A Sina
- Anda cá, linda menina. Anda cá meu amor!- chamava-me e acenava-me uma cigana, uma senhora idosa daquelas sempre vestidas de preto com lenços na cabeça que fazem lembrar as avós sérvias quando estão de luto, uma daquelas que sempre passeiam pela zona da Alameda, por Belém ou à volta do Parque Eduardo VII. Uma das que há já seis anos me viu apanhar o autocarro que levava os turistas para o aeroporto, e a carregar uma mala grande, podendo prever que iria viajar para longe. Claro, com uma mala daquele tamanho não ia à Sintra, com certeza.
- Mas eu não preciso em de óculos de sol, nem de malas, e além disso, estou com muita pressa.
- Anda, cá, coração! Anda ler a sina, amor!
- Desculpe, eu não acredito em sinas e estou mesmo com pressa.
-Anda cá, acredita, que é verdade, minha linda!
Não sei que magias terá usado a senhora, para não me deixar passar e para começar a demonstrar-me as suas artes e sabedorias ancestrais e bem praticadas.
- Tu és uma pessoa muito justa e certinha e direitinha, meu amor. E tens sofrido muito na tua vida.
Tendo-me revelado uma verdade irrefutável, daquelas que a avozinha deverá ter repetido no mínimo quarenta e três vezes a toda a gente naquela manhã, mudando apenas a palavra "menina" por "senhora" e o "tu" por "você". Fiquei convencida de que tinha na minha frente uma sábia muito desocupada, que à moda antiga, apelava à vaidade de cada um, contando-lhe aquilo que gostava de ouvir. Embora nunca tenha conhecido uma pessoa que se considere injusta ou que não tenha sido um grande sofredor e vencedor no percurso da sua vida, esta é sempre uma táctica boa para as ciganas, magas, leitoras da palma da mão ou outras comunicadoras com o Além, se aproximarem das pessoas e que, sem se darem conta, lhes extraírem a informação útil, a partir da qual vão construindo a sua narrativa acerca do passado e do futuro de quem têm na sua frente.
- Desculpe, senhora, estou com pressa, tenho que ir. E não respondi nada em relação ao primeiro comentário da senhora de preto e de olhos curiosos, que andavam à cata de alguma particularidade minha.
- Há uma mulher mais velha na tua família chamada Maria, do lado do teu pai que te rogou uma praga.
(Quem não tem uma mulher mais velha na família do lado paterno? Se não uma avó, então uma tia, uma parente qualquer e, para além disso, o nome de Maria era o mais seguro para aparecer na conversa, porque estamos na Europa cristã e as gerações antigas eram, pelo que parece, muito mais religiosas e muito mais respeitadoras dos calendários e nomes de santos). Na minha família, do lado do pai, andaram por aí umas quantas Marias, mas não me consta que nenhuma me tenha rogado pragas, bênçãos, palavrões ou terminologia carinhosa e adocicada, porque quando eu nasci ou eram demasiado velhas ou estavam mortas e enterradas há muito tempo).
- E essa praga que te foi rogada, faz com que o teu corpo suporte muitas dores, que tu não mereces, minha menina de alminha boa e pura.
Se ela esperava que eu agora fosse cultivar toda a raiva no coração contra essa tal Maria que supostamente me mal-fadou na hora do meu nascimento, pois não o vou fazer, porque não vou dar o gosto à senhora que me pretende interrogar na rua, porque não sou amargada e aliás, na medicina não consta que o nascimento prematuro seja uma maldição ou praga, nem sequer é encarado como doença. É um fenómeno que acontece às vezes e acabou. O que, porém, se há confirmado na vida real é que as crianças que nasceram antes dos nove meses são muito esforçadas, curiosas e que têm um grande dom para os estudos e trabalhos intelectuais, já que não estão muito viradas para os desportos. Se isso é um estigma, não sei, há momentos em que o é, sobretudo quando temos de carregar nas nossas costas muitos parasitas que não querem estudar, quando nos deparamos com comentários estúpidos e fora do lugar, mas nascer prematuro não causa extremas dores no corpo. Que eu saiba. Pelo menos nem sempre. Para além disso, quando um órgão nos dói, a questão fulcral não é de modo nenhum a de mérito ou culpa, de prémio ou castigo. Trata-se simplesmente de um indício de que essa específica parte do corpo precisa de atenção.
À avozinha vestida de negro bastou-lhe se calhar reparar na minha forma de andar, que não é particularmente bonita, e que, de facto algumas vezes me causa algumas dores, mas a quem é que não lhe doem as pernas depois de caminhar durante muito tempo num sábado de manhã?
