Entradas populares

martes, 7 de agosto de 2012

mulheres perigosas

BOLLMAN, Stephen (2009) Mulheres que Escrevem Vivem Perigosamente, Quetzal Editores, Lisboa, 152 pp.
            Com um título que sugere que seria uma espécie de continuação do livro Mulheres que lêem são perigosas, esta obra apresenta uma série de retratos de mulheres escritoras e as suas vidas originais e por vezes trágicas, sendo a sua escrita uma das possíveis razões para a sua difícil inserção no mundo que as rodeava. Uma vez que a esfera pública da vida ao longo da história tem sido visivelmente marcada pela presença e domínio do género masculino, não é de estranhar que determinadas mulheres excepcionais se tenham revoltado contra esta situação, exigindo o seu lugar digno e o reconhecimento no domínio profissional. Para algumas delas, a escrita era a o desejo de substituir o único papel digno tradicionalmente conferido à mulher (o de dona de casa, esposa e mãe), e para outras como nomeadamente para Ingeborg Bachmann (p.8) “a escrita é o mais doloroso de todos os tipos da morte”. A escrita é também encarada como libertação da monotonia quotidiana ou uma arma da luta feminista quase política.
            Na opinião da escritora latino-americana Cristina Peri Rosi (p.9) 2 as mulheres não escrevem, e quando escrevem matam-se”. A ligação entre a criação literária e a morte trágica de algumas autoras como foi o caso de Virginia Woolf, Sylvia Plath, Alfonsina Storni e outras revela a sua angústia interna por um lado e a sua incapacidade de se enquadrar no mundo real, abundante em preconceitos e dificuldades relativas a mulheres pioneiras na carreira de escritoras. Muitas das autoras aqui referidas consideravam o seu ofício incompatível com o casamento, a vida familiar e as obrigações que a vida a dois comportava, por isso nas suas vidas pessoais havia escândalos, divórcios, crises artísticas, como também recorrências a álcool, tabaco ou drogas, que aparentemente deviam aliviar a sua incapacidade de conciliar a sua realização profissional e a afirmação enquanto mulheres, mães, amantes, donas de casa e pessoas de uma boa reputação.
            A sensação da menor valia destas mulheres criadoras deve-se em parte à ideia da mulher que durante séculos era obrigada à reclusão num convento caso desejasse ter acesso à alfabetização. A imagem da mulher freira contra a sua própria vontade implica a conotação com uma profunda insatisfação e frustração a nível pessoal, o que por sua vez deveria reflectir-se na sua escrita transmitindo uma determinada amargura ou angústia. Não sendo sempre assim na verdade, algumas das escritoras utilizavam pseudónimos masculinos para as suas primeiras obras e adoptavam a sua identidade feminina quando a obra inicial era bem recebida por parte do público leitor. Outras, porém, eram obrigadas pelos maridos a entregarem-lhes a obra para ser assinada por eles e publicada como sua, o que causava conflitos a nível pessoal e problemas com a propriedade intelectual e os direitos do autor.
Entre as autoras representadas nesta colectânea encontram-se nomes como Jane Austeen, as irmãs Brontë, Virginia Woolf, Hildeagrda de Bingen, Cristina Pisano, Mary Wollstotencraft, Anna Achmatova, George Sand, Božena Němcová, Agatha Christie, Hariet Becher-Stowe, Sylvia Plath, Johanna Spiri, Selma Lagerlőf, Toni Morrison, Dorothy Parker e outras, todas elas especiais e singulares à sua maneira, tendo contribuído cada uma para o desenvolvimento e enriquecimento da literatura no seu país e no mundo. Mencionando apenas algumas delas, devemos destacar que a autora sueca Selma Lagerlőf é a primeira mulher vencedora do Prémio Nobel (1909), que Božena Němcová é considerada a primeira mulher checa escritora no sentido moderno da palavra, que Cristina Pisano, embora tenha vivido entre 1360 e 1430 foi a primeira escritora profissional laica, filósofa e pensadora, muito autónoma para o seu tempo. Dorothy Parker foi considerada “the wittiest woman of America” (a mulher mais espirituosa da América). Nas suas palavras “tal como o amor a literatura é também intersubjectiva e internacional” (p. 135). Relacionando a esfera dos sentimentos com a literatura, esta autora tenta reconciliar aquilo que é considerado o mais característico para a mulher (a emocionalidade) com um ofício tipicamente masculino, mostrando que a mulher pode ser boa nas duas esferas e que não se deve projectar no mundo como vítima ou discriminada. Astrid Lingren, autora de Pipi das Meias Altas, a pedido da sua filha que estava doente, criou um novo modelo de menina: rebelde, com personalidade forte, curiosa e admirada por crianças no mundo inteiro. Toni Morrison é a primeira escritora afro-americana galardoada com o Prémio Nobel em 1993. Mary Wollstotencraft foi autora da obra polémica Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã, por causa da qual foi condenada à guilhotina. Agatha Christie é a primeira autora de policiais que deu um grande valor estético e literário a este ge´nero até então pouco valorizado. Doris Lessing, a ícone do movimento feminista, lutadora pelo reconhecimento e respeito da mulher em todas as esferas e em todos os sentidos da palavra. Nem sempre problemáticas, revolucionárias ou radicais nos seus comportamentos, estas mulheres foram criativas e inovadoras  cada uma do seu modo, aportando grande valor à história e à literatura.
Se existe a ideia geral de que só com o Iluminismo se presta mais atenção à educação da mulher, à vida cultural organizada nos salões literários das damas das classes sociais mais altas, no século XIX a mulher ganha mais importância tanto como personagem principal das obras (Anna Karenina, Madamme Bauvary) como na posição de autoras. Na perspectiva de Jane Austeen (p. 22) “com o romance a mulher ganha uma nova auto-estima”. Esta autora optou voluntariamente por ser “invisível” na vida social e pública da sua época, o que lhe permitiu distanciar-se da sua obra e ao mesmo tempo criar um novo tipo e protótipo de mulher “espirituosa e inteligente”.
Quando as mulheres são personagens principais dos romances, presta-se muita atenção à sua infelicidade no casamento (muitas vezes imposto pelos pais ou por convenções sociais), o seu direito de escolher o amante, embora isso possa implicar um grande julgamento moral por parte do marido e do meio em que vivem. Essas personagens são trágicas na sua grandeza e nunca são patéticas ou redutíveis a uma categoria. Quando são autoras, elas criam uma mulher única, forte, capaz de lutar e de agradar ao público.
No século XX, a libertação da mulher vai para além da exigência dos direitos profissionais, tornando-se cada vez mais na libertação feminina no sentido político e sexual e por isso não é de estranhar que algumas das autoras aqui referidas tenham sido lésbicas, tenham assumido o divórcio, tenham tido vários maridos ou amantes.
De qualquer modo, esta plêiade de mulheres extraordinárias quer pela sua vida, sua escrita ou ainda sua morte merece a atenção dos leitores. Um livro belíssimo, com fotografias e partes dos manuscritos de cada uma delas aproxima os leitores da criação sua criação literária, não deixando de perpetuar a dúvida sobre a existência e características da “escrita feminina”, da sua diferenciação da escrita dos homens, dos temas, preocupações e inquietações da mulher ao longo dos séculos e independentemente do espaço geográfico em que nasceram e do meio cultural em que foram criadas. No leque destas mulheres extraordinárias e perigosas do ponto de vista do seu papel inovador, faltam talvez Florbela Espanca, prémio Nobel Polaca Visłava Szimborska, Gabriela Mistral vencedora do Nobel chilena, Isabel Allende, Sophia de Mello Breyner e muitas outras, mas esta pequena amostra é suficiente para se ter uma ideia da grandeza e sensibilidade femininas que conseguem sobrepor-se aos preconceitos sem necessidade de insistir no papel secundário da mulher ao longo da História.

