Entradas populares

sábado, 11 de agosto de 2012

fronteiras perdidas José Eduardo Agualusa

AGUALUSA, José Eduardo, (2002) Fronteiras Perdidas, Contos para Viajar,  Publicações Dom Quixote, Lisboa, 124 pp.
 Quem conhece a prosa de José Eduardo Agualusa, sabe que nas suas obras pode esperar que se debatam as questões da fronteira, da identidade, de alguns problemas do homem angolano contemporâneo tais como "de que forma o seu país é visto no exterior", "onde está o seu lugar," " o que significa hoje em dia ser angolano" e neste sentido as Fronteiras Perdidas não representam nenhuma excepção.
Quer que se trate de uma viagem de jipe, de ónibus no Brasil, de avião, de comboio ou de um simples elevador, o que une estas desassete  narrativas breves é de facto a constante procura de um "lugar de morança", de um ponto de referência, de uma identidade, de um espaço fixo no mundo cada vez mais globalizado em que as noções da fronteira do centro, da margem e da periferia são sempre mais abaladas e menos reconhecíveis. A identidade torna-se cada vez mais traiçoeira e perde o seu significado, ainda que se trate de um nome e apelido à partida inconfundível.
Nas narrativas de Agualusa, tal é o caso de Plácido Domingo, para o qual todos os leitores poderiam assegurar que se trata da grande estrela de ópera, quando ao longo do conto se descobre que o seu protagonista é um antigo capitão do exército português, que apóa a Revolução de Abril em Luanda "foi levado em ombros por uma multidão eufórica". A mesma insignificância do nome e da identidade revê-se no caso da raquel, que sempre foi chamada de Fronteiras Perdidas, para o narrador do conto pôr em questão o seu verdadeiro nome, explicando que nalgumas tradições existe um nome público e ooutro íntimo, usado apenas em cerimónias restritas.
Ao longo da leitura desta obra confirma-se que "não há mais um lugar de origem", que existem "outras fronteiras", que até o sonho como uma das experiências humanas mais íntimas é apenas um sítio de passagem e que é possível viajar pelas memórias, pelas cidades reais como Luanda, pela fantasia e pelo cinema, mas que a existência de uma "casa" é um assunto muito vago e frágil. Mesmo quando uma casa física existe, o importante é como é que nos sentimos nela, o que nos mostra o caso de Jimmy waters, que regressou à África, mas que se sente desvinculado da terra das suas origens porque já adoptou um pouco da mentalidade e da cultura ocidentais.
Nestas narrativas está sempre latente a questão do "eu" e do "Outro", de "nós" e "eles" e que sempre existem alguns estereótipos e preconceitos culturais, mesmo entre os próprios africanos ou descendentes de africanos o que melhor se expressa na afirmação que "os pretos não sabem comer langosta".
Entre os tópicos abordados nesta colectânea destacaríamos a insegurança humana e a sua humilhação perante o riso dos outros, elaborada no conto "o perigo do riso", a necessidade de se acreditar numa força superior, como é o caso do "Taxista de Jesus", a alienação humana no meio urbano e o afastamento do homem contemporâneo da natureza e das suas raízes, expressos nas palavras da avó no conto "Por que é tão importante ver as estrelas".
Com os seus títulos bem escolhidos " A volta ao mundo em elevador", " A noite em que prenderam o Pai Natal", " Carro Malhado", "A pobre pintora negra que era um branco rico", com o seu estilo simples, mas cativante, com uma ligeira dose de humor e linguagem coloquial, estes contos convidam o leitor a deslocar-se juntamente com o narrador e a viajar à procura de diversão, algum ensinamento e das imagens de uma África conhecida e misteriosa ao mesmo tempo, de uma África próxima e longínqua que habita detrás das fronteiras perdidas e frágeis do nosso mundo contemporâneo.

viernes, 10 de agosto de 2012

en busca del lado negativo del alma humana "Memórias del Subsuelo" Fedor Dostoyevski

DOSTOYEVSKI, Fedor (2003), Memorias del Subsuelo, Editorial Juventud, Barcelona,179 pp.
Esperar de Dostoyevski un análisis profundo de los vicios, trastornos y las emociones más profundas y marcantes del alma humana es tan natural y común para quien está acostumbrado a leer sus grandes novelas como El crimen y el Castigo, Los Hermanos Karamazov u otras, siendo sus Memorias del Subsuelo su antecedente más importante. 
En esta narración breve ya se empiezan a notar los temas y preocupaciones que el novelista ruso iría a desarrollar a lo largo de toda su creación literaria: el libre albedrío, la existencia del mal y sus raíces, la culpa del hombre, la denuncia de los trastornos psicológicos de la gente etc.
La primera parte, con el título "El Subsuelo" consiste en once capítulos breves en que el narrador de la historia, un antiguo funcionario público que se dimitió porque era grosero y antipático con todos, hipocondríaco y desilusionado de la vida, se dirige a un público imaginario, tratándolo por "señores". A lo largo de los capítulos iniciales discute tanto las cuestiones filosóficas (la razón y el libre albedrío, la voluntad, el carácter humano, haciendo un "ajuste de cuentas" con el racionalismo iluminista y con el utilitarismo burgués), como despliega ante los ojos de sus observadores invisibles toda una serie de defectos humanos (la hipocrecía, la vanidad y la debilidad de los que no tienen la autoestima suficiente), debatiendo también el papel del sufrimiento y de la felicidad en la vida humana y en la formación del carácter de las personas. En la primera mitad de su obra, Dostoyevski aprovecha la oportunidad de reflexionar sobre la literatura y la crítica literaria, dando su opinión sobre Nekrasov, Gógol y otros autores de su época, tal como para concentrar-se (no sin ironía) en los conceptos de lo bello y lo sublime, muy discutidos y abordados por los filósofos románticos alemanes, desde Kant até Schelling e Fichte, embora não mencione os seus nomes. Definiendo el romántico russo, el autor lo cualifica como un hombre inteligente, que aún así puede ser el mayor de los canallas, y por eso se distingue del romántico alemán o francés. tocando en este asunto, discute también la especificidad del "alma rusa", concepto que fue muy popular durante el siglo XIX.
En esta parte el narrador puede perecer cínico, a veces demasiado directo, otras veces irónico, pero con todas estas tácticas, traza lo que posteriormente en la teoría literaria se llamaria de "antihéroe",  personaje principal negativo sin cualesquiera escrúpulos, que pretende presentar el mundo como un sitio hostil e injusto para vivirse en él.
La segunda unidad del libro, con el título "A Propósito del Aguanieve", también dividida en once capítulos breves, presenta ya la degradación total del narrador, que en su subsuelo se acuerda de un episodio de su juventud, con un hombre llamado Zverkov, su humillación, muchas injusticias, la crueldad humana y el desinterés por el prójimo.
Lo más impactante en esta parte de la obra es la construcción del personaje de Lisa, una joven de veinte años, que huye de su familia paterna por determinadas divergencias y termina en el subsuelo, pensando en seguir su propio camino.
Por momentos hasta parece que en el narrador se despiertan algunas características buenas, porque inicialmente siente compasión por Lisa, advirtiéndola a los peligros, la desonestidad y la miseria que la esperan en el mundo de la prostutución (además de la degradación de su juventud y belleza física, las enfermedades, ella debería enfrentar-se con la violencia, el desprecio, los malos tratos por parte de todos: desde su propia patrona hasta los clientes, la borracchera, el camino de la perddición absoluta).
Conforme se llega al final de esta obra literaria, se ve que la intención del narrador no era la de hacer que Lisa recapacitara y que volviera a la casa paterna, porque será él mismo que la deshonraría. Su afirmación que "no puede ser bueno" ya en las páginas finales del libro pone ante el lector  la cuestión si el mal es innato o si se ouede combatir, si el libre albedrío del hombre, de permanecer malo hasta el último momento es tan grande y tan fuerte que nada ni nadie lo puede influir o cambiar, y eso da un carácter todavía más profundo al modo de pensar dostoyevskiano.
A pesar de su tono bastante negativo, a pesar de presentar una irreparable degradación del ser humano, las Memorias del Subsuelo es un libro que vale la pena leer porque toca en los asuntos universales y siempre actuales que no se refieren solo al hombre ruso de los finales del siglo XIX, sino que siguen interesando e intrigando al público lector del mundo entero, con su profundidad de reflexiones y un excelente estilo en que está escrito.

