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lunes, 24 de septiembre de 2012

 

olhando pela árvore

 

arvore a abraçar e luzes a com


 

magia das fotografias desfocadas (da minha autoria)




martes, 18 de septiembre de 2012

Édipo revisitado

Sófocles, (2009) Rei Édipo, Edições 70, Lisboa, 157 pp.

Muito mais do que uma recepção literária do célebre mito clássico sobre o governador da cidade de Tebas que matou o seu pai e casou-se com a sua mãe,o "Rei Édipo" de Sófocles coloca perante o público  a problemática da posição do indivíduo no mundo, a sua insignificância face ao destino e à vontade dos deuses, debruçando-se também sobre a transitoriedade do poder e da glória humana, a tragédia que surge por causa da inevitabilidade do cumprimento do oráculo, a culpa e a tentativa da justificação do erro cometido.
Embora hoje em dia o nome de Édipo se relacione muitas vezes com a vertente freudiana da psicanálise e com o fenómeno do "complexo de Édipo", esta personagem não é apenas um vulgar parricida que mantém uma relação incestosa com a  mãe, apresentada nesta obra com toda a complexidade da sua personalidade, com toda a justiça com que governa na cidadede Tebas, com todas as suas dúvidas e com todas as suas reflexões, que fazem com que ele não seja um herói perfeito e que ajudam a que se vejam melhor a sua vertente humana e a sua grandeza e miséria interiores.
Esta obra tem também uma grande força didáctica, ensinando-nos que "é que eu entendo,que o mal, se encontra um caminho justo, pode transformar-se num bem completo".Estaspalavras, ditas pela boca de Creonte, têm um efeito quase cristão, porque deixam sempre aberta a possibilidade da redenção e da correcção do mal.
Revelando uma grande saabedoria  sobre a transitoriedade dos bens terrenos e do lado negativo do poder,da glória e da riqueza, e do prestígio entre os homens, Édipo dirige-se a todos nós apelando á nossa consciência: "ó, riqueza, ó, poder, ó sabedoria acima do comum,nesta vida por cobiças agitada, como é grande a inveja que vos espreita".Nestacitação vê-se que Édipo recomenda um maior auto-conhecimento a todos os homens,implicando a ideia de que a modéstia e simplicidade do coração não fomentarão sentimentos mesquinhos nas almas humanas. O protagonista do drama reconhece também as tentações perante as quais se encontram os governantes e os poderosos, recomendando desta forma muita prudência e sabedoria ao assumir algum cargo na sociedade.
"Repelir um amigo honesto,entendo eu que éo mesmo que desperdiçar a própria vida que em cima de tudo nos é cara. Só o tempomostraa justiça de um homem, a sua perfídia basta um dia para a conheceres (p.94) Estas afirmações de Creonte são apenas algumas das grandes verdades sobre a condição humana, os seus vícios e virtudes que são verificáveis no tempo e que não permitem que se tirem conclusões precipitadas sobre ninguém. A importância da amizade, comparada com a da própria vida nesta obra é também uma das constantes do mundo cla´ssico, colocando a honestidade e a proximidade do outro ser humano  e nós num patamar muito alto. Trair esta ideia conduz ao sentimento trágico da vida humana e à sua profunda infelicidade.
" Assim, aos olhos dos mortais que esperam ver o dia derradeiro, ninguém pareça ser feliz, até ultrapassar o termo da vida,isentoda dor" (p.151).O que o coro anuncianeste fragmento do texto dramático é a transitoriedade da felicidade do indivíduo, dos seus méritos,das suas culpas, do seu heroísmo  ouda sua miséria, sendo todas estas características insignificantes perante a grandezadaeternidade eainevitabilidadedamorte.
Com uma apresentação crítica da apreciação do mito, da obra, das personagens e sobretudo de Édipo, com uma bibliografiaselecta e notas esclarecedoras, estaedição é de uma grande ajuda aos estudantes e aos que desejam aprofundar os seus conhecimentos da cultura clássica, fazendo com que se recupere e rehabilite um pouco a imagem deste grande herói trágico do mundo grego, sem secair na banalidade daenfatização da sua relação amorosa com a mãe, que foi apenas uma das razões da sua queda.



