Perspectiva filosófica do amor

Lancelin Aude, Lemonnier, Marie (2010) Os Filósofos e o Amor Amar de Sócrates a Simone de Beauvoir, Prefácio de Eduardo Lourenço, Tradução de Carlos Vaz Marques, Tinta da China, Lisboa, 269 pp.
Por mais estudada e abordada que seja ao longo da história, a temática amorosa parece nunca esgotar-se oferecendo sempre novas perspectivas de abordagem por parte dos poetas, pensadores, artistas, cientistas e filósofos. Os Filósofos e o Amor é uma tentativa de reunirem-se todas as ideias filosóficas mais importantes sobre este sentimento desde a Antiguidade clássica até à época contemporânea: desde Platão, pensador que mais tem glorificado e sublimado esta emoção complexa, até Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, com a sua visão bastante liberal da relação amorosa, que levantou muitas polémicas na sua época.
Esta obra analisa e acompanha o amor, desmembrando esta complexa e profunda emoção nas suas mais diversas componentes: desde a ideia divinizada, até ao acordo livre e voluntário entre duas pessoas debruçando-se em questões importantes do ponto de vista filosófico e imprescindíveis para a existência humana: o sagrado, a vontade, o dever, a moral e o moralismo, o instinto sexual, a culpa, o medo, a paixão, o bem, o mal, a existência ou não do amor absoluto, a loucura amorosa e outros tópicos interessantes, que nesta colectânea nunca se reduzem a lugares-comuns vazios e gastos pela teoria.
 “Esta mítica combustão da substância humana” (p.9) como Eduardo Lourenço denomina o amor é abordada de acordo com a experiência de vida e do pensamento filosófico de cada um dos autores que fazem parte deste conjunto de ensaios, implicando as reflexões sobre este assunto que foram escritas por autores que na sua vida privada e emocional podiam ser tímidos e educados nas famílias rigorosas e de certa forma fanáticas no sentido religioso, como é o caso de Sören Kierkegaard, moralistas e celibatários como foi Imanuel Kant, niilistas como Friedrich Nietcshe, ou amantes libertinos como Sartre. Obviamente que nem sempre a vida dos filósofos foi o único factor determinante na sua teoria sobre o sentimento amoroso, mas consideramos que neste caso é difícil dissolverem-se a esfera privada e a esfera da escrita de cada um dos autores.
Quer que nos escritos filosóficos destes pensadores se vise o desejo de perpetuar e absolutizar o amor, quer que se questione como uma mera ilusão ou ainda banalize e reduza apenas à pulsão sexual, o amor está presente, actual, vivo, debatido, sonhado, imaginado, vivido, rejeitado, ridicularizado, o que torna estes ensaios ainda mais atraentes para os seus leitores. O facto de se começar pelo idealismo de Platão e termine com uma espécie de profanação desta ideia por parte de Sartre e da sua amante dá a entender que ao longo dos tempos todas as “verdades absolutas”, instituições, normas morais e comportamentos desejáveis e aceitáveis iam mudando de forma, foram submetidos a diferentes tipos de provas e reflexões, mostrando uma determinada decadência e deterioração dos ideais, e por outro lado o constante desejo humano de os alcançar e afirmar na sua experiência e realidade concretas.
Nesta colectânea encontram o seu lugar também o imaginário mítico, a problemática do sagrado e do profano, a posição do indivíduo perante o Outro e a colectividade, a responsabilidade, o sacrifício e o egoísmo, o corpo e o espírito como duas entidades por vezes completamente opostas, outras vezes fundidas e flexíveis. O domínio e o controlo da emoção amorosa devida aos motivos interiores e íntimos de cada indivíduo ou condicionada por factores externos tais como a moral pública, Deus, conveniências sociais opõe se à sua livre expressão, discussão, partilha e outros sentimentos amplamente abordados neste livro. A procura do sentido da vida e das plena realização dos amantes através do amor é um dos tópicos que também são explicados nas abordagens dos filósofos, tal como o é a mais profunda desilusão do amor e da condição humana no geral. A perfeição espiritual, a força cósmica que dinamiza tudo no universo, loucura carnal, fonte de perdição, pacto de livre arbítrio,  elemento destrutivo  e muito mais, o amor é um tema que não se acaba com os discursos destes dez pensadores do Ocidente Europeu (Platão, Lucrécio,Michel Montaigne, Jean-Jacques Rousseau, Kant, Schopenhauer, Kierkegaard,Nietzcshe, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre, sendo os últimos dois ajudados nas suas reflexões pelas suas respectivas amantes Hannah Arendt e Simone de Beuvauir).
Enquanto a expressão “meia laranja” que nalgumas línguas europeias ainda é usada para a pessoa amada complementar com o seu amante provém dos diálogos platónicos e da sua ideia do amor como a união absoluta de dois seres que se tornam um todo perfeito, este livro aborda também a ideia que a alienação amorosa é pior que a epidemia de peste que uma vez afectou a cidade de Atenas (Lucrécio), defende-se o ponto de vista que este sentimento não é mais que um “artifício contagioso” (Rousseau), que a união sexual é um “mal necessário” (Kant), pensa-se que o amor é “assassinado” e “força dos fracos” (Schopenhauer),  deseja-se o amor absoluto, tendo-se ao mesmo tempo um pavor a ele e à sua realização (o caso de Kierkegaard e a sua noiva), pensa-se que este sentimento é morto “a golpes de martelo” (Nietzcshe), uma luta cruel e a guerra dos sexos pelo seu domínio e a posse do Outro, o amor e o ódio podem ser considerados como “a base do conhecimento”, sempre em busca do “ser-perfeito-do-mundo# (Heidegger) ou pode ser uma liberdade absoluta sobretudo no campo sexual, não descurando, porém a lealdade e a sinceridade defendida por Beauvoir e >Sartre.
Pretendendo ser um compêndio panorâmico e cronológico do desenvolvimento das ideias sobre o amor, este livro peca por não tratar em absoluto a época medieval, sendo o amor neste período um dos temas preferidos dos teólogos, moralistas poetas e filósofos da Europa ocidental. Esta obra “salta” completamente a visão do amor entre a época da Antiguidade greco-romana e o Iluminismo, o que poderia ser um dos seus pontos mais fracos, tendo-se em conta que nas épocas renascentista e barroca havia com certeza reflexões interessantes sobre este fenómeno, que poderiam enriquecer muito esta colectânea. Sente-se nomeadamente falta das reflexões de Leão Hebreu, cujos Diálogos de Amor são uma obra representativa nesta área de pensamento, tal como a de Ramón Llull, que falando sobre os conceitos do Amigo e do Amado, se serve do discurso trovadoresco para tocar no tema da espiritualidade e da proximidade que um fiel cristão procura com Deus.
Este conjunto de ensaios concentra-se apenas na abordagem do amor no Ocidente europeu, privando o leitor do prazer de conhecer alguns dos grandes vultos da literatura da Europa do Leste, tais como Dostoiévski e Vladimir Soloviov, por exemplo, que na sua obra se debruçaram também sobre esta temática. Parece estranho também não se dar uma única perspectiva dos autores da vertente cristã da filosofia europeia (quer que sejam teólogos como São João Clímaco ou simplesmente pensadores  e filósofos).
Acompanhada por um excelente prefácio feito por um dos maiores intelectuais portugueses, esta antologia reúne uma série bem escolhida de discursos e ensaios sobre o amor, tema universal, antigo e sempre novo simultaneamente. Estes ensaios são um verdadeiro desafio para os leitores (apaixonados ou não, conhecedores destes autores e das suas obras ou não) para reflectirem mais uma vez sobre o “fogo que arde sem se ver” e com o qual todos eles se poderão identificar e encontrar um pouco de evocações das suas próprias experiências e visões que terão acerca deste tema.