jueves, 9 de agosto de 2012

um olhar psicanalítico para os contos de fadas

FRANZ, Marie-Louise Von (2005) A Interpretação dos Contos de Fadas, Paulus Editora, São Paulo, 240 pp.
Afirmar que os contos de fadas não são apenas textos divertidos para o passatempo e a educação de crianças não é novidade nenhuma desde que os psicanalistas da vertente junguiana lhes deram uma interpretação nova e diferente.
Marie-Louise von Franz, psicanalista suíça, discípula de Jung e sua colaboradora durante mais de trinta anos, tornou-se numa autoridade reconhecida na área de investigação dos mitos e contos de fadas. Este livro, desde o seu prefácio, feito por Léon Bonaventure, oferece-nos afirmações interessantes como nomeadamente que (p.5) "somente o amor é capaz de gerar a alma, mas também o amor precisa da alma". Nesta citação vê-se não apenas o reflexo do mito sobre Cupido e Psique, como também se confirma que em vez de se interrogar e buscar explicações dos nossos traumas e feridas, devemos aceitar e amar a nossa alma assim como ela é, e os contos de fada têm como uma das funções primordiais oferecer um reconforto ao ser humano e ajudá-lo a integrar-se no mundo e na comunidade em que vive, circunscrevendo o desconhecido e intentando revelar o que é o SELF de cada indivíduo ou de cada nação.
a autora deste estudo chama os mitos e contos de fada de "experiências arquetípicas" que surgem mediante a irrupção das imagens do inconsciente colectivo na experiência de um indivíduo e eis uma das possíveis razões de haver variações do mesmo tema nos contos de fadas de diferentes culturas.
Através da análise de um conto tradicional concreto As Três Penas encontrado pelos irmãos Grimm, pretende-se descodificar a múltipla simbologia da linguegem das personagens da narrativa, dos objectos que elas usam, as reacções dos participantes na intriga e toda uma série de acontecimentos que dão a esta história uma perspectiva mais profunda do ponto de vista da psicanálise. desta forma, as quatro personagens principais do conto (o velho rei pai e os seus três filhos) simbolizam as quatro funções psíquicas das quais falava jung nas suas teorias, mas na fase inicial nota-se a presença do princípio masculino, sem qulquer menção do feminino, uma vez que a rainha não faz parte do quadro dos protagonistas. Poder-se-ia pensar que nas antigas sociedades patriarcais o papel da mulher (ainda que fosse a própria rainha) não era muito considerado nos assuntos tão importantes como quem é que vai ser o herdeiro do trono. Marie-Louise von Franz, porém não oferece aos leitores uma visão tão simplista deste problema, uma vez que o terceiro filho, chamado por todos de "Tolo", o que sempre está mais próximo da terra, é quem entra em contacto com o feminino, através da Senhora Rã e das suas filhas rãzinhas, que simbolizam o feminino e completam o que falta na história. Há-que mencionar que as prendas que o rei pai pede (o tapete, o anel e a esposa) não foram escolhidas por acaso. Nas culturas orientais, o tapete é uma espécie de "continuação da terra", um objecto que oferece conforto, calor, abrigo, mas que não deixa de ser o mais próximo do chão, isto é do princípio telúrico e feminino. O anél, objecto redondo, que ao mesmo tempo vincula e isola, simboliza a união eterna e o desejo de pertença, no que também se reflecte o princípio feminino. A esposa mais bela que deveria corresponder ao herdeiro do trono e de ser digna dele é uma rã transformada em princesa. Este motivo é muito comum nos contos tradicionais indo-europeus, quer que se trate de rã que se transforma em princesa, quer que seja um sapo que se torna no príncipe mais belo mo mundo. Várias são as possíveis explicaç\oes para esta metamorfose, mas a autora deste livro é da opinião que a rã obtém a sua plena realização feminina na forma de princesa, mostrando que o princípio feminino é indispensável para completar o masculino. A quarta prova que pedem os irmãos do Tolo, na perspectiva desta investigadora, é apenas a afirmação da ideia que o número quatro é de facto aquele que ajuda a plena activação do SELF. Curiosamente, a última tarefa que deve ser cumprida, não é exigida dos filhos do rei, mas, sim das suas noras: a de saltar por uma argola, e ela é bem-sucedida apenas pela princesa, a esposa do filho mais novo. Por causa da sua vida anterior na pele de rã, ela é habilitada de fazer bem o salto. Há-que notar também que a argola tem a mesma forma que o anel e a mesma função, de vincular e isolar, de unir e separar. Como a argola pode representar o órgão sexual feminino, a que consegue fazer a prova sem se partir, consegue ser sexualmente iniciada com sucesso e desta forma garantir o herdeiro do trono, embora isso não seja explicitamente dito no conetúdo da história.
Na segunda parte do seu estudo Marie-Louise von Franz debruça-se sobre algumas das questões importantes para a psicanálise, tais como a existência e a manifestação do animus, da anima e da sombra nos contos de fadas e ilustra as suas afirmações com diversos exemplos de contos tradicionais, desde a tradição russa até à judáica.
A terceira parte, talvez a mais interessante do ponto de vista teórico e prático é a das perguntas feitas à autora e as suas respostas, em que com palavras simples explica a importância dos sonhos, contos de fada, arquétipos e outros termos da psicanálise junguiana. Uma das hipóteses desta investigadora é que Andersen aa través dos seus contos manifesta um tipo de neurose, condicionada pela rigorosa relação da igreja luterana em relação às questões da sexualidade e individualidade.
mesmo que esta possa ser uma interpretação um pouco radical da criação de Andersen, este livro representa um conjunto de estudos valiosos relacionados com o domínio do mito e dos contos de fadas, matéria que parece inesgotável e sempre actual, sempre nova e interessante, tanto para as crianças e adolescentes como para os adultos.

miércoles, 8 de agosto de 2012

histórias de amor e de procura da identidade em "Sputnik, Meu Amor" de Haruki Mmurakami