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lições de amor, crítica de um livro russo

Игумен Макарий (Маркиш) (2008) Уроки любви, Данилов мужской манастир, Даниловский благовестник, Москва, 293 стр.
Не все уроки должны наводить учеников на скуку. Не все знания которые мы усваиваем нам нужны  для отметки в школе. Не всё что мы изучаем можно выучить иѕ книг- Вот с любовию именно так и получается, основное „образование“ по этом самом важном предмете в жизни мы должны получить в семье е из нашего жизненного опита, а эта книга, „Уроки любви“, написана очень простим языком, понятним для молодежи, объясняет в чем влюбленность оличается от любви, как и по чему нелзя „взять все от жизни“, почему нада подождать с началом интимной близости до брака и обсуждает другие интересные и важные вопросы на тему любви.
 В этой книге тоже реч идет о страстях, о „свободной любви“, „безопасном сексе“, „браке без венчания в церкви или без регистрации в ЗАГС-е и многих других искушениях современной эпохи е о том как нада вестись чтобы  человек нашел свое счастье и одну Богом данную и благословенную любовь.
 „Уроки любви“ говорят нам что венчание  это непросто „печать в пасспорте“  и что брак не становится могилой любви, а что то действительно „дорога в небо“ и что „путь к счастию непрост и требует немалыџ усилий. Для православных християн любовь, брак и семья представляют  большой крест и свободную жертву, борьбу со своим эгоизмом и гордостю которая ведет ко смирению и настоящей и полноценной воможности полюбить  мужа или жену и спасаться вместе.
 В этих шестнадцать уроков и маленком приложении автора о себе, содержанные многие важные лекции для жизни каждого человека, а говорится тоже и о православии как о культуры  и религии любви и в этом оно отличается от всех осталных культур и религий в мире.

