Bem-vindos ao meu mundo de imaginação. literatura, cinema, fotografia, tradução de poesia e conheçam contos da minha autoria
PEGO, Paulo (2013), A
Lógica dos Corais, Orfeu, Bruxelas, 79.pp
Experimentar
com palavras, viajar por espaços e tempos, reflectir a posição do indivíduo no
mundo (a preocupação do homem contemporâneo, sufocado na rotina e na banalidade
do quotidiano à procura de um sentido da vida: Deus? Amor? Relações
Interpessoais?), (re)pensar o processo da criação literária, e sobretudo
poética, combinar as cores das imagens que impregnam os seus versos com a
interessante parte gráfica (posição, tamanho e forma das letras) caracterizam a
poesia de Paulo Pego, que de forma alguma pode ser de uma leitura fácil ou
unívoca. Estes poemas, verso após verso e página após página convidam o leitor
a reflectir, a conquistar as ideias e expressões, à primeira vista talvez herméticas
ou inacessíveis, para, após um olhar mais profundo, se tornarem mais próximos e
familiares, mais legíveis e mais interiorizáveis, mais fáceis e compreensíveis,
mais em conformidade com a sensibilidade e personalidade do autor.
Começando
pela análise da imagem da capa, um desenho bastante original a carvão e lápis
de cor, realizado por Maria Leal da Costa, nota-se a luta da vida, representada
numa folha que se movimenta, saindo de um vazo cinzento e neutro, observado por
uma lâmpada (evocando elementos do escritório em que o homem moderno passa a
maior parte do dia-a-dia) contra a
monotonia do absurdo quotidiano.
Uma
colectânea em que pairam as aparições, as recordações, os pequenos relâmpagos e
cortes de um livro de viagens, alternando-se com as imagens do homem perdido,
os seus temores do envelhecimento, da incomunicação, do isolamento. A Poesia de
Paulo Pego dialoga com autores (Pessoa, Carlos Drumond de Andrade Dulce Maria
Cardoso, talvez até certo ponto com
Gonçalo M. Tavares e Jorge Luis Borges), inspirando se em textos conhecidos,
recriando-os e relembrando constantemente a inquietação do poeta por encontrar
e afirmar a sua própria voz e expressão lírica, sem cair, porém, em
estereótipos e lugares comuns…
Lugares…
reais e ficcionais, sonhados e imaginados, visitados e revisitados: Sicília,
Siracusa, Lisboa, os seus miradouros, cafés, restaurantes, carros de gelados, balcões,
Sintra, São Petersburgo, Bruxelas, Viena, Dubrovnik, Turquia, Índia, cidades
sem nome (apenas numeradas), Barcelos (referência às raízes e à identidade, “Eu
Árvore”, sendo porém essa árvore “sempre inclinada para Esteiro)… Lugares
utópicos, heterotópicos e distópicos simbolizam a procura, o desejo simultâneo
de continuar a fluir como o rio, a tremer como os nervos, a ser um eterno
peregrino, e de uma necessidade de
encontrar um ponto, uma pedra, um sítio estável e seguro.
Desde
o próprio título, a cor vermelha domina através dos corais, vinho, paixão,
explosão de napalm, prazer, sangue,
as feridas operadas sem
anestesia, granadas, paletas, fósforos,
queimar, rubor, amor, calor, carne, romã, paisagens indianas, boca, sexo,
cerejas. Entre outras cores mencionam-se apenas esporadicamente o verde, o
branco, o azul, o negro e o cinza, mostrando, desta forma a vitalidade dos
poemas e a força irresistível com que o poeta se opõe à monotonia da
burocracia, ao sufoco das regras absurdas, isolamento, cânones incompreensíveis.
Questionando
as regras, o poeta parece revoltar-se contra a ortografia em vigor, colocando
partes de palavras entre parêntesis, pondo um ponto no meio da palavra
(semi.tudo) ou no início da frase (.namorados), desrespeitando as maiúsculas e
minúsculas, os signos de pontuação e por vezes a ordem das palavras, o poeta
parece advogar a liberdade de expressão e a independência da palavra poética em
relação às outras criações literárias. Com um vocabulário elaborado, um
trabalho linguístico precioso, um estilo peculiar, o poeta provavelmente
pretende não apenas pôr de manifesto a riqueza e variedade da língua
portuguesa, como também deseja apurar e refinar o gosto do leitor pelo
sofisticado e pelo sublime. Mesmo falando em sucatas, em assuntos banais como
as bolachas que de devem vender em determinado tipo de lojas, em caixas de
correio, carros de gelado, sente-se neste livro uma aspiração ao superior, ao
absoluto, ao celestial. Mesmo num mundo cada vez mais globalizado, isolado, em
que as pessoas se cruzam, ninguém se cumprimenta, as relações interpessoais são
frouxas e superficiais, existe sempre uma esperança no Natal, nas águas
baptismais, no crisma e num deus (curiosamente escrito com minúscula), que dá
um sentido mais alto à vida humana.
Entre
a arte comprometida e a poesia pela poesia, A
Lógica dos Corais parece reivindicar a urgência da beleza da vida, expressa
nas viagens e na criação e a necessidade do amor como sentido do percurso
humano.
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