Apesar de este romancista japonês ultimamente ser muito popular e traduzido no mundo inteiro, Sputnik, Meu Amor de Haruki Murakami não é uma história muito prometedora, talvez por ser a primeira obra conhecida do autor.
Antes de começar a narração, ao leitor é-lhe dada uma informação básica sobre  Sputnik I e Sputnik II, e sobre a cadela Laika, que parece ter sido sacrificada em nome da ciência. este texto inicial, que serve para recordar alguns factos básicos do domínio da cultura geral, guarda uma ligeira relação com o conteúdo do livro, apenas porque o nome do satelite artificial passa a ser a alcunha de uma das personagens. 
Ao longo da obra é apresentada a vida de Sumire, uma jovem de vinte e dois anos, que se apaixona por uma mulher desasséis anos mais velha e casada. Esta rapariga, no início desorganizada, esquecida, despistada, sem empregos sérios, sem objectivos na vida, a não ser o de se tornar numa romancista brilhante, tem apenas um amigo, o narrador da história, secretamente apaixonado por ela.
Quando conhece Miu, uma mulher coreana, empresária, independente e pelo que aparenta, o seu pólo oposto, mas que gosta de música clássica como ela, Sumire apaixona-se perdidamente, e essa obsessão será um dos fios condutores do romance. Com ela começa a trabalhar, a ter mais responsabilidades, a vestir-se bem, a falar italiano, a deixar de fumar e a viajar pela Europa, o que é um pormenor importante no desenvolvimento da intriga, uma vez que sputnik em russo significa "companheiro de viagem". Essa viagem poderia ser a tanto física, pelos distintos espaços da Europa, coomo a interior, para o mundo íntimo das pessoas que reflecte a sua busca da identidade, da felicidade e da realização pessoal.
No livro não fica claro se na sua frívola, mas devastadora paixão por uma mulher, Sumire procurava a imagem da mãe que perdeu cedo, uma figura que seria modelo para ela, o seu outro eu, a realização do seu ideal de mulher ou apenas um objecto de satisfacçãodo seu desejo sexual. Quando escreve sobre isso no documento 1 do seu computador, deseja que as duas penetrem no mais profundo uma da outra, o que poderia revelar mais uma procura de conhecimento e auto-conhecimento mútuo do que uma mera paixão carnal. Quando está com Miu, ela deixa de pensar e de escrever, sonha com a sua mãe que está morta e pretende alcançá-la no céu e não o consegue. Por outro lado, a história de Miu, que uma noite ficou fechada num parque de diversões e através dos seus binóculos viu a sua dupla ou sósia a ter relações sexuais com um homem que a assediava e que lhe metia medo, e por causa dessa visão ficou frígida e dividiu-se em duas mulheres diferentes separadas por um espelho imaginário, não é capaz de comover a ninguém e podia perfeitamente ser omitida no livro, embora se pretenda sublinhar que essa duplicidade entre este lado e o outro lado é um fio que une as duas personagens.
Mais interessante do que tudo isto parece ser a relação de amizade e cumplicidade entre Sumire e o narrador da história, a única pessoa que a compreende, que a ama, que está sempre ao lado dela, que a conhece profundamente, que é capaz de fazer tudo por ela, até de viajar subitamente desde o Japão até uma ilha grega perdida no mar perto da fronteira turca. A personagem do narrador está muito bem construída, porque revela a plena dedicação a tudo o que faz, ao seu trabalho de professor primário, às suas leituras e mais do que tudo à Sumire.  Enquanto todos o usam como instrumento de ajuda, ninguém se preocupa com os seus sentimentos e a sua solidão, que o onbriga a relações ocasionais com mulheres mais velhas e casadas, muitas delas mães dos seus alunos. Até nesse pormenor (de quererem estar com uma mulher mais velha e casada), Sumire e o seu amigo são semelhantes, mas por parte dela não se manifesta nenhum interesse no contacto físico com ele e por isso não pode haver uma relação amorosa com ele.
Quando o narrador reflecte acerca dos seus sentimentos por Sumire, pensa que Miu a ama, mas não a deseja, que a sua amada ama e deseja Miu e ele ama e deseja apenas a sua amiga o que torna as persoonagens deste livro em participantes de um previsível e frívolo triángulo amoroso, digno de telenovelas ou de um romance barato romance cor-de-rosa e não de uma obra que pretende ser considerada grande obra de arte.
Após o misterioso desaparecimento de Sumire e o seu regresso ainda mais misterioso, a história da sua procura, realização pessoal e a sua identidade ficou incompleta, confusa e inacabada. O pormenor de Miu voltar a ter o cabelo branco depois de ter voltado da Grécia, poderia significar uma forma de ela ter ultrapassado o trauma do passadp e de ter-se aceite tal como é, enqaunto o narrador da história, também voltou da sua viagem transformado, com um irreparável sentimento de perda.
Além de o romance estar repleto de temas pseudo-intelectuais como nomeadamente a diferença entre o signo e o símbolo, a importância dos sonhos e a referência de demasiadas peças e compositores de música clásssica, muitas vezes peca no estilo, usando muitas repetições e comparações quee se reduzem a clichês gastos. ("certo, certíssimo", "ter fome de lobo", "evaporar-se como o fumo", que se notam tanto no próorio autor, como na escrita de Sumire, que se pretende ser uma escritora extraordinária, não deveria escrever assim.
Sputnik, Meu Amor, com o seu título interessante e alguns dos temas que poderiam dar muito material para um excelente romance (o amor, a perseguição de um ideal, a procura da identidade e da realização pessoal), não deixa de ser um de muitos livros comerciais e superficiis, que exigem um grande esforço do leitor para não serem abandonados a meio da leitura.

martes, 7 de agosto de 2012

Micro-teatro em Lisboa

A Santinha é Linda  O micro-teatro no âmbito das festas populares de Lisboa
Texto e encenação: Vicente Alves do Ó, interpretação: Carmen Santos e Carlos Oliveira
Local: Teatro Rápido, Lisboa
Por Anamarija Marinović
Se ultimamente se tem falado muito sobre os “microcontos”, “micro-relatos”, poesia haiku e outras formas literárias baseadas no minimalismo e na concentração no detalhe e no mais essencial como pequenas cenas da vida quotidiana transpostas para a literatura, falar no micro-teatro na Europa ainda parece ser uma novidade.
Este tipo de teatro reduz a ação e o número de personagens ao mínimo, não se divide em atos, porque a duração da peça no total não deve exceder os 15 minutos, resume a sua ideia na transmissão de uma mensagem rápida e eficaz da atualidade provoca a reação e a reflexão dos espetadores como se se tratasse de um anúncio publicitário, excerto de uma conversa quotidiana ou notícia do jornal.
Depois de ter recebido boa aceitação por parte da crítica e do públiconas crandes capitais europeias como Paris, Madrid e Berlim, o micro-teatro veio a Lisboa e especificamente para estes efeitos recentemente foi aberto o Teatro Rápido em Lisboa, um espaço alternativo com quatro salas de espaço reduzido, de forma a possibilitar a interação entre os atores e os espetadores. Este teatro fica em pleno Chiado (Rua Serpa Pinto 14) e os preços dos espetáculos correspondem ao tamanho das peças, sendo o custo de um bilhete de apenas três euros. O teatro tem também uma cafetaria acolhedora decorada com pequenas obras de arte, o que tornará a estadia no espaço ainda mais agradável para quem não está habituado a frequentar este tipo de peças teatrais.
Dentro do âmbito das comemorações das festas populares em Lisboa, desde o dia 1 até ao dia 30 de junho, este teatro acolheu entre outras a micro-peça A Santinha é Linda da autoria e encenação de Vicente Alves do Ó e com a atuação de Carmen Santos e Carlos Oliveira. Quem viu o filme Florbela, ou a representação de A Voz Humana de Jean Cocteau, encenada por este mesmo artista, talvez esperasse uma peça um pouco diferente, mais “séria” ou intelectual. Trata-se, no entanto de uma forma divertida e ao mesmo tempo crítica do lado mais comercial e superficial das festas populares lisboetas que decorrem anualmente durante o mês de junho.
As personagens são um ensaiador das marchas populares, com pouca cultura e instrução e com o vocabulário reduzido a uma dúzia de palavras coloquiais e nem mais nem menos que a própria Nossa Senhora da igreja do bairro da Lapa, que para os efeitos da peça é chamada de Santinha. Esta obra é uma comédia que toca em alguns assuntos da atualidade portuguesa (a crise, o aumento dos preços de tudo, até mesmo das sardinhas, inevitáveis na mesa dos portugueses nesta altura do ano, o interesse meramente comercial das festas populares, a crítica do bairrismo lisboeta, o pouco conhecimento da própria cultura por parte de alguns portugueses, a ideia do Governo português de se suprimirem determinados feriados etc).
No meio da preparação das marchas populares dedicadas a Santo António, aparece a imagem da Nossa Senhora da igreja da Lapa, protestando por se sentir abandonada e esquecida e por o bairro da Lapa não ter a sua própria marcha popular, exigindo também ela um feriado só para ela.
Para a surpresa do ensaiador das marchas populares, que parece muito preocupado apenas com o tempo que lhe falta até ao início dos desfiles, com o fator económico e com o seu próprio trabalho, trata a sua visitante por “filha”, “amiga” ou até usando a expressão coloquial e pouco apropriada para uma senhora “gaja”, mostrando desta forma não apenas o desrespeito em relação à população feminina, mas também a sua profunda ignorância de alguns pormenores relacionados com a cultura popular portuguesa e até às próprias marchas (nomeadamente que Lapa não participa do evento). A Nossa Senhora aparece também como defensora das mulheres e “santa feminista” exigindo o seu devido lugar no meio de vários santos masculinos que se comemoram tradicionalmente durante o mês de junho em Portugal (Santo António, São João, São Pedro). Ela é a que dá uma lição de bom comportamento a Adalberto, o responsável principal da organização das marchas lisboetas, ensinando-o a “falar fofinho” sem usar palavrões nem linguagem de registos não apropriados na sua presença, reivindica a beleza e o valor da igreja da Lapa, defendendo a ideia de que ela deveria ser mais visitada e promovida em Lisboa. A Santinha ensina que se deve ter o respeito pelo sagrado, pelas pessoas mais velhas, pelas mulheres, ensina o rapaz que inicialmente era rude e mal educado, a pedir desculpa, a expressar-se bem e a valorizar e conhecer melhor as suas próprias tradições e a informar-se mais sobre a realidade mais imediata que acontece na sociedade portuguesa atual. Com o agradecimento e a exclamação “A santinha é Linda!” que deu o título a esta micro-peça teatral, o organizador das festas populares compromete-se a ver o que é que se pode fazer pela reivindicação da Nossa Senhora da Lapa e no que se refere aos seus pedidos relacionados com o feriado e a marcha popular, todo o público ri e dá uma nova dimensão às festas lisboetas, pensando sobre o que há por trás de um evento cultural que não é nem deve ser encarado apenas como uma diversão barata para as camadas baixas do povo.
Apesar de alguns aspetos positivos da obra como nomeadamente a excelente encenação e escolha dos atores e do tema, seria necessário apontar também para alguns pormenores que talvez poderiam ser repensados ou melhorados numa das próximas realizações da peça: deveria talvez ter-se um pouco mais de cuidado na construção da personagem da Nossa Senhora, uma vez que há momentos em que ela parece um pouco amargada e vingativa, há sequências em que ela também usa o jargão juvenil, parecendo não diferenciar-se o seu estilo falado do registo do rapaz a quem se dirige. A expressão que ela morreu “sem aproveitar a vida” poderia talvez entender-se como uma determinada desvalorização dos santos e do seu papel não apenas na tradição popular, como na vida espiritual e religiosa das pessoas. Tendo em conta que Portugal é um país com uma grande tradição mariana, que no século XX se deve também às aparições em Fátima, esta frase proferida pela boca da Santinha pode soar ligeiramente irreverente aos que são devotos do seu culto. Na denominação Santinha, porém, não nos pareceu evidente qualquer menosprezo, mas uma tentativa de a Nossa senhora se aproximar ainda mais do povo, das festas populares e do imaginário dos portugueses.
Com uma ótima intervenção de Carmen Santos e de Carlos Oliveira, esta peça chamou a atenção do público, provocou riso e simpatia, tal como o interesse pelas tradições populares portuguesas, pelo seu lado bom e menos bom, como também ensinou valores: o respeito pelos outros, a existência da vertente cultural e espiritual da vida, a necessidade de se pedir desculpa e de se corrigirem algumas injustiças.