Os Livros que Devoraram o Meu Pai de Afonso Cruz

Cruz, Afonso (2012), Os Livros que devoraram o meu pai, A Estranha e Mágica História de Vivaldo Bonfim, Editorial Caminho, Lisboa,126 pp.
Quando se pretende qualificar alguém como um leitor ávido, é geralmente usada a expressão: “ele devora livros”. Como, porém sugere o título desta obra, os livros são os responsáveis principais pela morte de um dos seus leitores mais apaixonados: um funcionário público que preenche a monotonia do seu dia-a-dia numa repartição de finanças. Há que prestar atenção ao nome e apelido da personagem, uma vez que Vivaldo tem a ver com o verbo “viver” e “Bonfim” é a justaposição do adjectivo “bom” e do substantivo “fim”. Daqui pode-se deduzir que o senhor viveu para os livros que lhe deram o bom fim, a oportunidade de morrer entre eles.
 Após a sua morte, consequência de um enfarte (e não da leitura de A Ilha do Dr. Maureu de H. G. Wells), o seu filho Elias, no dia em que faz doze anos, recebe da avó uma prenda muito especial: a chave do sótão em que o seu pai guardava os seus livros preferidos. Lendo todas as obras clássicas que fazem parte do cânone europeu (geralmente o ocidental, com a excepção dos autores russos, tais como Dostoiévski, Gorki, Gogol e outros), o protagonista e ao mesmo tempo narrador da história procura conhecer melhor o seu pai e saber mais sobre ele. Dialogando com as personagens, viajando na sua imaginação a outras terras, esquecendo-se da hora do jantar, o menino fica absolutamente absorvido pelo mágico e bonito mundo dos livros, descobrindo pontos de vista e modos de pensar diferentes, enriquecendo o seu vocabulário e o seu conhecimento.
Paralelamente com as suas aventuras de leitor ávido e de “pessoa determinada” como se qualifica o próprio Elias, são-nos narrados alguns dos episódios da sua vida real: as experiências da sua escola, das relações familiares, a amizade com Bombo (um rapazinho obeso de cabelo oleoso, escarnecido por todos na turma, mas que sabe muito sobre a cultura e a sabedoria chinesas, sem ser pretensioso e sem dar demasiado nas vistas), o seu primeiro amor por Beatriz, uma menina de cabelos lisos, olhos castanhos e o “sorriso escrito à mão”, que por sua vez está interessada no melhor amigo do protagonista. Pelo pouco que as personagens da vida real são descritas e abordadas no livro, vê-se que a avó é apenas o pretexto para o menino chegar ao sótão dos livros, alguém que lhe faz o lanche composto por bolinhos secos e um copo de leite, sem aprofundar qualquer relação com o neto. A mãe é uma pessoa rigorosa que castiga o filho, proíbe-lhe as leituras, preocupa-se com a quantidade excessiva dos livros que lê, sem mostrar-lhe carinho, sem dedicar-lhe atenção, sem partilhar um único momento bonito com ele. Bombo (chamado assim por causa do seu aspecto físico e peso excessivo) parece ser o único amigo dele, com quem partilha conhecimentos e confidências até descobrir que os dois estão apaixonados pela mesma colega da turma. O menino  Elias Bonfim deve sentir-se muito só, e por isso entre outras razões, refugia-se na leitura, onde além dos seus amigos imaginários encontrará também um cão imaginário. Mr. Prendick, que lhe faz companhia nas suas aventuras literárias.
A idade decisiva para Elias Bonfim começar a ler tanto são os doze anos, o momento em que o jovem se encontra entre a infância e a adolescência e quando lhe surgem as primeiras dúvidas importantes sobre o bem e o mal, o certo e o errado etc. Para entendermos melhor alguns dos comportamentos do adolescente Elias, deveremos chamar a atenção para um pormenor que nos pareceu importante: o protagonista dialoga mais com o Dr. Maureu, que pretende transformar os animais em homens, com o Mr. Hyde e com o Raskolnikov, protagonista do célebre romance de Dostoiévski. Todos estes heróis literários são de certa forma divididos: o primeiro entre o seu desejo e a realidade, o segundo entre as duas personalidades: a do dócil, pacífico e bom Dr. Jakyll e a do cruel, maníaco e perturbado Mr. Hyde e o terceiro entre o crime que cometeu, o seu castigo, e a redenção. Para evidenciar ainda mais a divisão entre o justo e o injusto, entre o correcto e o que não se deveria fazer, Dostoiévski deu ao seu herói um apelido simbólico, derivado do substantivo raskol, que significa “cisma” e que, na leitura de Afonso Cruz, o transformará num “monstro”, criminoso implacável e assassino banal que mata por prazer e para aliviar a consciência. Vendo a personagem de Dostoiévski tão deformada e denegrida aos olhos do autor e do narrador deste novo romance, devemo-nos perguntar sobre a liberdade do leitor de interpretar um livro ou os seus protagonistas, recordando que o nem o leitor nem o crítico têm direito de basear a sua visão da obra naquilo que não está escrito pelo próprio autor. Por mais intertextualidade e o diálogo da literatura com a vida real que se pretendam mostrar nesta obra, deveríamos salientar uma determinada ironia que Cruz usa para se referir a um escritor considerado por muitos críticos como um maiores autores russos de sempre: “Dostoievski, Dostoievski… O que é que ele sabe da vida, esse Dostoiévski? Tudo se passou como eu lhe estou a contar, o resto é literatura” (p.90). Este comentário poderia interpretar-se tanto como a ideia de que não há autores nem textos intocáveis, como também pode parecer um desejo de “ajustar as contas” com o autor de que não se gostou e com a obra que não se entendeu de forma adequada. Em relação às referências culturais russas, consideramos interessante que Afonso Cruz tenha escrito duas frases nesta língua “Уйди, меленький человек! (Vai-te embora homenzinho!) e Уйди, ты дурак! (Vai-te embora, tolo!), o que enriqueceria os conhecimentos culturais do leitor se tivesse uma nota de rodapé com a devida tradução. Para descrever o descontentamento e a fúria de uma das personagens de Dostoiévski, Cruz refere que Elias pretendia “desviar os insultos em cirílico” (p.87). Sabendo que o cirílico é um alfabeto e não uma língua, é difícil “traduzir” esta imagem em gritos, o que, por sua vez na parte gráfica do livro (com letras grandes e em negrito) pode passar como a transmissão da ideia pretendida: de uma raiva descontrolada numa língua estrangeira.