- Desculpe, já estou atrasada, tenho que ir mesmo.
Como viu que a história da velha Maria do lado paterno da minha família não me entusiasmou muito para uma conversa posterior e mais profunda, começou a enrolar a sua narrativa de forma a ter um fio condutor e a parecer minimamente estruturada e passada a limpo.
- Mas as dores vão passar, porque tu és uma alma boa e Deus Nosso Senhor não te vai abandonar.
Claro, esta é outra estratégia que mulheres destas usam: recorrem a Deus à Virgem Maria ou aos santos para dar o ar de que a sua arte não é bruxaria, magia negra ou qualquer ciência oculta que assusta as pessoas. Em segundo lugar, querem salientar que elas são tão boas, sublimes e avançadas na sua vida espiritual, que conseguem descodificar em qualquer momento a vontade Divina para cada um de nós, o que não é mais que um sinal de pura vaidade. Pobrezinhas, espero que se arrependam algum dia. Por último, referindo estas palavras, o que pretendem é seduzir-nos com a ideia de que nós somos os escolhidos por Deus para realizar uma determinada acção e que elas foram as mensageiras eleitas. Quem tem uma mínima noção do cristianismo, ou um grau básico de auto-conhecimento, saberá que cada pessoa é específica e que todas as vidas têm a sua razão de ser, mas pensar que Deus em pessoa nos vai revelar os seus planos pela boca terrena de alguém, seria apenas o sinal da nossa soberba escondida, que não é por acaso considerada o primeiro dos sete pecados mortais.
- Deixe Deus tranquilo, Ele não abandona ninguém, e deixe-me passar a mim, que estou com pressa.
- Deus não te vai abandonar e tu vais ser muito feliz- continuou a velhinha de preto, com a sua sabedoria antiga e inúmeras vezes verificada ao longo desta conversa.
- Muito bem, mas eu tenho mesmo que ir...
- E tu vais ser muito feliz tanto na tua carreira como na vida pessoal.
(Claro, se desenvolve as suas capacidades só de um lado, uma pessoa geralmente sente que lhe falta algo para completar a sua imagem perfeita de felicidade, embora conheça pessoas que são felizes como donas de casa e mães de famílias numerosas, ou como grandes académicas sem marido e filhos. Isto depende do ângulo pelo qual cada um observa a felicidade e são opções que não há que discutir em absoluto. Mas fica sempre bem dizer a alguém que se vai realizar e aperfeiçoar nas duas esferas, porque assim engorda o seu orgulho e a ideia de "tu és esepecial e capaz de tudo e por isso tens que ouvir o que eu te vou dizendo").
- Sim, vejo-te aqui uma cruz. Vais casar pela igreja. (Para me revelar essa grande profecia, a senhora de vestido negro e lenço da mesma cor deverá ter reparado na pequena cruz de prata que tinha e tenho no meu pescoço, ou deverá simplesmente ter querido continuar a sua santa e boa conversa que manteve até ao momento).
- E vais casar pela igreja com o rapaz que amas.
(Já passaram séculos desde que os pais obrigavam os filhos a casarem-se contra a vontade, e como não sou interesseira, casar por outro motivo que não o amor, não me passa nem pelo sonho mais surreal).
E tu amas muito esse rapaz, mas ele agora não te corresponde, e tu estás a sofrer bastante, meu coração, mas tudo isso é neste momento, depois vai estar tudo bem e Deus vai vos juntar e no fim vão casar e...
(... e vamos comer perdizes e viver felizes para sempre, pensei eu sem me poder livrar de tanto palavreado sábio num sábado de manhã. E para além disso, qual é a rapariga que no fundo da sua alma não deseja casar numa igreja branca ou num digno registo civil, conforme as suas convicções, indo de mãos dadas com o seu escolhido em direcção à uma nova vida. E qual é o ser humano que não tenha sofrido o seu mal de amores desejando que se resolva da melhor forma?)
A cigana até me disse as letras iniciais do nome do meu futuro esposo (umas quatro letras quaisquer, das que nem sequer me lembro, e além de mais, por que têm que ser quatro? Porque estamos em Portugal e porque a maioria dos rapazes tem dois nomes e dois apelidos? Por que é que estando em Portugal não me poderia casar com um imigrante da Europa do Leste, que tem um nome e herdou o apelido do pai? Ou com um italiano, um inglês um alemão, com apenas um nome e um apelido nos seus documentos de identificação, que Lisboa está cheia deles e que também conheço alguns...? Mas, mais uma vez, era o mais seguro sendo as letras do alfabeto citadas muito comuns, não me recordo exactamente quais, mas tenho a certeza de que não eram nem um "K", nem "Y", nem "W" nem "Q". Vejamos então:. Não me vou casar, por tanto, com um Karl, nem com um Yuri, nem com um William, e o seu apelido certamente não será Quiroga. Muito bem, já é alguma pista, e para culminar, em Portugal não há muitos rapazes com estes nomes, pois não?