lunes, 17 de septiembre de 2012

A Sina por Anamarija Marinovic

A Sina
- Anda cá, linda menina. Anda cá meu amor!- chamava-me e acenava-me uma cigana, uma senhora idosa daquelas sempre vestidas de preto com lenços na cabeça que fazem lembrar as avós sérvias quando estão de luto, uma  daquelas que sempre passeiam pela zona da Alameda, por Belém ou à volta do Parque Eduardo VII. Uma  das que há já seis anos me viu  apanhar o autocarro que levava os turistas para o aeroporto, e a carregar uma mala grande, podendo prever que iria viajar para longe.  Claro, com uma mala daquele tamanho não ia à Sintra, com certeza.
- Mas eu não preciso em de óculos de sol, nem de malas, e além disso, estou com muita pressa.
- Anda, cá, coração! Anda ler a sina, amor!
- Desculpe, eu não acredito em sinas e estou mesmo com pressa.
-Anda cá, acredita, que é verdade, minha linda!
Não sei que magias terá usado a senhora, para não me deixar passar e para começar a demonstrar-me as suas artes e sabedorias ancestrais e bem praticadas.
- Tu és uma pessoa muito justa e certinha e direitinha, meu amor. E tens sofrido muito na tua vida.
Tendo-me revelado uma verdade irrefutável, daquelas que a avozinha deverá ter repetido no mínimo quarenta e três vezes a toda a gente naquela manhã, mudando apenas a palavra "menina" por "senhora" e o "tu" por "você". Fiquei convencida de que tinha na minha frente uma sábia muito desocupada, que à moda antiga, apelava à vaidade de cada um, contando-lhe aquilo que gostava de ouvir. Embora nunca tenha conhecido uma pessoa que se considere injusta ou que não tenha sido um grande sofredor e vencedor no percurso da sua vida, esta é sempre uma táctica boa para as ciganas, magas, leitoras da palma da mão ou outras comunicadoras com o Além, se aproximarem das pessoas e que, sem se darem conta, lhes extraírem a informação útil, a partir da qual vão construindo a sua narrativa acerca do passado e do futuro de quem têm na sua frente.
- Desculpe, senhora, estou com pressa, tenho que ir. E não respondi nada em relação ao primeiro comentário da senhora de preto e de olhos curiosos, que andavam à cata de alguma particularidade minha.
- Há uma mulher mais velha na tua família chamada Maria, do lado do teu pai que te rogou uma praga.
(Quem não tem uma mulher mais velha na família do lado paterno? Se não uma avó, então uma tia, uma parente qualquer e, para além disso, o nome de Maria era o mais seguro para aparecer na conversa, porque estamos na Europa cristã e as gerações antigas eram, pelo que parece, muito mais religiosas e muito mais respeitadoras dos calendários e nomes de santos). Na minha família, do lado do pai, andaram por aí umas quantas Marias, mas não me consta que nenhuma me tenha rogado pragas, bênçãos, palavrões ou terminologia carinhosa e adocicada, porque quando eu nasci ou eram demasiado velhas ou estavam mortas e enterradas há muito tempo).
- E essa praga que te foi rogada, faz com que o teu corpo suporte muitas dores, que tu não mereces, minha menina de alminha boa e pura.
Se  ela esperava que eu agora fosse cultivar toda a raiva no coração contra essa tal Maria que supostamente me mal-fadou na hora do meu nascimento, pois não o vou fazer, porque não vou dar o gosto à senhora que me pretende interrogar na rua, porque não sou amargada e aliás,  na medicina não consta que o nascimento prematuro seja uma maldição ou praga, nem sequer é encarado como doença. É um fenómeno que acontece às vezes e acabou. O que, porém, se há confirmado na vida real é que as crianças que nasceram antes dos nove meses são muito esforçadas, curiosas e que têm um grande dom para os estudos e trabalhos intelectuais, já que não estão muito viradas para os desportos. Se isso é um estigma, não sei, há momentos em que o é, sobretudo quando temos de carregar nas nossas costas muitos parasitas que não querem estudar, quando nos deparamos com comentários estúpidos e fora do lugar, mas nascer prematuro não causa extremas dores no corpo. Que eu saiba. Pelo menos nem sempre. Para além disso, quando um órgão nos dói, a questão fulcral não é de modo nenhum a de mérito ou culpa, de prémio ou castigo. Trata-se simplesmente de um indício de que essa específica parte do corpo precisa de atenção. 
À avozinha vestida de negro bastou-lhe se calhar reparar na minha forma de andar, que não é particularmente bonita, e que, de facto algumas vezes me causa algumas dores, mas a quem é que não lhe doem as pernas depois de caminhar durante muito tempo num sábado de manhã?
- Desculpe, já estou atrasada, tenho que ir mesmo.
 Como viu que a história da velha Maria do lado paterno da minha família não me entusiasmou muito para uma conversa posterior e mais profunda, começou a enrolar a sua narrativa de forma a ter um fio condutor e a parecer minimamente estruturada e passada a  limpo.
- Mas as dores vão passar, porque tu és uma alma boa e Deus Nosso Senhor não te vai abandonar.
Claro, esta é outra estratégia que mulheres destas usam: recorrem a Deus à Virgem Maria ou aos santos para dar o ar de que a sua arte não é bruxaria, magia negra ou qualquer ciência oculta que assusta as pessoas. Em segundo lugar, querem salientar que elas são tão boas, sublimes e avançadas na sua vida espiritual, que conseguem descodificar em qualquer momento a vontade Divina para cada um de nós, o que não é mais que um sinal de pura vaidade. Pobrezinhas, espero que se arrependam algum dia. Por último, referindo estas palavras, o que pretendem é seduzir-nos com a ideia de que nós somos os escolhidos por Deus para realizar uma determinada acção e que elas foram as mensageiras eleitas. Quem tem uma mínima noção do cristianismo, ou  um  grau básico de auto-conhecimento, saberá que cada pessoa é específica e que todas as vidas têm a sua razão de ser, mas pensar que Deus em pessoa  nos vai revelar os seus planos pela boca terrena de alguém, seria apenas o sinal da nossa soberba escondida, que não é por acaso  considerada o primeiro dos sete pecados mortais.