Com todas as personagens com que se encontra Elias Bonfim aprenderá algo sobre os temas importantes para a existência humana, mas pelo que nos pareceu, aplicará mal os seus conhecimentos na realidade e com as pessoas que o rodeiam: mesmo que pense que o seu amigo Bombo é gordo, feio e que não merece a atenção de Beatriz, menti-lo-á para “não magoá-lo” ou para “não desiludi-lo”, porque segundo acredita, fazer uma coisa má para atingir um objectivo bom é considerado justificável. Esta relação de falta de sinceridade e lealdade por parte de Elias Bonfim com o seu amigo Bombo continuará a desenvolver-se até ao ponto de Beatriz ignorar o protagonista do romance e dar um beijo na boca ao seu amigo. Quando descreve o seu colega da escola, Elias fala apenas na gordura e no cabelo oleoso do Bombo, e também nas numerosas histórias relacionadas com o rico mundo da civilização chinesa, mas  quase sempre com um tom depreciativo. Por outro lado, o rapazinho obeso está genuinamente apaixonado pela cultura chinesa e por Beatriz, tendo adoptado algumas características dos sábios que lê e conhece, nomeadamente de Lao Tsé: a calma, a tranquilidade com a qual aceitava todos os comentários desagradáveis dos seus colegas da turma e alguma sabedoria. Bombo, pois, é o único que percebe que Beatriz está solitária, porque, embora esteja sempre rodeada de muitas pessoas, a menina não se sentia acompanhada. Ao revelar esta observação ao seu melhor amigo Elias, Bombo é interrompido com um comentário superficial e aparentemente brincalhão: “Não digas disparates, ó Bombo”(p. 52).
Não podendo suportar que o seu primeiro amor tenha preferido o amigo, Elias considera o beijo entre Beatriz e Bombo uma experiência ultrajante, o que o levará a humilhá-lo em público na presença da menina, magoando-o onde mais lhe dói: ridicularizando a sua diabetes e a necessidade de injectar insulina na barriga com palavras realmente cruéis referindo-se às agulhas que devia espetar na barriga. Esta atitude pouco generosa causou a primeira e a última revolta do rapazinho doente e obeso: comeu demasiados pasteis de anta, não tomou a sua dose de insulina e morreu. Ao longo do livro vemos o amigo do protagonista como uma espécie do seu alter ego: são da mesma idade, gostam da mesma menina, os dois ficam absorvidos pela leitura e pelo desejo de saber mais (apenas que Elias se limita à literatura ocidental e Bombo à oriental). Bombo é feio e não se enquadra no ambiente dos seus colegas de turma, sobre a beleza do protagonista não se diz nada, mas pela sua atitude convencida, pode deduzir-se que deveria ser mais bonito que ele. Enquanto Elias é um pouco falso com o seu amigo, Bombo é puro, não guarda rancor a ninguém e aceita todo o mal com a sua sabedoria silenciosa, com o qual estas duas personagens se complementam e parecem ser o lado iluminado e o escuro de cada pessoa.
Embora existam alguns indícios dos remorsos de Elias (“o meu número inqualificável” (p.121), “quando penso no Bombo choro”(p,125), “é a primeira pessoa que vi morta e isso impressionou-me” (p.123), não se põe perante o leitor qualquer sentimento de culpa, de pecado ou de dilema moral de Elias, por ter sido o responsável indirecto pela morte do seu amigo. Apenas na sua velhice, o protagonista da obra constatará que Bombo era seu amigo e esta frase será terminada com um ponto de exclamação, e afirmará com um tom de voz neutro que “na altura é difícil saber fazer as coisas certas”(p.125). Nesta última frase afirmativa vê-se mais uma tentativa de se auto-justificar do que expressa a intensidade da dor pela perda do amigo da infância.
A leitura deste romance coloca várias questões importantes: a (im)possibilidade de dialogar com os livros considerados canónicos, a intertextualidade e os seus limites, o crescimento da pessoa, o conhecimento do bem e do mal, a utilidade da literatura. Lendo Os Livros que Devoraram o Meu Pai podemos interrogar-nos também acerca dos seguintes problemas: se e por que razão se devem ler os clássicos? Existe uma idade apropriada para se lerem os livros “difíceis”? Que efeito tem a literatura nos seus leitores. Ainda que a ideia inicial (a de fomentar a leitura dos autores mundialmente conhecidos entre o público infanto-juvenil) seja de louvar, o que se nos impõe como dúvida é se realmente a literatura tem o carácter “salvífico” e se a cultura realmente cultiva o espírito de quem a consome. Pelo que se mostrou na personagem de Vivaldo, a leitura serve para enriquecer o dia-a-dia monótono num emprego de que não se deve gostar, na personagem do seu filho, a literatura, que deveria ser uma viagem mágica,  não é mais do que uma recolha de citações e referências aos autores conhecidos, que eleva demasiado a sua auto-estima, desvalorizando o que realmente há de bom nos livros, nas personagens e nas mensagens que transmitem. Por último, e a aproximação do Bombo com o mundo chinês através da leitura, enriqueceu-o tanto que o fez “sentir-se um chinês”, o que mostrou pela sua humildade, serenidade, mesmo quando perde e tem vontade de “chorar por dentro”.
Partindo de um tema bonito, o conhecimento do pai através dos seus livros e das histórias de que a sua vida era feita, promovendo a leitura dos clássicos entre crianças e adolescentes, este romance, porém peca algumas vezes no seu estilo (“livros, livros e mais livros”(p.12), (“humilhar com palavras humilhantes”) , “um sótão inteiro (e mais muito mais” (p. 126.) e não aprofunda o incentivo e desenvolvimento de valores mais importantes tais como o cultivo de uma boa relação familiar, a amizade, a preocupação com a felicidade dos outros, a aceitação de uma recusa, o arrependimento, a redenção e outros que parecem ser tocados, mas nãoaprofundados.

