Bem-vindos ao meu mundo de imaginação. literatura, cinema, fotografia, tradução de poesia e conheçam contos da minha autoria
PEGO, Paulo, (2014) Livro
das Pedras, Orfeu, Bruxelas, 79
pp.
Quer em termos linguísticos, quer
na escolha de temas, imagens e ideias, O
Livro das Pedras de Paulo Pego parece ainda mais complexo e, à primeira
vista impenetrável que o livro anterior, embora haja algumas constantes
temáticas, nomeadamente a denúncia da burocracia, a solidão e o absurdo da vida
do homem moderno e a procura do amor e seu sentido. Água, ar e pedras (nas suas
mais diversas modalidades) impregnam as páginas desta colectânea de poesia,
contrapondo duas tendências: a da “liquidez” e instabilidade da realidade e das
relações humanas e a procura da firmeza e estabilidade. Desta forma, o poema
que abre a colectânea intitula-se “Humidade”, e transmite todas as imagens
“molhadas” desde o sufocante calor das pessoas que saem do avião e que certamente transpiram até à “chuva fina
que dissolve o magma”, a espuma a “água
que mata sede”, “humedecer””, rio”, “gotas”, “fluxus”,” aluvião”, “arroios”,
“líquido”, “húmida” (aqui o adjectivo parece ser usado de propósito no
feminino, indicando todas as conotações possíveis com a reprodução, o princípio
feminino, o sexo), “salivas”, “mar”. À abundância das referências à água, opõem
se as planícies secas, o calor da Andaluzia, a cor ocre das pedras (relembrando
o universo poético do espanhol Antonio Machado), o magma, a ignescência, a
queimada beirã. Para além da água, um dos elementos mais presentes nos versos
do Livro das Pedras é o ar, quer na sua
vertente física, quer como símbolo da volatilidade da palavra. Palavra essa,
que em momentos pode ser até de vidro, simultaneamente procurando e negando as
pontes, podendo ser incapturável como o pássaro ou rasante.
Dialogando com poemas, pinturas, tendências literárias (dadaísmo,
futurismo), artes gráficas, disposição das palavras, a sua semântica interior e
os seus sentidos escondidos, partes de expressões populares (nada nem coisa
nenhuma) e eruditas (em francês, latim, inglês), fábulas, História (sobretudo
da Argentina), geografia (Portugal, Argentina, Espanha, espaços imaginários) o
autor não revela apenas a cultura e os mais diversificados conhecimentos do
autor, como também apela à curiosidade do leitor, convida-o a revisitar todo
este imaginário cultural, a acrescentar e inscrever as suas próprias
referências na leitura dos poemas e sobretudo a pensar.
Entre os problemas do homem moderno, que trabalha demasiado e por vezes
deixa de pensar, as banalidades do quotidiano tais como os amaciadores de roupa
e nódoas, na poesia de Paulo Pego há lugar também para a condenação dos rótulos
dirigidos ao Outro, para as reflexões sobre o sentido da vida e para o amor,
que aparenta ser a pedra mais firme de todo o livro, oferecendo uma determinada
segurança ao homem perdido à procura da felicidade e afirmação, enquanto ser e
enquanto poeta.
Tal como a colectânea anterior, o Livro das pedras não é de uma leitura
fácil e superficial, procurando demonstrar ao mesmo tempo a impenetrabilidade
do mundo e do universo interior do homem, a firmeza que procura na sua vida e a
vulnerabilidade que não permite ostentar.
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