- E vais querer ter filhos com ele, coração.
(Pois, quando uma pessoa se casa, as tarefas reprodutivas, fazem parte da convivência, são uma dádiva divina, ou como quer que o entendamos, mas quem não quer ter família com o seu parceiro namora só, nem é preciso casar... sobretudo hoje em dia em que estão em voga variedades e variedades de tipos de relacionamentos amorosos e afirma-se que a família está em crise. Palavra um pouco gasta ultimamente, essa crise, não é? Ouve-se por todo lado e mais algum, aparentemente sem ter solução possível, mas não é disso que estou a falar agora. E, ainda por cima, estou com pressa, esqueci-me do telemóvel em casa a Susana está à minha espera no Starbucks.)
- E vais ter três filhos, uma menina e dois meninos e vão ser muito bonitos eles, como tu, meu coração, e como o teu marido.
(Desde que o mundo é mundo não houve uma mãe que tivesse filhos feios, observados da sua perspectiva, e como o pai e a mãe participam no processo da elaboração de um bebé, é óbvio que vai herdar as características dos dois progenitores. Verdade seja dita, esta sabedoria de uma manhã de sábado iluminou-me bastante, deverei transmiti-la à Susana, quando chegar, porque me verá diferente e mais esclarecida no conhecimento e quererá saber o que me tinha acontecido).
- E vais ser muito rica e conhecida também, meu amor.
(Protegida por Deus, realizada profissional e pessoalmente, casada pela igreja com o rapaz que amo, com os três filhos bonitos, e ainda rica e famosa, tudo isto a caber numa vida real... poderá ser até, não tenho nada contra, mas agora a única coisa que sei é que a Susana deverá estar preocupada com o meu atraso...)
- E agora, minha linda filha, dá-me cinquenta euros para te limpar a má sina da mão.
-Realmente, a sabedoria das avozinhas de negro não tem fim.
- Anda cá, linda menina. Anda cá meu amor!- chamava-me e acenava-me uma cigana, uma senhora idosa daquelas sempre vestidas de preto com lenços na cabeça que fazem lembrar as avós sérvias quando estão de luto, uma daquelas que sempre passeiam pela zona da Alameda, por Belém ou à volta do Parque Eduardo VII. Uma das que há já seis anos me viu apanhar o autocarro que levava os turistas para o aeroporto, e a carregar uma mala grande, podendo prever que iria viajar para longe. Claro, com uma mala daquele tamanho não ia à Sintra, com certeza.
- Mas eu não preciso em de óculos de sol, nem de malas, e além disso, estou com muita pressa.
- Anda, cá, coração! Anda ler a sina, amor!
- Desculpe, eu não acredito em sinas e estou mesmo com pressa.
-Anda cá, acredita, que é verdade, minha linda!
Não sei que magias terá usado a senhora, para não me deixar passar e para começar a demonstrar-me as suas artes e sabedorias ancestrais e bem praticadas.
- Tu és uma pessoa muito justa e certinha e direitinha, meu amor. E tens sofrido muito na tua vida.
Tendo-me revelado uma verdade irrefutável, daquelas que a avozinha deverá ter repetido no mínimo quarenta e três vezes a toda a gente naquela manhã, mudando apenas a palavra "menina" por "senhora" e o "tu" por "você". Fiquei convencida de que tinha na minha frente uma sábia muito desocupada, que à moda antiga, apelava à vaidade de cada um, contando-lhe aquilo que gostava de ouvir. Embora nunca tenha conhecido uma pessoa que se considere injusta ou que não tenha sido um grande sofredor e vencedor no percurso da sua vida, esta é sempre uma táctica boa para as ciganas, magas, leitoras da palma da mão ou outras comunicadoras com o Além, se aproximarem das pessoas e que, sem se darem conta, lhes extraírem a informação útil, a partir da qual vão construindo a sua narrativa acerca do passado e do futuro de quem têm na sua frente.
- Desculpe, senhora, estou com pressa, tenho que ir. E não respondi nada em relação ao primeiro comentário da senhora de preto e de olhos curiosos, que andavam à cata de alguma particularidade minha.