Amor desejo e dor em Florbela Espanca

NASCIMENTO, Michelle Vasconcelos Oliveira do (2011) Trocando Olhares, desejo, amor e dor na poesia de Florbela Espanca, Pluscom Editora, Rio Grande, 98 pp.
Recensão crítica por Anamarija Marinović
Um excelente título e um rico material para uma investigação a nível de Mestrado. Mesmo que os motivos de desejo, amor e dor sejam muito conhecidos, referidos e estudados na poesia de Florbela Espanca, permitem sempre a possibilidade de ais uma abordagem e interpretação original.
Seduzido pelo título e o tema prometedor, ao abrir a primeira página, o leitor encontra-se com um excerto do diário da poetisa (embora sem qualquer indicação bibliográfica) e o poema Os meus versos (também sem indicação da fonte) e descobre algumas das principais linhas de pensamento e inquietações literárias desta autora: a vida, a realidade, o sonho, o questionamento da existência de Deus, a criação poética, a dor, o sofrimento, o desassossego e, naturalmente o amor. Esta palavra é escrita com letra maiúscula quando se trata do sentimento, e com minúscula quando se dirige ao ser amado, o que talvez implique a impossibilidade de Florbela Espanca de conciliar o Amor como ideal que procura e o amor que sentia por cada um dos seus maridos e amantes. Esta hipótese, porém, não é explicada aos leitores de forma directa e deixa-se nas entrelinhas do texto do livro. A obra é uma tentativa de analisar a incapacidade que a poeta portuguesa sentia ao tentar comunicar através dos seus versos toda a sua sensibilidade feminina e a intensidade das suas emoções.
Após as grandes expectativas que se poderiam ter em relação a este estudo, publicado apenas como parte de uma dissertação de Mestrado, o livro peca logo na apresentação, em que se misturam a razão da publicação da obra e os agradecimentos, que poderiam ser divididos em dois paratextos diferentes. A introdução parece também confusa e pouco clara, uma vez que tenta explicar a razão de estudo frequente da poesia florbeliana, que segundo a autora:

se deve a vários motivos, entre eles a publicação, ainda em vida, de alguns dos seus versos e a crítica contemporânea e póstuma que contribuiu para a criação do mito em torno à poetisa e a sua vida. A curiosidade suscitada acerca da vida da poesia e a sua morte fez com que a sua obra se tornasse conhecida pelo público e fez com que alguns estudiosos se voltassem a ela, procurando identificar as nuances dos versos florbelianos.
(Vasconcelos de Oliveira do Nascimento, 2011,9).