mulheres perigosas

BOLLMAN, Stephen (2009) Mulheres que Escrevem Vivem Perigosamente, Quetzal Editores, Lisboa, 152 pp.
            Com um título que sugere que seria uma espécie de continuação do livro Mulheres que lêem são perigosas, esta obra apresenta uma série de retratos de mulheres escritoras e as suas vidas originais e por vezes trágicas, sendo a sua escrita uma das possíveis razões para a sua difícil inserção no mundo que as rodeava. Uma vez que a esfera pública da vida ao longo da história tem sido visivelmente marcada pela presença e domínio do género masculino, não é de estranhar que determinadas mulheres excepcionais se tenham revoltado contra esta situação, exigindo o seu lugar digno e o reconhecimento no domínio profissional. Para algumas delas, a escrita era a o desejo de substituir o único papel digno tradicionalmente conferido à mulher (o de dona de casa, esposa e mãe), e para outras como nomeadamente para Ingeborg Bachmann (p.8) “a escrita é o mais doloroso de todos os tipos da morte”. A escrita é também encarada como libertação da monotonia quotidiana ou uma arma da luta feminista quase política.
            Na opinião da escritora latino-americana Cristina Peri Rosi (p.9) 2 as mulheres não escrevem, e quando escrevem matam-se”. A ligação entre a criação literária e a morte trágica de algumas autoras como foi o caso de Virginia Woolf, Sylvia Plath, Alfonsina Storni e outras revela a sua angústia interna por um lado e a sua incapacidade de se enquadrar no mundo real, abundante em preconceitos e dificuldades relativas a mulheres pioneiras na carreira de escritoras. Muitas das autoras aqui referidas consideravam o seu ofício incompatível com o casamento, a vida familiar e as obrigações que a vida a dois comportava, por isso nas suas vidas pessoais havia escândalos, divórcios, crises artísticas, como também recorrências a álcool, tabaco ou drogas, que aparentemente deviam aliviar a sua incapacidade de conciliar a sua realização profissional e a afirmação enquanto mulheres, mães, amantes, donas de casa e pessoas de uma boa reputação.
            A sensação da menor valia destas mulheres criadoras deve-se em parte à ideia da mulher que durante séculos era obrigada à reclusão num convento caso desejasse ter acesso à alfabetização. A imagem da mulher freira contra a sua própria vontade implica a conotação com uma profunda insatisfação e frustração a nível pessoal, o que por sua vez deveria reflectir-se na sua escrita transmitindo uma determinada amargura ou angústia. Não sendo sempre assim na verdade, algumas das escritoras utilizavam pseudónimos masculinos para as suas primeiras obras e adoptavam a sua identidade feminina quando a obra inicial era bem recebida por parte do público leitor. Outras, porém, eram obrigadas pelos maridos a entregarem-lhes a obra para ser assinada por eles e publicada como sua, o que causava conflitos a nível pessoal e problemas com a propriedade intelectual e os direitos do autor.
Entre as autoras representadas nesta colectânea encontram-se nomes como Jane Austeen, as irmãs Brontë, Virginia Woolf, Hildeagrda de Bingen, Cristina Pisano, Mary Wollstotencraft, Anna Achmatova, George Sand, Božena Němcová, Agatha Christie, Hariet Becher-Stowe, Sylvia Plath, Johanna Spiri, Selma Lagerlőf, Toni Morrison, Dorothy Parker e outras, todas elas especiais e singulares à sua maneira, tendo contribuído cada uma para o desenvolvimento e enriquecimento da literatura no seu país e no mundo. Mencionando apenas algumas delas, devemos destacar que a autora sueca Selma Lagerlőf é a primeira mulher vencedora do Prémio Nobel (1909), que Božena Němcová é considerada a primeira mulher checa escritora no sentido moderno da palavra, que Cristina Pisano, embora tenha vivido entre 1360 e 1430 foi a primeira escritora profissional laica, filósofa e pensadora, muito autónoma para o seu tempo. Dorothy Parker foi considerada “the wittiest woman of America” (a mulher mais espirituosa da América). Nas suas palavras “tal como o amor a literatura é também intersubjectiva e internacional” (p. 135). Relacionando a esfera dos sentimentos com a literatura, esta autora tenta reconciliar aquilo que é considerado o mais característico para a mulher (a emocionalidade) com um ofício tipicamente masculino, mostrando que a mulher pode ser boa nas duas esferas e que não se deve projectar no mundo como vítima ou discriminada. Astrid Lingren, autora de Pipi das Meias Altas, a pedido da sua filha que estava doente, criou um novo modelo de menina: rebelde, com personalidade forte, curiosa e admirada por crianças no mundo inteiro. Toni Morrison é a primeira escritora afro-americana galardoada com o Prémio Nobel em 1993. Mary Wollstotencraft foi autora da obra polémica Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã, por causa da qual foi condenada à guilhotina. Agatha Christie é a primeira autora de policiais que deu um grande valor estético e literário a este ge´nero até então pouco valorizado. Doris Lessing, a ícone do movimento feminista, lutadora pelo reconhecimento e respeito da mulher em todas as esferas e em todos os sentidos da palavra. Nem sempre problemáticas, revolucionárias ou radicais nos seus comportamentos, estas mulheres foram criativas e inovadoras  cada uma do seu modo, aportando grande valor à história e à literatura.
Se existe a ideia geral de que só com o Iluminismo se presta mais atenção à educação da mulher, à vida cultural organizada nos salões literários das damas das classes sociais mais altas, no século XIX a mulher ganha mais importância tanto como personagem principal das obras (Anna Karenina, Madamme Bauvary) como na posição de autoras. Na perspectiva de Jane Austeen (p. 22) “com o romance a mulher ganha uma nova auto-estima”. Esta autora optou voluntariamente por ser “invisível” na vida social e pública da sua época, o que lhe permitiu distanciar-se da sua obra e ao mesmo tempo criar um novo tipo e protótipo de mulher “espirituosa e inteligente”.
Quando as mulheres são personagens principais dos romances, presta-se muita atenção à sua infelicidade no casamento (muitas vezes imposto pelos pais ou por convenções sociais), o seu direito de escolher o amante, embora isso possa implicar um grande julgamento moral por parte do marido e do meio em que vivem. Essas personagens são trágicas na sua grandeza e nunca são patéticas ou redutíveis a uma categoria. Quando são autoras, elas criam uma mulher única, forte, capaz de lutar e de agradar ao público.
No século XX, a libertação da mulher vai para além da exigência dos direitos profissionais, tornando-se cada vez mais na libertação feminina no sentido político e sexual e por isso não é de estranhar que algumas das autoras aqui referidas tenham sido lésbicas, tenham assumido o divórcio, tenham tido vários maridos ou amantes.
De qualquer modo, esta plêiade de mulheres extraordinárias quer pela sua vida, sua escrita ou ainda sua morte merece a atenção dos leitores. Um livro belíssimo, com fotografias e partes dos manuscritos de cada uma delas aproxima os leitores da criação sua criação literária, não deixando de perpetuar a dúvida sobre a existência e características da “escrita feminina”, da sua diferenciação da escrita dos homens, dos temas, preocupações e inquietações da mulher ao longo dos séculos e independentemente do espaço geográfico em que nasceram e do meio cultural em que foram criadas. No leque destas mulheres extraordinárias e perigosas do ponto de vista do seu papel inovador, faltam talvez Florbela Espanca, prémio Nobel Polaca Visłava Szimborska, Gabriela Mistral vencedora do Nobel chilena, Isabel Allende, Sophia de Mello Breyner e muitas outras, mas esta pequena amostra é suficiente para se ter uma ideia da grandeza e sensibilidade femininas que conseguem sobrepor-se aos preconceitos sem necessidade de insistir no papel secundário da mulher ao longo da História.