- Há uma mulher mais velha na tua família chamada Maria, do lado do teu pai que te rogou uma praga.
(Quem não tem uma mulher mais velha na família do lado paterno? Se não uma avó, então uma tia, uma parente qualquer e, para além disso, o nome de Maria era o mais seguro para aparecer na conversa, porque estamos na Europa cristã e as gerações antigas eram, pelo que parece, muito mais religiosas e muito mais respeitadoras dos calendários e nomes de santos). Na minha família, do lado do pai, andaram por aí umas quantas Marias, mas não me consta que nenhuma me tenha rogado pragas, bênçãos, palavrões ou terminologia carinhosa e adocicada, porque quando eu nasci ou eram demasiado velhas ou estavam mortas e enterradas há muito tempo).
- E essa praga que te foi rogada, faz com que o teu corpo suporte muitas dores, que tu não mereces, minha menina de alminha boa e pura.
Se ela esperava que eu agora fosse cultivar toda a raiva no coração contra essa tal Maria que supostamente me mal-fadou na hora do meu nascimento, pois não o vou fazer, porque não vou dar o gosto à senhora que me pretende interrogar na rua, porque não sou amargada e aliás, na medicina não consta que o nascimento prematuro seja uma maldição ou praga, nem sequer é encarado como doença. É um fenómeno que acontece às vezes e acabou. O que, porém, se há confirmado na vida real é que as crianças que nasceram antes dos nove meses são muito esforçadas, curiosas e que têm um grande dom para os estudos e trabalhos intelectuais, já que não estão muito viradas para os desportos. Se isso é um estigma, não sei, há momentos em que o é, sobretudo quando temos de carregar nas nossas costas muitos parasitas que não querem estudar, quando nos deparamos com comentários estúpidos e fora do lugar, mas nascer prematuro não causa extremas dores no corpo. Que eu saiba. Pelo menos nem sempre. Para além disso, quando um órgão nos dói, a questão fulcral não é de modo nenhum a de mérito ou culpa, de prémio ou castigo. Trata-se simplesmente de um indício de que essa específica parte do corpo precisa de atenção.
À avozinha vestida de negro bastou-lhe se calhar reparar na minha forma de andar, que não é particularmente bonita, e que, de facto algumas vezes me causa algumas dores, mas a quem é que não lhe doem as pernas depois de caminhar durante muito tempo num sábado de manhã?
- Desculpe, já estou atrasada, tenho que ir mesmo.
Como viu que a história da velha Maria do lado paterno da minha família não me entusiasmou muito para uma conversa posterior e mais profunda, começou a enrolar a sua narrativa de forma a ter um fio condutor e a parecer minimamente estruturada e passada a limpo.
- Mas as dores vão passar, porque tu és uma alma boa e Deus Nosso Senhor não te vai abandonar.
Claro, esta é outra estratégia que mulheres destas usam: recorrem a Deus à Virgem Maria ou aos santos para dar o ar de que a sua arte não é bruxaria, magia negra ou qualquer ciência oculta que assusta as pessoas. Em segundo lugar, querem salientar que elas são tão boas, sublimes e avançadas na sua vida espiritual, que conseguem descodificar em qualquer momento a vontade Divina para cada um de nós, o que não é mais que um sinal de pura vaidade. Pobrezinhas, espero que se arrependam algum dia. Por último, referindo estas palavras, o que pretendem é seduzir-nos com a ideia de que nós somos os escolhidos por Deus para realizar uma determinada acção e que elas foram as mensageiras eleitas. Quem tem uma mínima noção do cristianismo, ou um grau básico de auto-conhecimento, saberá que cada pessoa é específica e que todas as vidas têm a sua razão de ser, mas pensar que Deus em pessoa nos vai revelar os seus planos pela boca terrena de alguém, seria apenas o sinal da nossa soberba escondida, que não é por acaso considerada o primeiro dos sete pecados mortais.
- Deixe Deus tranquilo, Ele não abandona ninguém, e deixe-me passar a mim, que estou com pressa.
- Deus não te vai abandonar e tu vais ser muito feliz- continuou a velhinha de preto, com a sua sabedoria antiga e inúmeras vezes verificada ao longo desta conversa.
- Muito bem, mas eu tenho mesmo que ir...
- E tu vais ser muito feliz tanto na tua carreira como na vida pessoal.
