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viernes, 4 de octubre de 2013

Uma palavra bonita abre as portas de ferro por Anamarija Marinovic

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...

Uma palavra bonita abre as portas de ferro
(provérbio popular sérvio)

 Se imaginam a figura do professor como uma cara feia e sempre séria que está ali para vos amargar a vida com coisas que não interessam a ninguém e que pensa apenas em receber o seu ordenado no fim do mês, estão muito enganados. Apresento-vos a Ana, professora de inglês que tem uma história para vos contar:
Como a maioria dos vossos pais, a Ana não é portuguesa de nascença ou de origem. Nasceu e cresceu na Sérvia, uma terra bonita, que fica longe, muito longe daqui,  no Sudeste da Europa.
- Sérvia? O que é isso? Selva? Sibéria?- ouvia ela algumas vezes vozes num tom de gozo. Sabendo que as ideias negativas se geram da ignorância, não levava a mal e respondia:
-Sim, a Sérvia, aquele pais que tem um escritor que venceu o Prémio Nobel, e aquele país que tem o melhor jogador de ténis no mundo e mais ainda o país que tem muitos mosteiros na lista da UNESCO.
Quantas vezes, meus meninos, ouviram alguém a expressar-se mal das vossas terras, do vosso sotaque, das vossas raízes? Eu sei que isso dói, que é triste, que magoa, mas não respondam com insultos, agressividade nem lágrimas. Encontrem uma forma inteligente de esses comentários não vos atingirem: digam aquilo que é belo nas vossas terras, porque cada país tem a sua história, natureza, encanto únicos, mas o que mais vale em cada terra são as pessoas que lá nasceram e que são oriundas de lá. Dou-vos uma tarefa: olhem para dentro dos vossos corações e descubram quanto amor e amizade lá estão, precisamente porque vocês fazem a diferença.  E disso devem ter orgulho, não vergonha. Justamente como a Professora Ana.
 A Ana sabe também que a maioria de vocês provem de famílias humildes, mas este é apenas mais um ponto que ela tem em comum convosco: ela também não é rica, o pai dela é jornalista, a mãe dona de casa, nem sempre tinha tudo o que queria, e ainda bem! Os que têm sempre o que querem costumam ser mimados e egoístas, porque não valorizam o esforço dos outros. Em vez das riquezas materiais,  tem uma família unida, uns pais maravilhosos e um irmão e uma irmã absolutamente insubstituíveis: carinhosos, persistentes, atenciosos com ela e eles são o seu maior tesouro.
- O meu pai é chato! A minha mãe é muito dura comigo! Não gosto nada deles e eles também não gostam de mim!- ouvia a Ana algumas vozes a refilarem.
-Não, não é verdade- respondia ela. Esse pai chato e essa mãe dura trabalham e sacrificam-se muito para vos darem um futuro melhor. Por vezes apenas não sabem encontrar a palavra certa ou o gesto mais adequado, mas tenho a certeza que amor por vocês não lhes falta e que morreriam de preocupação se vos acontecesse alguma coisa má. E vocês têm que dar valor a isso.
A Ana tem a sua família longe, tem saudades, naturalmente, por vezes fica triste, mas basta o seu pai dar-lhe um toque no telemóvel como quem diz: "Olá, filhota, estou aqui a pensar em ti", para o seu coração sentir o grande carinho que atravessa as fronteiras e enche a sua alma..
Apoiada pelos pais e irmãos, a Ana estudou sempre muito, porque durante toda a vida quis ser professora para poder transmitir e partilhar os seus conhecimentos. Nem sonhou que o seu desejo se faria real aqui em Portugal. A primeira escola em que trabalhou foi uma primária na zona das Olaias (linha vermelha do metro) em Lisboa. Quando lá chegou não sabia que se tratava de uma zona de má fama (pouco segura, não demasiado limpa e em que viviam pessoas desfavorecidas). Apenas ouvia advertências dos seus amigos e colegas da faculdade:
- Ai, Deus me livre! Vais trabalhar ali? Que horror! E ainda por cima com aqueles meninos complicados, problemáticos, barulhentos...? Aquelas gerações perdidas que nunca vão dar em nada?
- Vou e então? - respondia a Ana toda confiante- As crianças são crianças em todo lado. Todas têm o mesmo direito de serem educadas e ensinadas. Ponto final. Acabou.