- Deixe Deus tranquilo, Ele não abandona ninguém, e deixe-me passar a mim, que estou com pressa.
- Deus não te vai abandonar e tu vais ser muito feliz- continuou a velhinha de preto, com a sua sabedoria antiga e inúmeras vezes verificada ao longo desta conversa.
- Muito bem, mas eu tenho mesmo que ir...
- E tu vais ser muito feliz tanto na tua carreira como na vida pessoal.
(Claro, se desenvolve as suas capacidades só de um lado, uma pessoa geralmente sente que lhe falta algo para completar a sua imagem perfeita de felicidade, embora conheça pessoas que são felizes como donas de casa e mães de famílias numerosas, ou como grandes académicas sem marido e filhos. Isto depende do ângulo pelo qual cada um observa a felicidade e são opções que não há que discutir em absoluto. Mas fica sempre bem dizer a alguém que se vai realizar e aperfeiçoar nas duas esferas, porque assim engorda o seu orgulho e a ideia de "tu és esepecial e capaz de tudo e por isso tens que ouvir o que eu te vou dizendo").
- Sim, vejo-te aqui uma cruz. Vais casar pela igreja. (Para me revelar essa grande profecia, a senhora de vestido negro e lenço da mesma cor deverá ter  reparado na pequena cruz de prata que tinha e tenho no meu pescoço, ou deverá simplesmente ter querido continuar a sua santa e boa conversa que manteve até ao momento).
- E vais casar pela igreja com o rapaz que amas.
(Já passaram séculos desde que os pais obrigavam os filhos a casarem-se contra a  vontade, e como não sou interesseira, casar por outro motivo que não o amor, não me passa nem pelo sonho mais surreal).
 E tu amas muito esse rapaz, mas ele agora não te corresponde, e tu estás a sofrer bastante, meu coração, mas tudo isso é neste momento, depois vai estar tudo bem e Deus vai vos juntar e no fim vão casar e...
(... e vamos comer perdizes e viver felizes para sempre, pensei eu sem me poder livrar de tanto palavreado sábio num sábado de manhã. E  para além disso, qual é a rapariga que no fundo da sua alma não deseja casar numa igreja branca ou num digno registo civil, conforme as suas convicções, indo de mãos dadas com o seu escolhido em direcção à uma nova vida. E qual é o ser humano que não tenha sofrido o seu mal de amores desejando que se resolva da melhor forma?)
A cigana até me disse as letras iniciais do nome do meu futuro esposo (umas quatro letras quaisquer, das que nem sequer me lembro, e além de mais, por que têm que ser quatro? Porque estamos em Portugal e porque a maioria dos rapazes tem dois nomes e dois apelidos? Por que é que estando em Portugal não me poderia casar com um imigrante da Europa do Leste, que tem um nome e herdou o apelido do pai? Ou com um italiano, um inglês um alemão, com apenas um nome e um apelido nos seus documentos de identificação, que Lisboa está cheia deles e que também conheço alguns...? Mas, mais uma vez, era o mais seguro sendo as letras do alfabeto citadas  muito comuns, não me recordo exactamente quais, mas tenho a certeza de que não eram nem um "K", nem "Y", nem  "W" nem "Q".  Vejamos então:. Não me vou casar, por tanto, com um Karl, nem com um Yuri, nem com um William, e o seu apelido certamente não será Quiroga. Muito bem, já é alguma pista, e para culminar, em Portugal não há muitos rapazes com estes nomes, pois não?
- E vais querer ter filhos com ele, coração.
(Pois, quando uma pessoa se casa, as tarefas reprodutivas, fazem parte da convivência, são uma dádiva divina, ou como quer que o entendamos, mas quem não quer ter família com o seu parceiro namora só, nem é preciso casar... sobretudo hoje em dia em que estão em voga variedades e variedades de tipos de relacionamentos amorosos e afirma-se que a família está em crise. Palavra um pouco gasta ultimamente, essa crise, não é? Ouve-se por todo lado e mais algum, aparentemente sem ter solução possível, mas não é disso que estou a falar agora. E, ainda por cima, estou com pressa, esqueci-me do telemóvel em casa  a Susana está à minha espera no Starbucks.)
- E vais ter três filhos, uma menina e dois meninos e vão ser muito bonitos eles, como tu, meu coração, e como o teu marido.
(Desde que o mundo é mundo não houve uma mãe que tivesse filhos feios, observados da sua perspectiva, e como o pai e a mãe participam no processo da elaboração de um bebé, é óbvio que vai herdar as características dos dois progenitores. Verdade seja dita, esta sabedoria de uma manhã de sábado iluminou-me bastante, deverei transmiti-la à Susana, quando chegar, porque me verá diferente e mais esclarecida no conhecimento e quererá saber o que me tinha acontecido).
- E vais ser muito rica e conhecida também, meu amor.
(Protegida por Deus, realizada profissional e pessoalmente, casada pela igreja com o rapaz que amo, com os três filhos bonitos, e ainda rica e famosa, tudo isto a caber numa vida real... poderá ser até, não tenho nada contra, mas agora a única coisa que sei é que a Susana deverá estar preocupada com o meu atraso...)
- E agora, minha linda filha, dá-me cinquenta euros para te limpar a má sina da mão.
-Realmente, a sabedoria das avozinhas de negro não tem fim.