Perspectiva filosófica do amor

Lancelin Aude, Lemonnier, Marie (2010) Os Filósofos e o Amor Amar de Sócrates a Simone de Beauvoir, Prefácio de Eduardo Lourenço, Tradução de Carlos Vaz Marques, Tinta da China, Lisboa, 269 pp.
Por mais estudada e abordada que seja ao longo da história, a temática amorosa parece nunca esgotar-se oferecendo sempre novas perspectivas de abordagem por parte dos poetas, pensadores, artistas, cientistas e filósofos. Os Filósofos e o Amor é uma tentativa de reunirem-se todas as ideias filosóficas mais importantes sobre este sentimento desde a Antiguidade clássica até à época contemporânea: desde Platão, pensador que mais tem glorificado e sublimado esta emoção complexa, até Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, com a sua visão bastante liberal da relação amorosa, que levantou muitas polémicas na sua época.
Esta obra analisa e acompanha o amor, desmembrando esta complexa e profunda emoção nas suas mais diversas componentes: desde a ideia divinizada, até ao acordo livre e voluntário entre duas pessoas debruçando-se em questões importantes do ponto de vista filosófico e imprescindíveis para a existência humana: o sagrado, a vontade, o dever, a moral e o moralismo, o instinto sexual, a culpa, o medo, a paixão, o bem, o mal, a existência ou não do amor absoluto, a loucura amorosa e outros tópicos interessantes, que nesta colectânea nunca se reduzem a lugares-comuns vazios e gastos pela teoria.
 “Esta mítica combustão da substância humana” (p.9) como Eduardo Lourenço denomina o amor é abordada de acordo com a experiência de vida e do pensamento filosófico de cada um dos autores que fazem parte deste conjunto de ensaios, implicando as reflexões sobre este assunto que foram escritas por autores que na sua vida privada e emocional podiam ser tímidos e educados nas famílias rigorosas e de certa forma fanáticas no sentido religioso, como é o caso de Sören Kierkegaard, moralistas e celibatários como foi Imanuel Kant, niilistas como Friedrich Nietcshe, ou amantes libertinos como Sartre. Obviamente que nem sempre a vida dos filósofos foi o único factor determinante na sua teoria sobre o sentimento amoroso, mas consideramos que neste caso é difícil dissolverem-se a esfera privada e a esfera da escrita de cada um dos autores.
Quer que nos escritos filosóficos destes pensadores se vise o desejo de perpetuar e absolutizar o amor, quer que se questione como uma mera ilusão ou ainda banalize e reduza apenas à pulsão sexual, o amor está presente, actual, vivo, debatido, sonhado, imaginado, vivido, rejeitado, ridicularizado, o que torna estes ensaios ainda mais atraentes para os seus leitores. O facto de se começar pelo idealismo de Platão e termine com uma espécie de profanação desta ideia por parte de Sartre e da sua amante dá a entender que ao longo dos tempos todas as “verdades absolutas”, instituições, normas morais e comportamentos desejáveis e aceitáveis iam mudando de forma, foram submetidos a diferentes tipos de provas e reflexões, mostrando uma determinada decadência e deterioração dos ideais, e por outro lado o constante desejo humano de os alcançar e afirmar na sua experiência e realidade concretas.
Nesta colectânea encontram o seu lugar também o imaginário mítico, a problemática do sagrado e do profano, a posição do indivíduo perante o Outro e a colectividade, a responsabilidade, o sacrifício e o egoísmo, o corpo e o espírito como duas entidades por vezes completamente opostas, outras vezes fundidas e flexíveis. O domínio e o controlo da emoção amorosa devida aos motivos interiores e íntimos de cada indivíduo ou condicionada por factores externos tais como a moral pública, Deus, conveniências sociais opõe se à sua livre expressão, discussão, partilha e outros sentimentos amplamente abordados neste livro. A procura do sentido da vida e das plena realização dos amantes através do amor é um dos tópicos que também são explicados nas abordagens dos filósofos, tal como o é a mais profunda desilusão do amor e da condição humana no geral. A perfeição espiritual, a força cósmica que dinamiza tudo no universo, loucura carnal, fonte de perdição, pacto de livre arbítrio,  elemento destrutivo  e muito mais, o amor é um tema que não se acaba com os discursos destes dez pensadores do Ocidente Europeu (Platão, Lucrécio,Michel Montaigne, Jean-Jacques Rousseau, Kant, Schopenhauer, Kierkegaard,Nietzcshe, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre, sendo os últimos dois ajudados nas suas reflexões pelas suas respectivas amantes Hannah Arendt e Simone de Beuvauir).
Enquanto a expressão “meia laranja” que nalgumas línguas europeias ainda é usada para a pessoa amada complementar com o seu amante provém dos diálogos platónicos e da sua ideia do amor como a união absoluta de dois seres que se tornam um todo perfeito, este livro aborda também a ideia que a alienação amorosa é pior que a epidemia de peste que uma vez afectou a cidade de Atenas (Lucrécio), defende-se o ponto de vista que este sentimento não é mais que um “artifício contagioso” (Rousseau), que a união sexual é um “mal necessário” (Kant), pensa-se que o amor é “assassinado” e “força dos fracos” (Schopenhauer),  deseja-se o amor absoluto, tendo-se ao mesmo tempo um pavor a ele e à sua realização (o caso de Kierkegaard e a sua noiva), pensa-se que este sentimento é morto “a golpes de martelo” (Nietzcshe), uma luta cruel e a guerra dos sexos pelo seu domínio e a posse do Outro, o amor e o ódio podem ser considerados como “a base do conhecimento”, sempre em busca do “ser-perfeito-do-mundo# (Heidegger) ou pode ser uma liberdade absoluta sobretudo no campo sexual, não descurando, porém a lealdade e a sinceridade defendida por Beauvoir e >Sartre.
Pretendendo ser um compêndio panorâmico e cronológico do desenvolvimento das ideias sobre o amor, este livro peca por não tratar em absoluto a época medieval, sendo o amor neste período um dos temas preferidos dos teólogos, moralistas poetas e filósofos da Europa ocidental. Esta obra “salta” completamente a visão do amor entre a época da Antiguidade greco-romana e o Iluminismo, o que poderia ser um dos seus pontos mais fracos, tendo-se em conta que nas épocas renascentista e barroca havia com certeza reflexões interessantes sobre este fenómeno, que poderiam enriquecer muito esta colectânea. Sente-se nomeadamente falta das reflexões de Leão Hebreu, cujos Diálogos de Amor são uma obra representativa nesta área de pensamento, tal como a de Ramón Llull, que falando sobre os conceitos do Amigo e do Amado, se serve do discurso trovadoresco para tocar no tema da espiritualidade e da proximidade que um fiel cristão procura com Deus.
Este conjunto de ensaios concentra-se apenas na abordagem do amor no Ocidente europeu, privando o leitor do prazer de conhecer alguns dos grandes vultos da literatura da Europa do Leste, tais como Dostoiévski e Vladimir Soloviov, por exemplo, que na sua obra se debruçaram também sobre esta temática. Parece estranho também não se dar uma única perspectiva dos autores da vertente cristã da filosofia europeia (quer que sejam teólogos como São João Clímaco ou simplesmente pensadores  e filósofos).
Acompanhada por um excelente prefácio feito por um dos maiores intelectuais portugueses, esta antologia reúne uma série bem escolhida de discursos e ensaios sobre o amor, tema universal, antigo e sempre novo simultaneamente. Estes ensaios são um verdadeiro desafio para os leitores (apaixonados ou não, conhecedores destes autores e das suas obras ou não) para reflectirem mais uma vez sobre o “fogo que arde sem se ver” e com o qual todos eles se poderão identificar e encontrar um pouco de evocações das suas próprias experiências e visões que terão acerca deste tema.