Partindo da hipótese que todos conhecem a vida e obra da poeta e que não é necessário explicar as razões pelas que a figura de Florbela Espanca tem sido denegrida ou mistificada, Michelle Vasconcelos tenta justificar o interesse da crítica por ela e a intenção dos críticos de procurarem na sua obra o reflexo da sua vida pessoal e íntima. De qualquer das formas, talvez fosse conveniente dar um pequeno enquadramento das circunstâncias em que a poetisa portuguesa vivia e criava para tornar mais claras algumas controvérsias sobre a sua escrita e a forma de sentir, viver e expressar o amor, o desejo e a dor.
Um dos pontos fracos desta obra que seria necessário referir é a citação de poemas inteiros de Florbela Espanca sem serem explicados e sem se reflectir sobre eles de forma adequada. Citam-se também poemas de vários trovadores e de Camões, sem se salientar se de facto a poetisa em questão se inspirou justamente nestes poemas e sem isso ser argumentado com o suporte de fontes fidedignas. Na secção dedicada aos trovadores, é apresentado também um glossário, embora não indispensável. As notas de rodapé são por vezes demasiado longas e em vez de enquadrar o leitor no contexto de que se fala, parecem desviá-lo do tema principal da investigação.
Em termos de conteúdo, a autora mistura um pouco a psicanálise e a mitologia greco-romana, pretendendo explicar a importância do olhar no mito do Narciso, para posteriormente este material lhe servir para interligá-lo com o papel do olhar nos versos florbelianos.
Em relação às tentativas de definir o mito, a autora recorre primeiro a uma definição mais “popular”, que é a seguinte (idem, 14): “no senso comum usamos a palavra “mito” para nos opor a algo verdadeiro, ou seja ao conhecimento científico”.  Depois de uma definição mais fundamentada e científica do mito, a investigadora passa para o papel do mito na psicanálise, referindo-se a este fenómeno da seguinte forma (idem, 15): “ O mito é a linguagem para a psicanálise assim como o inconsciente o é para Lacan” Sendo Lacan um dos cientistas influenciados pela psicanálise freudiana, não parece claro por que motivo se faz um “paralelismo” entre o mito e o inconsciente, entre a linguagem da psicanálise e este autor particular, uma vez que de seguida não se aprofunda esta linha de pensamento. A ligação entre o mito do Narciso e o olhar nos versos florbelianos parece um pouco forçada, e sobretudo desenquadrada do contexto mítico e psicanalítico. Na sua tentativa de definir a psicanálise, Michelle de Vasconcelos adopta talvez uma abordagem demasiado leve e informal, que é a seguinte idem,52): ” A psicanálise é um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias e delírios) de um sujeito. Se dedica um dos subcapítulos da sua obra a este tema, a autora poderia ter encontrado uma outra definição, mais estruturada e consistente, com mais rigor científico, que não reduziria a psicanálise apeas á interpretação dos sonhos e dos fenómenos linguísticos. Para além disto, a expressão “inconsciente das palavras” por ventura não seja a melhor escolha, uma vez que pode induzir o leitor na ideia de que são as palavras que têm o seu inconsciente e não o ser humano.
O próximo problema sobre o qual se deveria reflectir na análise desa obra é a menção do termo “eu-lírico”, sem ele ser definido ou problematizado de qualquer forma, e isso deveria ser feito, uma vez que este “eu” é muitas vezes confundido pela crítica e pelos leitores com a personalidade da poeta.
A obra abunda em afirmações demasiado generalistas entre as quais se destacam: “Desejar o que não se tem é a lei do desejo” (idem, 21”, “alma e coração parecem-se fundir”, “o coração, responsável pelo amor e pela dor de amar” (idem, 23), “a morte parece o único fim para o ser sofrido” (idem), “a imagem de chorar sem saber o porquê, expõe uma dor cuja causa desconhece o eu-lírico” (idem, 25), “o amor existe e pronto” (idem, 28), “a alma representa o eu” (idem, 49), “os olhos foram feitos para olhar” (idem, 65), “ a representatividade do olhar é grande nos versos de Florbela” (idem), “a escuridão é o oposto da claridade” (idem, 82) e “Florbela é a poeta do amor, como tantos outros poetas portugueses” (idem, 94).
Do ponto de vista estilístico, este estudo também muitas vezes peca, e isso reflecte-se nos elementos do registo coloquial (“e pronto”, começar a frase por “mas”, usar demasiadas vezes a expressão “ou seja”, utilizar a expressão “os versos mais lindos” idem, 49), “diz José Régio” (idem, 23), podendo este verbo ser substituído por “afirma”, “é da opinião”, “refere” ou outros, que dariam ao texto a impressão de um maior rigor científico. Na obra são inúmeras as repetições (começar vários parágrafos seguidos pela frase “é o amor…”, repetir muitas vezes “no poema/soneto acima”, “o desejo do eu-lírico é ser desejado”,  “A respeito da temática amorosa na poesia portuguesa (…) Florbela Espanca é uma grande respeitante dessa temática” (idem) “Apo´s o estudo dos poemas de Florbela Espanca, percebe-se a frequência com que a temática amorosa aparece em seus versos e também as imagens que a engendram. Pode se afirmar até que esta temática é dominante na poesia de Florbela”. (idem, 94). O adjectivo “famosas” é usado duas ou três vezes dentro da mesma frase, podendo também ser substituído por outros, tais como “conhecidas” ou “célebres”.
A nível do conteúdo, esta obra apresenta algumas afirmações erradas “O trovadorismo é o primeiro movimento literário de língua portuguesa” (idem, 30), sabendo-se que o trovadorismo surgiu a Provença, no Sul da França. Do mesmo modo são deliberadamente misturadas as designações “canção de amigo” e “de amor” (que juntamente com as cantigas de escárnio e maldizer fazem parte da herança da literatura galaico-portuguesa de autoria erudita) com as cantigas populares, de autoria anónima. Afirmam-se também ideias pouco claras tais como:” Camões como Florbela é considerado um dos expoentes do platonismo na literatura portuguesa”, sem se perceber se o “platonismo” se refere às ideias de Platão ou ao conceito do “amor platónico”, e sem se aprofundar cientificamente este ponto de vista.
Em termos de estrutura, tem-se a impressão de que a autora “dá um salto” desde o trovadorismo até aos contemporâneos de Florbela, nomeadamente Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, tentando justificar a ocorrência dos motivos do desejo, amor e dor na poesia desta poeta.
No que diz respeito ao rigor académico e ao suporte teórico da obra, notou-se que as citações de determinados autores (Régio, Roland Barthes) são demasiado longas, sem serem problematizadas, ou sendo explicadas por um poema inteiro ou por um conjunto de versos de Espanca. As referências bibliográficas, além de serem escassas, são demasiado gerais e poucas delas têm a ver com a vida e obra da poeta, o que é grave, tendo em cont o facto que no Brasil ela é mito mais estudada do que em Portugal e que uma das maiores especialistas em Florbela a nível mundial, a Professora Doutora Maria Lúcia dal Farra, tem uma vasta bibliografia sobre ela e a sua poesia, publicada nas edições portuguesas e brasileiras.
Para esta obra ser melhorada em vários aspectos, deveria ser revista e aprofundada, porque reduz os sentimentos de Florbela espanca apenas ao amor não correspondido, o desejo frustrado e o olhar não captado, sendo de facto os versos da poeta muito mais do que isso.

lunes, 6 de agosto de 2012

despertar el interés por la rica civilización de los mayas

Leyendas y Mitos Mayas (2004) Editorial Época, Ciudad de México, 94 pp.
Aunque últimamente la civilización maya haya despertado bastante ateención de las personas por causa de su célebre profecía relacionada con el año 2012, el propósito de este libro no es el de hablar  de la visión que en esta cultura se tiene sobre el fin del mundo, sino apenas presentar una breve selección de historias que dan a conocer un poco de la riqueza y de la belleza de la sabiduría de este pueblo. 
Según consta en la introducción (p.5), la palabra "maya", que dio el nombre a esta civilización, significa "gran amor", "inmensa querencia" o "inmensa estima", y por eso no es de extrañar que entre los mitos y leyendas que se pueden encontrar en esta antología estén muchas historias de grandes amores, generalmente infelices, que a pesar de su intensidad y pureza, no consiguen superar los obstáculos impuestos por la religión rigurosa, pero que debe ser respetada. 
Aunque entre las culturas precolombinas, los mayas se destacan también por sus grandes conocimientos matemáticos, astrológicos y astronómicos, en este libro son pocos  los casos que incorporen estas nociones sirviendo las estrellas apenas como un desafío para un guerrero que dispara flechas en su dirección, queriendo mostrar su poder.
Aunque una de las leyendas parece fomentar la imaginación y  las fantasías de los jóvenes, cualquier rebeldía, y especielmente la de los hijos contra la autoridad paterna es severamente castigada obligándolos de esa forma a respetar las duras leyes de la realidad en que viven.
En el inicio de uno de los mitos del libro sagrado de los mayas, Popol Vuh se refiere la creación del mundo por los dioses, que tal como en el Génesis bíblico fue hecha por fases, siendo el água separada de la tierra siendo creadas las plantas y los animales y el ser humano como la última de las creaciones.  De acuerdo con la mitología y la cosmogonía maya, los hombres y las mujeres fueron creados para que haya quien venerar a los dioses.
Diferentemente de muchas otras culturas en que el silencio es visto como  un medio importante que acompaña la reflexión, la oración, para los mayas el silencio es bastante negativo siendo  él, como consta en el libro (p.8)  sinónimo de " desolación, abandono y muerte". 
Los mitos y leyendas mayas abundan de sonidos, colores, animales, plantas, piedras, olores , aguas y todo un mundo natural del cual el hombre latinoamericano de la época precolombina, absorbía su sabiduría y experiencia de la vida. 
Entre las leyendas más bonitas y que más llaman la atención del lector se destacan la del címbalo de oro, cuyo protagonista es un niño sabio, la de un cura español que murió en una cueva y que mereció que el sitio de su muerte se convirtiera en el lugar de peregrinación para los feligreses cristianos, la del amor eterno entre  Maa Hech y su novio, que no pudieron casarse porque ella era la guardiana del incensario sagrado. Para estar  siempre al lado de su amada, el muchacho se volvió un escarabajo,  creyéndose todavía hoy en día que este insecto tiene poderes que traen suerte en el amor.
Enseñando respeto por los más viejos, por la religión y por el orden de las cosas en el mundo, las leyendas y los mitos mayas aquí presentados, acompañados por una breve explicación, son sin duda una muestra interesante de una  forma de pensar, de una cultura distante de la cristiana, pero también muy rica en sabiduría, filosofía y valores que se pueden seguir y transmitir de generación en generación.

