua amada, tentando suavizar e diminuir a sua dor. Ele canta com ela, lê-lhe o jornal, lava-a, alimenta-a, põe pêssego na sua papa, para lhe ser mais saborosa, conta-lhe histórias do seu passado para a fazer rir, dá-lhe banho e massagens, faz exercícios e terapia da fala com ela, deixa tudo para a acudir e proteger, até que um dia não aguenta mais e sufoca-a com uma almofada.
Pelo que se apresenta na obra, nenhum dos protagonistas tem quaisquer crenças religiosas, o que dificulta e aprofunda ainda mais a sensação da impotência  do ser humano perante a dor e a proximidade da morte. Nos poucos momentos de lucidez, Anne recorda-se dos momentos que ela e o seu amado passaram quando ainda eram namorados, vê os antigos álbuns de fotografias e sublinha que uma vida comprida é tão bela. O marcante nessa cena são as suas mãos idosas com a aliança de casamento, que parecem acariciar cada uma das folhas do álbum que contém as inúmeras memórias e pequenas felicidades de um casal harmonioso. Quando nos momentos de loucura e falas despropositadas menciona a sua mãe e o concerto, tal como o facto que o dinheiro desaparece quando se vende uma casa, o espectador pergunta-se até que ponto essas frases não serão por um lado o seu desejo de ser protegida e de continuar a viver a sua vida plena em que a música é um fio condutor, e por outro lado, anunciam a destruição do lar familiar, a pobreza e a ruína.
O que surpreende o público é o final , em que se ouve água na cozinha, vê-se a protagonista a lavar a louça, como se não tivesse acontecido nada e recorda o seu marido para levar o casaco antes de os dois saírem para a rua. Pouco depois entra a sua filha no apartamento vazio e ali permanece sozinha à espera de algo indeterminado. Esta ideia leva a pensar que toda a história do filme, cheia de presságios negros e relacionados com a morte, o sufoco e o medo (a mão idosa que sufoca Georges, o pombo que entra duas vezes e não tem por onde sair), é apenas uma alucinação do marido, a sua imaginação do que é que poderia ser se a sua amada Anne adoecesse gravemente.
Esta história é um apelo á humanidade, um questionamento para os limites da resistência humana, uma explicação das dificuldades que passam não apenas os doentes como também os seus familiares e amigos, uma denúncia contra determinados enfermeiros que tratam mal os pacientes indefesos, uma prova de amor, amizade, união familiar,uma interrogação sobre a transitoriedade da vida e o seu sentido.
Com a excelente actuação dos protagonistas, uma grande atenção aos pormenores, a fotografia e a imagem que por vezes dizem mais do que as próprias palavras, com a música como um elemento salvífico e terrível ao mesmo tempo, Amor é o tipo do drama que não deixa ninguém sem reflectir sobre a vida, a morte, o medo e o mais profundo e mais belo dos sentimentos-o amor humano.

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