Mais tarde, quando começou a trabalhar na Amadora, nos seus ouvidos ressoavam os mesmos comentários e ela dava exactamente as mesmas respostas. Nos seus locais de trabalho nem sempre tudo era um mar de rosas: não o diz nem pela comunicação com os colegas, nem com a coordenação das escolas, mas justamente por causa de alguns alunos. Custava-lhe muito descobrir que algumas das crianças reparavam logo nos seus defeitos físicos (um problema na vista e outro na sua forma de andar). Isso abalava-a e deixava-a triste, interrogando-se se foi para isso que se formou e se valia a pena continuar (não por a terem imitado ou gozado com ela, porque ela assumia o seu corpo como tal e porque desde sempre aprendeu a esforçar-se e a transformar as suas limitações em vantagens. O que lhe doía eram as palavras graves pronunciadas pelas bocas das crianças, que ela sempre considerava puras e inocentes. Um velho ditado popular da sua terra diz muito bem que a má ferida sara, e a má palavra não, isto é: as dores físicas aguentam-se mais facilmente, as mágoas exigem mais tempo. Sabia muito bem que nesses momentos o pequeno Diabo do seu ombro esquerdo metia na sua mente esses questionamentos para o seu Anjo da Guarda, comodamente sentado no seu ombro direito lhe dar coragem e animá-la na sua missão de Professora com "p" maiúsculo.
 A Ana nasceu prematura, teve quatro cirurgias dos dois olhos, mas ela é uma pessoa profundamente feliz: ela vê e aprecia a beleza das coisas, enquanto há tanta gente cega por este mundo fora. E ainda mais: leu e estudou tudo o que podia, o que lhe permitiu ter muito sucesso na universidade e a ser uma das melhores alunas. Isso mesmo! Nasceu também com um problemazinho nas pernas, que ainda hoje não sabe exactamente o que é, mas ela anda, e faz caminhadas e sobe e desce as escadas e consegue estar muito tempo levantada. Em criança até chegou a jogar futebol com os rapazes, já se envergonhou de algumas intervenções desastradas,  como já se orgulhou de algumas grandes defesas (incluindo alguns penaltis). Hoje em dia não lhe custa nada fazer uma subida enorme a pé (desde a estação de comboios da Amadora até à escola onde está a trabalhar agora porque não há obstáculos que a possam separar das crianças lindas desejosas de saber mais. Não se sente como vítima, não precisa da vossa compaixão, nem guarda rancor a ninguém. Aconteceu com ela como podia ter acontecido com qualquer pessoa. Mas felizmente ela pode andar. Está a dizer-vos tudo isto porque na primeira escola em que trabalhou, naquela da zona das Olaias, uma vez teve que enfrentar uma situação desagradável: um aluno queria empurrá-la pela escada abaixo, gozando com a sua forma de andar.
- Então, não queres dar-me a mão para eu descer as escadas?- perguntou-lhe a Professora Ana.
Silêncio absoluto. Ao ver um rubor de quem fica com vergonha e os olhos cheios de lágrimas do menino, ela esperou mais alguns instantes e estendeu-lhe a mão. De mãos dadas desceram as escadas.
- Tenha cuidado com o degrau, Professora. Só  mais um, pronto. Já está - dizia-lhe o menino com cara de preocupação.
 Obviamente ela poda tê-lo feito sozinha, podia ter escrito uma participação, ralhar com o rapazito, mas não o fez. Queria que ele se sentisse útil, responsável e que descobrisse a sensação bonita de ser louvado porque alguém nos agradece uma bondade.
 Na terra da Ana o final do ano lectivo era sempre um sinal de alegria para os melhores alunos, porque além da caderneta com as notas e muitos elogios na presença dos pais, eles levavam para casa livros belíssimos, assinados pelos seus professores. Ainda se lembra dessas ocasiões que a tornaram em leitora ávida. Sendo muito respeitadora das tradições, resolveu implementar algumas delas nas escolas portuguesas, com uma minúscula mudança: decidiu comprar um livro para cada um dos seus alunos, independentemente do nível dos seus conhecimentos ou do grau de (in) disciplina. Sabia ela que essa podia ser uma jangada de pedra que ajudasse as crianças de meios familiares e sociais desfavorecidos a levantarem-se e a remarem contra a maré. Não é por acaso que na sua cultura se diz que uma palavra bonita abre as portas de ferro.
- Livros? Que seca! A escola não presta para nada! Vou pôr no lixo!- disse um aluno revoltado.
- Se quiseres deitar o livro fora, força. O caixote está aqui- disse a Professora Ana com a voz extremamente calma.
Ao abrir a prenda e ver uma dedicatória personalizada com o seu nome, a letra da Professora e tudo como devia ser, não imaginam a expressão de alegria no rosto do pequeno leitor ainda não muito experiente.
- Obrigado... Thank you, teacher.
- Será que me pareceu ou eu estou a ouvir por aqui algum inglês?- pensou a  Ana toda contente.
- Teacher...
-Yes?- respondeu ela voltando dos seus pensamentos para a realidade da sua sala de aula.
- You are a very good person. Thank you. Posso dar-lhe um abraço?
-Of course you can. -respondeu e controlou as lágrimas.
Com um sorriso do tamanho do mundo nos lábios e com a sensação de missão cumprida, a Professora Ana dirigiu-se ao portão da escola sabendo que o seu dia de trabalho tinha terminado e que no dia a seguir a esperavam outros desafios.




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