Os Livros que Devoraram o Meu Pai de Afonso Cruz

Cruz, Afonso (2012), Os Livros que devoraram o meu pai, A Estranha e Mágica História de Vivaldo Bonfim, Editorial Caminho, Lisboa,126 pp.
Quando se pretende qualificar alguém como um leitor ávido, é geralmente usada a expressão: “ele devora livros”. Como, porém sugere o título desta obra, os livros são os responsáveis principais pela morte de um dos seus leitores mais apaixonados: um funcionário público que preenche a monotonia do seu dia-a-dia numa repartição de finanças. Há que prestar atenção ao nome e apelido da personagem, uma vez que Vivaldo tem a ver com o verbo “viver” e “Bonfim” é a justaposição do adjectivo “bom” e do substantivo “fim”. Daqui pode-se deduzir que o senhor viveu para os livros que lhe deram o bom fim, a oportunidade de morrer entre eles.
 Após a sua morte, consequência de um enfarte (e não da leitura de A Ilha do Dr. Maureu de H. G. Wells), o seu filho Elias, no dia em que faz doze anos, recebe da avó uma prenda muito especial: a chave do sótão em que o seu pai guardava os seus livros preferidos. Lendo todas as obras clássicas que fazem parte do cânone europeu (geralmente o ocidental, com a excepção dos autores russos, tais como Dostoiévski, Gorki, Gogol e outros), o protagonista e ao mesmo tempo narrador da história procura conhecer melhor o seu pai e saber mais sobre ele. Dialogando com as personagens, viajando na sua imaginação a outras terras, esquecendo-se da hora do jantar, o menino fica absolutamente absorvido pelo mágico e bonito mundo dos livros, descobrindo pontos de vista e modos de pensar diferentes, enriquecendo o seu vocabulário e o seu conhecimento.
Paralelamente com as suas aventuras de leitor ávido e de “pessoa determinada” como se qualifica o próprio Elias, são-nos narrados alguns dos episódios da sua vida real: as experiências da sua escola, das relações familiares, a amizade com Bombo (um rapazinho obeso de cabelo oleoso, escarnecido por todos na turma, mas que sabe muito sobre a cultura e a sabedoria chinesas, sem ser pretensioso e sem dar demasiado nas vistas), o seu primeiro amor por Beatriz, uma menina de cabelos lisos, olhos castanhos e o “sorriso escrito à mão”, que por sua vez está interessada no melhor amigo do protagonista. Pelo pouco que as personagens da vida real são descritas e abordadas no livro, vê-se que a avó é apenas o pretexto para o menino chegar ao sótão dos livros, alguém que lhe faz o lanche composto por bolinhos secos e um copo de leite, sem aprofundar qualquer relação com o neto. A mãe é uma pessoa rigorosa que castiga o filho, proíbe-lhe as leituras, preocupa-se com a quantidade excessiva dos livros que lê, sem mostrar-lhe carinho, sem dedicar-lhe atenção, sem partilhar um único momento bonito com ele. Bombo (chamado assim por causa do seu aspecto físico e peso excessivo) parece ser o único amigo dele, com quem partilha conhecimentos e confidências até descobrir que os dois estão apaixonados pela mesma colega da turma. O menino  Elias Bonfim deve sentir-se muito só, e por isso entre outras razões, refugia-se na leitura, onde além dos seus amigos imaginários encontrará também um cão imaginário. Mr. Prendick, que lhe faz companhia nas suas aventuras literárias.
A idade decisiva para Elias Bonfim começar a ler tanto são os doze anos, o momento em que o jovem se encontra entre a infância e a adolescência e quando lhe surgem as primeiras dúvidas importantes sobre o bem e o mal, o certo e o errado etc. Para entendermos melhor alguns dos comportamentos do adolescente Elias, deveremos chamar a atenção para um pormenor que nos pareceu importante: o protagonista dialoga mais com o Dr. Maureu, que pretende transformar os animais em homens, com o Mr. Hyde e com o Raskolnikov, protagonista do célebre romance de Dostoiévski. Todos estes heróis literários são de certa forma divididos: o primeiro entre o seu desejo e a realidade, o segundo entre as duas personalidades: a do dócil, pacífico e bom Dr. Jakyll e a do cruel, maníaco e perturbado Mr. Hyde e o terceiro entre o crime que cometeu, o seu castigo, e a redenção. Para evidenciar ainda mais a divisão entre o justo e o injusto, entre o correcto e o que não se deveria fazer, Dostoiévski deu ao seu herói um apelido simbólico, derivado do substantivo raskol, que significa “cisma” e que, na leitura de Afonso Cruz, o transformará num “monstro”, criminoso implacável e assassino banal que mata por prazer e para aliviar a consciência. Vendo a personagem de Dostoiévski tão deformada e denegrida aos olhos do autor e do narrador deste novo romance, devemo-nos perguntar sobre a liberdade do leitor de interpretar um livro ou os seus protagonistas, recordando que o nem o leitor nem o crítico têm direito de basear a sua visão da obra naquilo que não está escrito pelo próprio autor. Por mais intertextualidade e o diálogo da literatura com a vida real que se pretendam mostrar nesta obra, deveríamos salientar uma determinada ironia que Cruz usa para se referir a um escritor considerado por muitos críticos como um maiores autores russos de sempre: “Dostoievski, Dostoievski… O que é que ele sabe da vida, esse Dostoiévski? Tudo se passou como eu lhe estou a contar, o resto é literatura” (p.90). Este comentário poderia interpretar-se tanto como a ideia de que não há autores nem textos intocáveis, como também pode parecer um desejo de “ajustar as contas” com o autor de que não se gostou e com a obra que não se entendeu de forma adequada. Em relação às referências culturais russas, consideramos interessante que Afonso Cruz tenha escrito duas frases nesta língua “Уйди, меленький человек! (Vai-te embora homenzinho!) e Уйди, ты дурак! (Vai-te embora, tolo!), o que enriqueceria os conhecimentos culturais do leitor se tivesse uma nota de rodapé com a devida tradução. Para descrever o descontentamento e a fúria de uma das personagens de Dostoiévski, Cruz refere que Elias pretendia “desviar os insultos em cirílico” (p.87). Sabendo que o cirílico é um alfabeto e não uma língua, é difícil “traduzir” esta imagem em gritos, o que, por sua vez na parte gráfica do livro (com letras grandes e em negrito) pode passar como a transmissão da ideia pretendida: de uma raiva descontrolada numa língua estrangeira.
Com todas as personagens com que se encontra Elias Bonfim aprenderá algo sobre os temas importantes para a existência humana, mas pelo que nos pareceu, aplicará mal os seus conhecimentos na realidade e com as pessoas que o rodeiam: mesmo que pense que o seu amigo Bombo é gordo, feio e que não merece a atenção de Beatriz, menti-lo-á para “não magoá-lo” ou para “não desiludi-lo”, porque segundo acredita, fazer uma coisa má para atingir um objectivo bom é considerado justificável. Esta relação de falta de sinceridade e lealdade por parte de Elias Bonfim com o seu amigo Bombo continuará a desenvolver-se até ao ponto de Beatriz ignorar o protagonista do romance e dar um beijo na boca ao seu amigo. Quando descreve o seu colega da escola, Elias fala apenas na gordura e no cabelo oleoso do Bombo, e também nas numerosas histórias relacionadas com o rico mundo da civilização chinesa, mas  quase sempre com um tom depreciativo. Por outro lado, o rapazinho obeso está genuinamente apaixonado pela cultura chinesa e por Beatriz, tendo adoptado algumas características dos sábios que lê e conhece, nomeadamente de Lao Tsé: a calma, a tranquilidade com a qual aceitava todos os comentários desagradáveis dos seus colegas da turma e alguma sabedoria. Bombo, pois, é o único que percebe que Beatriz está solitária, porque, embora esteja sempre rodeada de muitas pessoas, a menina não se sentia acompanhada. Ao revelar esta observação ao seu melhor amigo Elias, Bombo é interrompido com um comentário superficial e aparentemente brincalhão: “Não digas disparates, ó Bombo”(p. 52).
Não podendo suportar que o seu primeiro amor tenha preferido o amigo, Elias considera o beijo entre Beatriz e Bombo uma experiência ultrajante, o que o levará a humilhá-lo em público na presença da menina, magoando-o onde mais lhe dói: ridicularizando a sua diabetes e a necessidade de injectar insulina na barriga com palavras realmente cruéis referindo-se às agulhas que devia espetar na barriga. Esta atitude pouco generosa causou a primeira e a última revolta do rapazinho doente e obeso: comeu demasiados pasteis de anta, não tomou a sua dose de insulina e morreu. Ao longo do livro vemos o amigo do protagonista como uma espécie do seu alter ego: são da mesma idade, gostam da mesma menina, os dois ficam absorvidos pela leitura e pelo desejo de saber mais (apenas que Elias se limita à literatura ocidental e Bombo à oriental). Bombo é feio e não se enquadra no ambiente dos seus colegas de turma, sobre a beleza do protagonista não se diz nada, mas pela sua atitude convencida, pode deduzir-se que deveria ser mais bonito que ele. Enquanto Elias é um pouco falso com o seu amigo, Bombo é puro, não guarda rancor a ninguém e aceita todo o mal com a sua sabedoria silenciosa, com o qual estas duas personagens se complementam e parecem ser o lado iluminado e o escuro de cada pessoa.
Embora existam alguns indícios dos remorsos de Elias (“o meu número inqualificável” (p.121), “quando penso no Bombo choro”(p,125), “é a primeira pessoa que vi morta e isso impressionou-me” (p.123), não se põe perante o leitor qualquer sentimento de culpa, de pecado ou de dilema moral de Elias, por ter sido o responsável indirecto pela morte do seu amigo. Apenas na sua velhice, o protagonista da obra constatará que Bombo era seu amigo e esta frase será terminada com um ponto de exclamação, e afirmará com um tom de voz neutro que “na altura é difícil saber fazer as coisas certas”(p.125). Nesta última frase afirmativa vê-se mais uma tentativa de se auto-justificar do que expressa a intensidade da dor pela perda do amigo da infância.
A leitura deste romance coloca várias questões importantes: a (im)possibilidade de dialogar com os livros considerados canónicos, a intertextualidade e os seus limites, o crescimento da pessoa, o conhecimento do bem e do mal, a utilidade da literatura. Lendo Os Livros que Devoraram o Meu Pai podemos interrogar-nos também acerca dos seguintes problemas: se e por que razão se devem ler os clássicos? Existe uma idade apropriada para se lerem os livros “difíceis”? Que efeito tem a literatura nos seus leitores. Ainda que a ideia inicial (a de fomentar a leitura dos autores mundialmente conhecidos entre o público infanto-juvenil) seja de louvar, o que se nos impõe como dúvida é se realmente a literatura tem o carácter “salvífico” e se a cultura realmente cultiva o espírito de quem a consome. Pelo que se mostrou na personagem de Vivaldo, a leitura serve para enriquecer o dia-a-dia monótono num emprego de que não se deve gostar, na personagem do seu filho, a literatura, que deveria ser uma viagem mágica,  não é mais do que uma recolha de citações e referências aos autores conhecidos, que eleva demasiado a sua auto-estima, desvalorizando o que realmente há de bom nos livros, nas personagens e nas mensagens que transmitem. Por último, e a aproximação do Bombo com o mundo chinês através da leitura, enriqueceu-o tanto que o fez “sentir-se um chinês”, o que mostrou pela sua humildade, serenidade, mesmo quando perde e tem vontade de “chorar por dentro”.
Partindo de um tema bonito, o conhecimento do pai através dos seus livros e das histórias de que a sua vida era feita, promovendo a leitura dos clássicos entre crianças e adolescentes, este romance, porém peca algumas vezes no seu estilo (“livros, livros e mais livros”(p.12), (“humilhar com palavras humilhantes”) , “um sótão inteiro (e mais muito mais” (p. 126.) e não aprofunda o incentivo e desenvolvimento de valores mais importantes tais como o cultivo de uma boa relação familiar, a amizade, a preocupação com a felicidade dos outros, a aceitação de uma recusa, o arrependimento, a redenção e outros que parecem ser tocados, mas nãoaprofundados.