domingo, 16 de septiembre de 2012

Pergunta retórica por Anamarija Marinovic

Pergunta retórica

 Da primeira vez que visitei Vila Viçosa, não a apreciei na sua plenitude. Não o digo pela localidade em si, mas porque isso simplesmente acontece sempre que os investigadores nos dirigimos a uma outra cidade para assistirmos a um seminário, conferência, colóquio, congresso ou qualquer outro evento de carácter científico que indubitavelmente enriquece os nossos conhecimentos, acrescenta algum aspecto novo às nossas experiências pessoais e profissionais, preenche um pouco a nossa agenda de contactos ou até pode servir como mais um ponto no nosso curriculum académico.
Quem diz Vila Viçosa, certamente como uma das primeiras associações que terá na sua mente será a figura elogiada e cuspida ao mesmo tempo de Florbela Espanca. Exactamente. Nem mais.
Foi ali que ouvi muitas excelentes comunicações e que também apresentei a minha perspectiva do amor e do medo nos versos desta poetisa eleita, uma das mais conceituadas no meu panteão literário. Foi ali também que vi o senhor Manuel.
Confesso que sou péssima em recordar rostos das pessoas, mas a sua cara de facto não me era estranha. Nomes, datas de nascimento, profissões, características, e tudo aquilo que cabe no domínio audível e verbalmente registável não me escapa, e modéstia à parte, posso dizer quee nisso sou imbatível. Por isso tenho a certeza de ter ouvido o seu nome e apelido nalgum lado. Só que no seu momento não o consegui conjugar com a sua cara. devido à minha vista operada ou à minha cabeça despistada, não sei e também tanto faz.
O senhor Manuel er uma pessoa de voz indefinível e rosto inclassificável (cuja única característica específica era um problema de visão). Nem tinha reparado nisso, e só o menciono porque foi ele próprio a sublinhá-lo e salientá-lo inúmeras vezes. ouvi esse pormenor e fiz as orelhas moucas.
Foi este mesmo senhor,segundo me recordei um pouco mais tarde, um frequentador regular da Biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa e um dos amigos de Vila Viçosa, que se encarregou de levar a mim e mais alguns colegas congressistas à missa da festa da Nossa Senhora da Imaculada Conceição e à típica procissão que todos os anos nesse dia decorre na Vila.
Não sou católica, mas decidi ir, por respeito às tradições e para conhecer e sentir melhor alguns aspectos importantes da cultura portuguesa. Após a cerimónia religiosa, caminhei durante algum tempo juntamente com outros calipolenses respeitadores deste ritual sagrado, observando os costumes e tentando mergulhar um pouco no univrso  florbeliano, embora, verdade seja dita, não me pareça que ele tenha sido particularmente devota.
- Por que é que tu andas assim? sobressaltou-me dos meus pensamentos a voz do senhor Manuel,  acentuando a última palavra da pergunta com uma curiosidade estranha pintada com uma pincelada de veneno e outra de malícia.
(Que eu saiba, nem na chamada para trabalhos que nos foi dirigida, nem na folha de estilo para a formatação dos artigos, nem na extensa correspondência que troquei com os membros da Comissão Organizadora do evento, constava que para se apresentar uma comunicação sobre Florbela Espanca andar como uma modelo mundialmente reconhecida era um requisito obrigatório). Tentei apreciar mais este cantinho do mundo pelo qual a célebre poeta andou perdida sem norte, amando este, aquel, o outro e toda a gente, procurando afogar as suas mágoas na constante busca do seu Prince Charmant, fiz de conta que não tinha ouvido a pergunta.
-Tu tiveste um acidente ou nasceste assim?- insistia a voz do senhor Manuel, pondo novamente a ênfase (e um determinado desprezo) no "assim".
Como julgo que o seu reparo não foi propriamente a coisa mais agradável de se ouvir, sobretudo no meio de muitos outros colegas congressistas, calipolenses por natureza ou por convicção e florbelianos convencidos e como as meninas boas não choram em público (segundo fui ensinada desde que tenho consciência de mim), respirei fundo, esperei que se juntassem mais pessoas e pronunciei as seguintes palavras, que talvez agradassem a própria Florbela muito mais que a minha comunicação:
- E o senhor é tão mal-educado sempre ou só tem ataques no dia oito de Dezembro?