uma guerra, um amor fraternal, novos começos e uma relação romântica no filme "Um homem com sote

Filme: Um Homem com Sorte (baseado no livro homónimo de Nicolas Sparks)
Género: Drama
Duração: 101 min 
Realização: Scott Hicks 
Com:  Zac  Efron, Taylor  Schilling, Blyte Danner
Uma guerra, uma fotografia de uma mulher desconhecida e uma série de coincidências que vão levar Logan, soldado que regressou do Iraque a procurar Beth, a trabalhar no seu canil, a conhecer alguns pormenores sobre a sua família e a reconstruir o fio condutor de uma história bela mas perdida, sobre o amor de dois irmãos. Trata-se de um testemunho comovedor sobre uma irmã que perdeu o seu irmão na guerra do Iraque, a sua relação próxima, a possibilidade de re-encontrar-se o amor após um casamento falhado. Esta é também uma história sobre a maternidade e a educação do filho, cujo pai é um homem rude, instável e inseguro de si mesmo. este é um filme romântico que revela toda a beleza e plenitude do amor baseado na confiança, na amizade e na partilha das palavras, emoções e recordações. Tendo resuperado a fotografia de Beth, Logan de certa forma devolveu-lhe o seu irmão, a coragem que mostrou como soldado e a forma heroica em que morreu e mereceu ser chamado de "um homem com sorte". Sem se cair no cliché de que o irmão de Beth morreu para Logan poder sobreviver, conta-se uma história emocionante sobre como as tragédias vividas, sentidas e partilhadas com alguém, podem e devem aproximar as pessoas.
Com belíssimas imagens da natureza, a música adequada ao conteúdo do filme, a excelente actuaç\ao do menino que faz o papel do filho de Beth, Um homem com Sorte é de certeza um filme que vale a pena ver, porque ensina o valor da esperança e do optimismo através das novas oportunidades e novos começos.

É na Terra, não é na Lua: os Açores perdidos

Filme: É na terra, não é na Lua
Género: documentário
duração: 196 min.
Realização: Gonçalo Tocha
A Ilha do Corvo é a mais pequena e a mais esquecida do arquipélago dos Açores, habitada por apenas 450 pessoas, embora já tenha chegado a ter entre 300 e 900 habitantes a viverem num ambiente belo mas inóspito, lidando com as suas diárias alegrias e problemas.
Foram filmados todos os momentos umportantes na vida da ilha e dos ilhéus: as tempestades, o abastecimento da comida, a chegada e a partida do avião, a produç\ao do qeijo caseiro, o baptismo de uma menina, as antigas tradições populares, a sincera e profunda religiosidade das pessoas  mais velhas, a matança do porco como um motivo de as pessoas se reunirem, trabalharem e ajudarem umas as outras, as conversas do café, as memórias, os fragmentos das vidas das pessoas, os momentos felizes e dolorosos nas vivências dos habitantes da ilha, a sua solidão, o isolamento em quee vivem, a resignaç\ao com a impossibilidade de implementar algumas mudanças. Vivendo em condições muito humildes, algumas das pesssoas da ilha conseguem ser optimistas e felizes.
O motivo da boina azul escura, tradicional dos baleeiros, que a senhora Inês Inêz  fez para o realizador do filme é uma excelente metáfora da criação, da luta contra a monotonia diária por um lado e da simplicidade e boa vontade das pessoas por outro. O exemplo de uma outra habitante da ilha, que faz o queijo "com ternura e carinho" é um detalhe que oferece aos espectadores um bom material para a reflexão, porque sobretudo aqueles que vivem nas grandes cidades podem sentirr-se cada vez mais afastados uns dos outros e de alguns valores tradicionalmente aceites e respeitados. Investindo a sua ternura e carinho em tudo o que faz, ainda que se trate de um simples queijo, a participante do filme mostrou que há sempre motivos e formas para se fazer bem aos outros sem pedir nada em troca.
Uma história muito bem conseguida e contada, em termos de som e de imagens, este filme representa uma experiência única de 450 anos de vida desta ilha, que parece abandonada e perdida no meio do nada, mas que a pesar de tudo "é na Terra, não é na Lua" que existe cheia de problemas e de esperanças ao mesmo tempo.
A única coisa que poderia ter sido melhorada no filme são as vozes dos narradores que soam muito apáticas e muito neutras, podendo ter sido escolhidas algumas vozes mais impactantes, como das que se costumam ouvir nos programas documentários sobre a natureza e as terras desconhecidas.