Amor desejo e dor em Florbela Espanca

NASCIMENTO, Michelle Vasconcelos Oliveira do (2011) Trocando Olhares, desejo, amor e dor na poesia de Florbela Espanca, Pluscom Editora, Rio Grande, 98 pp.
Recensão crítica por Anamarija Marinović
Um excelente título e um rico material para uma investigação a nível de Mestrado. Mesmo que os motivos de desejo, amor e dor sejam muito conhecidos, referidos e estudados na poesia de Florbela Espanca, permitem sempre a possibilidade de ais uma abordagem e interpretação original.
Seduzido pelo título e o tema prometedor, ao abrir a primeira página, o leitor encontra-se com um excerto do diário da poetisa (embora sem qualquer indicação bibliográfica) e o poema Os meus versos (também sem indicação da fonte) e descobre algumas das principais linhas de pensamento e inquietações literárias desta autora: a vida, a realidade, o sonho, o questionamento da existência de Deus, a criação poética, a dor, o sofrimento, o desassossego e, naturalmente o amor. Esta palavra é escrita com letra maiúscula quando se trata do sentimento, e com minúscula quando se dirige ao ser amado, o que talvez implique a impossibilidade de Florbela Espanca de conciliar o Amor como ideal que procura e o amor que sentia por cada um dos seus maridos e amantes. Esta hipótese, porém, não é explicada aos leitores de forma directa e deixa-se nas entrelinhas do texto do livro. A obra é uma tentativa de analisar a incapacidade que a poeta portuguesa sentia ao tentar comunicar através dos seus versos toda a sua sensibilidade feminina e a intensidade das suas emoções.
Após as grandes expectativas que se poderiam ter em relação a este estudo, publicado apenas como parte de uma dissertação de Mestrado, o livro peca logo na apresentação, em que se misturam a razão da publicação da obra e os agradecimentos, que poderiam ser divididos em dois paratextos diferentes. A introdução parece também confusa e pouco clara, uma vez que tenta explicar a razão de estudo frequente da poesia florbeliana, que segundo a autora:

se deve a vários motivos, entre eles a publicação, ainda em vida, de alguns dos seus versos e a crítica contemporânea e póstuma que contribuiu para a criação do mito em torno à poetisa e a sua vida. A curiosidade suscitada acerca da vida da poesia e a sua morte fez com que a sua obra se tornasse conhecida pelo público e fez com que alguns estudiosos se voltassem a ela, procurando identificar as nuances dos versos florbelianos.
(Vasconcelos de Oliveira do Nascimento, 2011,9).