Resposta por Anamarija Marinovic

Resposta
- Sabes algo dele?
-De quem?-franzi eu o cenho bebericando o meu cappuccino (com muita espuma e um pouco de canela, tal como eu gosto) e mastigando um pouco de pastel de nata (queimadinho, quente e com canela tal como eu gosto) tentando resolver o enigma da pergunta.
- Como que de quem, dele, pois. Do tipo.
- Mas, de quem?
-Ó, pá, deixa-te de conversas. Do rapaz, recorda-me lá o seu nome... Daquele de quem tu passas a vida a falar, daquele com quem sonhas, quem te faz fantasiar e com quem não tens hipótese nenhuma. Do teu "príncipe encantado"?
O rosto do meu interlocutor deformava-se em caretas de um pseudointelectual beato que despreza todo tipo de romantismos, sentimentalismos ou idealismos como se se tratasse de uma espuma adocicada, pegajosa e nojenta que se acumula na superfície do palavreado de uma telenovela barata de má qualidade, ou pior ainda, como se o que está em questão fossem aqueles termos feios e compridos que nos ameaçam desde as páginas dos capítulos das histórias da literatura dedicados às tendências vanguardistas.
- Ah, sim- respondi eu entre um gole do cappucino e uma dentada do pastel de nata, com a mesma neutralidade da voz de quem constata que as cores do Sporting são o o verde e o branco, que Pessoa escreveu a "Mensagem" ou que Lisboa é a capital de Portugal.
- Sabes o quê, então?- continuou o meu interlocutor a buzinar no meu ouvido chocalhando com toda a ironia de quem faz um tremendo esforço por aplicar o significado da palavra "amizade" na prática. (ter-se-á deparado com este conceito teórico num dicionário velho e cheio de pó sem o ter conseguido descodificar na vida real. certamente que por isso é tão resmungão. 'Tadinho).
- Sei. Sei que o amo- respondi eu deixando que o sabor do cappucino e do pastel de nata me enchessem a boca com a mesma intensidade e prazer com que as coreografias mais belas dançadas pelas vibrações emocionais me enchem o coração e a alma.
 Silêncio. Silêncio denso e tenso. Silêncio profundo. Silêncio absoluto.