lidar com a morte e com o absurdo: a perspectiva do filme SWANS

Filme: Swans
Género: Drama
Duração: 126 min.
Realização: Hugo Vieira da Silva
Com: Kail Hildebrand, Ralph Heferth, Maria Schuster
A história sobre um pai e um filho adolescente que se deslocam a Berlim para visitarem a mãe do rapaz que está em coma, pareceu prometedora porque poderia ddar muito material para a reflexaõ e para a expressão dos afectos, para o auto-conhecimento e para a descoberta do Outro enquanto ser próximo e não como um estranho. O que o filme, porém, oferece é uma versão mais dura e mais absurda da realidade.
enquanto o pai parece preocupado com o estado de saúde da sua antiga companheira e com o dever de aproximar o filho dela, o rapaz, um jovem rico e mimado, habituado apenas a comodidades e liberdades sem saber o que é o sofrimento e a responsabilidade, perante a dor e à situação da sua mãe, afugenta-se no seu mundo, um ambiente cheio de música barulhenta, grafitis, prendas caras e marijuana.
A obrigação de enfrentarem-se com a doença e a dor, leva o pai e o filho pelo caminho da solidão e do isolamento, da não comunicação e de um silêncio absurdo e vazio que deve ser preenchido de qualquer forma.  Ouvem-se com a maior precisão todos os sons possíveis. os passos na neve, o vento, a urinação, o guardanapo rasgado, o skatbord pelos corredores do hospital, os suspiros durante as necessidades fisiológicas; tudo o mais banal parece merecer mais atenção nos ouvidos do espectador, menos a palavra. Se há qualquer comunicação entre o pai e o filho, ela reduz-se a frases curtas e declarativas sobe questões referentes da rotina do dia-a-dia. o menino nem sequer procura reconstruir a história da vida da sua mãe, não se pergunta sobre o sofrimento dela, está ali diáriamente ao seu lado, mas mais por obrigação e por nçao ter outra forma para preencher o tempo.
Para o rapaz adolescente, o encontro com a mãe no hospital não é mais que uma descoberta do corpo em todos os sentidos da palavra e com a experiência  de todos os sentidos envolvidos nesse processo: o tacto, o cheiro, a visão, a audição, e esta experiência é às vezes exagerada.
este filme, embora de formas por vezes demasiado drásticas coloca questões sempre actuais sobre a vida e a morte, a doença de uma pessoa próxima, a esperança e a sua ausência. Maisd do que isto tudo, o filme salienta um assunto muito delicado: a dignidade do ser humano quando sofre, sendo nesta obra apresentado o problema do ser humano como indigno e praticamente sem qualquer valor. O corpo da mãe, fragilizado, imóvel e indefeso, não é nem deveria ser o material para brincar nem deve ser observado como um objecto estranho que desperta curiosidade. O filho, mesmo que não tenha crescido com a mãe, e mesmo que nçao tenha estabelecido uma relação próxima com ela, não tem direito de cheirá-la, beliscar-lhe o peito, tocar-lhe a vagina, porque isso, além de violar a intimidade da mãe, já entra no domínio do perverso e do inusitado, do anormal e do quase incestuoso.
o facto de no fim do filme, o menino abraçar a mãe, pode interpretar-se como uma pequena capacidade de mostrar afectos, como um sinal curto e frágil de sentir o desejo de se aproximar dela, que dá ao argumento um ligeiro toque optimista no meio de tanto absurdo, monotonia, solidão e desespero. Tal como o corpo da mulher doente é considerado estranho pelo seu próprio filho, pelos enfermeiros e médicos é tratado como um objecto que lhes dificulta o trabálho diário.
Sem qualqueer valor cristão, sem qualquer emoção sincera, este drama mostra uma realidade na sociedade europeia contemporânea ocidental: a dor,  a morte e o sofrimento são sistematicamente afastados da vida quotidiana e quando o homem se vê forçado a enfrentá-los, não sabe o que fazer com eles, o que dá um excelente material para examinar a própria consciência e os próprios valores em que se acredita ou deve acreditar.
Uma boa realização, uma excelente actuação do rapaz, um tema difícil, que poderia perfdeitamente ser abordado de outra forma, mas também um tom demasiado pessimista e negativista, em poucas palavras é o que caracteriza esta obra cinematográfica, forçando o espectador a aguentar-se para não abandonar o cinema antes do filme.

domingo, 5 de agosto de 2012

nova oportunidade à vida no filme "Os amigos Improváveis"

Título:Amigos Improváveis
género: comédia/drama
duração: 112 min.
Realização: Olivier Makache/ Eric Toledano
Com: François Cluzet, Omar Sy
Baseado numa história verídica que despertou o interesse dos jornalistas e dos escritores, este filme, embora tenha elementos divertidos e um humor lúcido e fresco, tem muito mais de drama do que de comédia. A história de Philippe, um aristocrata sofisticado e Driss, um imigrante senegalês de passado problemático, é uma série de episódios emocionantes que tornou estas duas personagens  em verdadeiros "amigos improváveis".
Após ter sofrido um acidente em que ficou tetraplégico, Philippe procura um enfermeiro cujo perfil seja adequado às suas necessidades. físicas e emocionais. Depois de ter entrevistado vários candidatos e de ter verificado que o que os leva a responderem ao anúncio é o dinheiro ou algum outro motivo egoísta, decide dar a oportunidade a Driss, um jovem que esteve na prisão e que necessita de três recusas para poder receber o subsídio de desemprego.
Como na vida real as coisas nem sempre são tão fáceis e unilaterais como parecem, estes dois homens, diferentes em tudo, aprendem muito um com o outro, têm que adaptar-se aos defeitos e mundividências um do outro, a conviver, a completarem-se, a lidar com as suas personalidades e solucionar os seus problemas e conflitos.
Eszte filme, uma verdadeira obra de arte, reivindica os direitos dos gravemente doentes a terem uma vida normal, com os seus gostos, amizades, interesses, amores, com uma perspectiva diferente de olhar para o mundo, direitos a serem integrados na sociedade sem serem considerados vítimas e sem se aproveitarem das suas limitações físicas. Ao mesmo tempo levanta-se a questão dos marginalizados e da sua inclusaõ social sem olhar para eles com desprezo ou receio.
Philippe tem preferência pela música clássica, pelas obras de arte de autores conceituados, pela poesia francesa tem um vocabulário rico e gostos sofisticados, Driss por sua vez gosta de música de discoteca, não teve muito acesso à cultura, porém reconhece as melodias dos compositores clássicos pela sua presença nos anúncios publicitários, desenhos animados.
Entre eles com  tempo cria-se uma forte e sincera relação de amizade, baseada na confiança, na partilha de segredos e experiências, que os leva a conhecerem-se melhor e a descobrirem sempre novas capacidades dentro de si.
Nos assuntos que dizem respeito ao amor, Philippe é mais platónico, poético e romântico, tal vez por ter medo de ser rejeitado devido às suas limitações físicas. Driss, porém parece ser mais pragmático e não demora muito tempo em debruçar-se sobre as questões estreitamente ligadas ao erotismo e ao contacto mais íntimo.
À primeira vista completamente diferentes, estes dois amigos aprendem a aceitar-se e respeitar-se tal como são e sem tentar mudar forçosamente o outro. 
Após muito tempo partilhado e muitos episódios de felicidade que deram um ao outro, cada um deles tem que seguir o seu próprio caminho, Philippe ao lado da mulher que o ama e Driss no seu novo emprego não deixando de ser amigos próximos e sinceros.

Um filme por momentos cheio de humor espontâneo e vivo, aborda os temas sérios (como enfrentar a invalidez, como ultrapassar os problemas do passado), coloca quest\oes dobre a educação, a amizade, os valores, as alegrias e as desilusões que fazem parte da vida e promove a ideia sobre os novos começos e as novas perspectivas.  Despertando a ternura e as emoções profundas, Os Amigos Improváveis é um filme que oferece lições sobre o optimismo e esperança dando muito material para a diversão e reflexão. Com um argumento muito bem conseguido, com as personagens construídas de forma bastante relista e com toda a profundidade psicológica do seu carácter, trata-se também de um filme belo em termos de imagens e da música, e por tudo isto merece a atenção dos espectadores.
BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...