Partindo da hipótese que todos conhecem a vida e obra da poeta e que não é necessário explicar as razões pelas que a figura de Florbela Espanca tem sido denegrida ou mistificada, Michelle Vasconcelos tenta justificar o interesse da crítica por ela e a intenção dos críticos de procurarem na sua obra o reflexo da sua vida pessoal e íntima. De qualquer das formas, talvez fosse conveniente dar um pequeno enquadramento das circunstâncias em que a poetisa portuguesa vivia e criava para tornar mais claras algumas controvérsias sobre a sua escrita e a forma de sentir, viver e expressar o amor, o desejo e a dor.
Um dos pontos fracos desta obra que seria necessário referir é a citação de poemas inteiros de Florbela Espanca sem serem explicados e sem se reflectir sobre eles de forma adequada. Citam-se também poemas de vários trovadores e de Camões, sem se salientar se de facto a poetisa em questão se inspirou justamente nestes poemas e sem isso ser argumentado com o suporte de fontes fidedignas. Na secção dedicada aos trovadores, é apresentado também um glossário, embora não indispensável. As notas de rodapé são por vezes demasiado longas e em vez de enquadrar o leitor no contexto de que se fala, parecem desviá-lo do tema principal da investigação.
Em termos de conteúdo, a autora mistura um pouco a psicanálise e a mitologia greco-romana, pretendendo explicar a importância do olhar no mito do Narciso, para posteriormente este material lhe servir para interligá-lo com o papel do olhar nos versos florbelianos.
Em relação às tentativas de definir o mito, a autora recorre primeiro a uma definição mais “popular”, que é a seguinte (idem, 14): “no senso comum usamos a palavra “mito” para nos opor a algo verdadeiro, ou seja ao conhecimento científico”.  Depois de uma definição mais fundamentada e científica do mito, a investigadora passa para o papel do mito na psicanálise, referindo-se a este fenómeno da seguinte forma (idem, 15): “ O mito é a linguagem para a psicanálise assim como o inconsciente o é para Lacan” Sendo Lacan um dos cientistas influenciados pela psicanálise freudiana, não parece claro por que motivo se faz um “paralelismo” entre o mito e o inconsciente, entre a linguagem da psicanálise e este autor particular, uma vez que de seguida não se aprofunda esta linha de pensamento. A ligação entre o mito do Narciso e o olhar nos versos florbelianos parece um pouco forçada, e sobretudo desenquadrada do contexto mítico e psicanalítico. Na sua tentativa de definir a psicanálise, Michelle de Vasconcelos adopta talvez uma abordagem demasiado leve e informal, que é a seguinte idem,52): ” A psicanálise é um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias e delírios) de um sujeito. Se dedica um dos subcapítulos da sua obra a este tema, a autora poderia ter encontrado uma outra definição, mais estruturada e consistente, com mais rigor científico, que não reduziria a psicanálise apeas á interpretação dos sonhos e dos fenómenos linguísticos. Para além disto, a expressão “inconsciente das palavras” por ventura não seja a melhor escolha, uma vez que pode induzir o leitor na ideia de que são as palavras que têm o seu inconsciente e não o ser humano.
O próximo problema sobre o qual se deveria reflectir na análise desa obra é a menção do termo “eu-lírico”, sem ele ser definido ou problematizado de qualquer forma, e isso deveria ser feito, uma vez que este “eu” é muitas vezes confundido pela crítica e pelos leitores com a personalidade da poeta.
A obra abunda em afirmações demasiado generalistas entre as quais se destacam: “Desejar o que não se tem é a lei do desejo” (idem, 21”, “alma e coração parecem-se fundir”, “o coração, responsável pelo amor e pela dor de amar” (idem, 23), “a morte parece o único fim para o ser sofrido” (idem), “a imagem de chorar sem saber o porquê, expõe uma dor cuja causa desconhece o eu-lírico” (idem, 25), “o amor existe e pronto” (idem, 28), “a alma representa o eu” (idem, 49), “os olhos foram feitos para olhar” (idem, 65), “ a representatividade do olhar é grande nos versos de Florbela” (idem), “a escuridão é o oposto da claridade” (idem, 82) e “Florbela é a poeta do amor, como tantos outros poetas portugueses” (idem, 94).
Do ponto de vista estilístico, este estudo também muitas vezes peca, e isso reflecte-se nos elementos do registo coloquial (“e pronto”, começar a frase por “mas”, usar demasiadas vezes a expressão “ou seja”, utilizar a expressão “os versos mais lindos” idem, 49), “diz José Régio” (idem, 23), podendo este verbo ser substituído por “afirma”, “é da opinião”, “refere” ou outros, que dariam ao texto a impressão de um maior rigor científico. Na obra são inúmeras as repetições (começar vários parágrafos seguidos pela frase “é o amor…”, repetir muitas vezes “no poema/soneto acima”, “o desejo do eu-lírico é ser desejado”,  “A respeito da temática amorosa na poesia portuguesa (…) Florbela Espanca é uma grande respeitante dessa temática” (idem) “Apo´s o estudo dos poemas de Florbela Espanca, percebe-se a frequência com que a temática amorosa aparece em seus versos e também as imagens que a engendram. Pode se afirmar até que esta temática é dominante na poesia de Florbela”. (idem, 94). O adjectivo “famosas” é usado duas ou três vezes dentro da mesma frase, podendo também ser substituído por outros, tais como “conhecidas” ou “célebres”.
A nível do conteúdo, esta obra apresenta algumas afirmações erradas “O trovadorismo é o primeiro movimento literário de língua portuguesa” (idem, 30), sabendo-se que o trovadorismo surgiu a Provença, no Sul da França. Do mesmo modo são deliberadamente misturadas as designações “canção de amigo” e “de amor” (que juntamente com as cantigas de escárnio e maldizer fazem parte da herança da literatura galaico-portuguesa de autoria erudita) com as cantigas populares, de autoria anónima. Afirmam-se também ideias pouco claras tais como:” Camões como Florbela é considerado um dos expoentes do platonismo na literatura portuguesa”, sem se perceber se o “platonismo” se refere às ideias de Platão ou ao conceito do “amor platónico”, e sem se aprofundar cientificamente este ponto de vista.
Em termos de estrutura, tem-se a impressão de que a autora “dá um salto” desde o trovadorismo até aos contemporâneos de Florbela, nomeadamente Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, tentando justificar a ocorrência dos motivos do desejo, amor e dor na poesia desta poeta.
No que diz respeito ao rigor académico e ao suporte teórico da obra, notou-se que as citações de determinados autores (Régio, Roland Barthes) são demasiado longas, sem serem problematizadas, ou sendo explicadas por um poema inteiro ou por um conjunto de versos de Espanca. As referências bibliográficas, além de serem escassas, são demasiado gerais e poucas delas têm a ver com a vida e obra da poeta, o que é grave, tendo em cont o facto que no Brasil ela é mito mais estudada do que em Portugal e que uma das maiores especialistas em Florbela a nível mundial, a Professora Doutora Maria Lúcia dal Farra, tem uma vasta bibliografia sobre ela e a sua poesia, publicada nas edições portuguesas e brasileiras.
Para esta obra ser melhorada em vários aspectos, deveria ser revista e aprofundada, porque reduz os sentimentos de Florbela espanca apenas ao amor não correspondido, o desejo frustrado e o olhar não captado, sendo de facto os versos da poeta muito mais do que isso.

lunes, 6 de agosto de 2012

despertar el interés por la rica civilización de los mayas

Leyendas y Mitos Mayas (2004) Editorial Época, Ciudad de México, 94 pp.
Aunque últimamente la civilización maya haya despertado bastante ateención de las personas por causa de su célebre profecía relacionada con el año 2012, el propósito de este libro no es el de hablar  de la visión que en esta cultura se tiene sobre el fin del mundo, sino apenas presentar una breve selección de historias que dan a conocer un poco de la riqueza y de la belleza de la sabiduría de este pueblo. 
Según consta en la introducción (p.5), la palabra "maya", que dio el nombre a esta civilización, significa "gran amor", "inmensa querencia" o "inmensa estima", y por eso no es de extrañar que entre los mitos y leyendas que se pueden encontrar en esta antología estén muchas historias de grandes amores, generalmente infelices, que a pesar de su intensidad y pureza, no consiguen superar los obstáculos impuestos por la religión rigurosa, pero que debe ser respetada. 
Aunque entre las culturas precolombinas, los mayas se destacan también por sus grandes conocimientos matemáticos, astrológicos y astronómicos, en este libro son pocos  los casos que incorporen estas nociones sirviendo las estrellas apenas como un desafío para un guerrero que dispara flechas en su dirección, queriendo mostrar su poder.
Aunque una de las leyendas parece fomentar la imaginación y  las fantasías de los jóvenes, cualquier rebeldía, y especielmente la de los hijos contra la autoridad paterna es severamente castigada obligándolos de esa forma a respetar las duras leyes de la realidad en que viven.
En el inicio de uno de los mitos del libro sagrado de los mayas, Popol Vuh se refiere la creación del mundo por los dioses, que tal como en el Génesis bíblico fue hecha por fases, siendo el água separada de la tierra siendo creadas las plantas y los animales y el ser humano como la última de las creaciones.  De acuerdo con la mitología y la cosmogonía maya, los hombres y las mujeres fueron creados para que haya quien venerar a los dioses.
Diferentemente de muchas otras culturas en que el silencio es visto como  un medio importante que acompaña la reflexión, la oración, para los mayas el silencio es bastante negativo siendo  él, como consta en el libro (p.8)  sinónimo de " desolación, abandono y muerte". 
Los mitos y leyendas mayas abundan de sonidos, colores, animales, plantas, piedras, olores , aguas y todo un mundo natural del cual el hombre latinoamericano de la época precolombina, absorbía su sabiduría y experiencia de la vida. 
Entre las leyendas más bonitas y que más llaman la atención del lector se destacan la del címbalo de oro, cuyo protagonista es un niño sabio, la de un cura español que murió en una cueva y que mereció que el sitio de su muerte se convirtiera en el lugar de peregrinación para los feligreses cristianos, la del amor eterno entre  Maa Hech y su novio, que no pudieron casarse porque ella era la guardiana del incensario sagrado. Para estar  siempre al lado de su amada, el muchacho se volvió un escarabajo,  creyéndose todavía hoy en día que este insecto tiene poderes que traen suerte en el amor.
Enseñando respeto por los más viejos, por la religión y por el orden de las cosas en el mundo, las leyendas y los mitos mayas aquí presentados, acompañados por una breve explicación, son sin duda una muestra interesante de una  forma de pensar, de una cultura distante de la cristiana, pero también muy rica en sabiduría, filosofía y valores que se pueden seguir y transmitir de generación en generación.