(Claro, se desenvolve as suas capacidades só de um lado, uma pessoa geralmente sente que lhe falta algo para completar a sua imagem perfeita de felicidade, embora conheça pessoas que são felizes como donas de casa e mães de famílias numerosas, ou como grandes académicas sem marido e filhos. Isto depende do ângulo pelo qual cada um observa a felicidade e são opções que não há que discutir em absoluto. Mas fica sempre bem dizer a alguém que se vai realizar e aperfeiçoar nas duas esferas, porque assim engorda o seu orgulho e a ideia de "tu és esepecial e capaz de tudo e por isso tens que ouvir o que eu te vou dizendo").
- Sim, vejo-te aqui uma cruz. Vais casar pela igreja. (Para me revelar essa grande profecia, a senhora de vestido negro e lenço da mesma cor deverá ter reparado na pequena cruz de prata que tinha e tenho no meu pescoço, ou deverá simplesmente ter querido continuar a sua santa e boa conversa que manteve até ao momento).
- E vais casar pela igreja com o rapaz que amas.
(Já passaram séculos desde que os pais obrigavam os filhos a casarem-se contra a vontade, e como não sou interesseira, casar por outro motivo que não o amor, não me passa nem pelo sonho mais surreal).
E tu amas muito esse rapaz, mas ele agora não te corresponde, e tu estás a sofrer bastante, meu coração, mas tudo isso é neste momento, depois vai estar tudo bem e Deus vai vos juntar e no fim vão casar e...
(... e vamos comer perdizes e viver felizes para sempre, pensei eu sem me poder livrar de tanto palavreado sábio num sábado de manhã. E para além disso, qual é a rapariga que no fundo da sua alma não deseja casar numa igreja branca ou num digno registo civil, conforme as suas convicções, indo de mãos dadas com o seu escolhido em direcção à uma nova vida. E qual é o ser humano que não tenha sofrido o seu mal de amores desejando que se resolva da melhor forma?)
A cigana até me disse as letras iniciais do nome do meu futuro esposo (umas quatro letras quaisquer, das que nem sequer me lembro, e além de mais, por que têm que ser quatro? Porque estamos em Portugal e porque a maioria dos rapazes tem dois nomes e dois apelidos? Por que é que estando em Portugal não me poderia casar com um imigrante da Europa do Leste, que tem um nome e herdou o apelido do pai? Ou com um italiano, um inglês um alemão, com apenas um nome e um apelido nos seus documentos de identificação, que Lisboa está cheia deles e que também conheço alguns...? Mas, mais uma vez, era o mais seguro sendo as letras do alfabeto citadas muito comuns, não me recordo exactamente quais, mas tenho a certeza de que não eram nem um "K", nem "Y", nem "W" nem "Q". Vejamos então:. Não me vou casar, por tanto, com um Karl, nem com um Yuri, nem com um William, e o seu apelido certamente não será Quiroga. Muito bem, já é alguma pista, e para culminar, em Portugal não há muitos rapazes com estes nomes, pois não?
- E vais querer ter filhos com ele, coração.
(Pois, quando uma pessoa se casa, as tarefas reprodutivas, fazem parte da convivência, são uma dádiva divina, ou como quer que o entendamos, mas quem não quer ter família com o seu parceiro namora só, nem é preciso casar... sobretudo hoje em dia em que estão em voga variedades e variedades de tipos de relacionamentos amorosos e afirma-se que a família está em crise. Palavra um pouco gasta ultimamente, essa crise, não é? Ouve-se por todo lado e mais algum, aparentemente sem ter solução possível, mas não é disso que estou a falar agora. E, ainda por cima, estou com pressa, esqueci-me do telemóvel em casa a Susana está à minha espera no Starbucks.)
- E vais ter três filhos, uma menina e dois meninos e vão ser muito bonitos eles, como tu, meu coração, e como o teu marido.
(Desde que o mundo é mundo não houve uma mãe que tivesse filhos feios, observados da sua perspectiva, e como o pai e a mãe participam no processo da elaboração de um bebé, é óbvio que vai herdar as características dos dois progenitores. Verdade seja dita, esta sabedoria de uma manhã de sábado iluminou-me bastante, deverei transmiti-la à Susana, quando chegar, porque me verá diferente e mais esclarecida no conhecimento e quererá saber o que me tinha acontecido).
- E vais ser muito rica e conhecida também, meu amor.
(Protegida por Deus, realizada profissional e pessoalmente, casada pela igreja com o rapaz que amo, com os três filhos bonitos, e ainda rica e famosa, tudo isto a caber numa vida real... poderá ser até, não tenho nada contra, mas agora a única coisa que sei é que a Susana deverá estar preocupada com o meu atraso...)
- E agora, minha linda filha, dá-me cinquenta euros para te limpar a má sina da mão.
-Realmente, a sabedoria das avozinhas de negro não tem fim.
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