GODINEAU, Dominique “A mulher”
Michel VOVELLE (org.) O Homem do Iluminismo, Renascença, Lisboa, 1997, pp 311-334 recensão
crítica por Anamarija Marinović
O capítulo dedicado à mulher
na obra o Homem no Iluminismo, coordenada por Michel Vovelle, parte de uma ideia estereotipada que o
Iluminismo trouxe mais direitos e uma posição melhor na sociedade para a parte femiina da população e cita
exemplos de numerosas damas nobres que reuníam intelectuais nas tertúlias nos
seus salões. Porém, esta imagem é desmontada parcialmente: por um lado é certo
que a mulher ocupa a atenção de muitos estudiosos, tornando-se objecto de
interesse, por outro o seu estatuto e direitos profissionais e civis ainda em
grande medida são determinados pelo homem.
Os
temas e problemas que preocupam os ilustrados na França são a existência de uma
natureza especificamente feminina, que depende das suas funções do seu corpo.
Desta forma Diderot denomina a mulher como “fêmea do homem”. Esta ideia da
inferioridade do sexo feminino é uma continuação do pensamento fundamentado nos
séculois anteriores e usa-se a palavra “sexo”, porque na altura não se
empregava o termo “género” é inigualável à uma ética do universal. Se, segundo
Poullain, “a mente não tem sexo” pregoa-se a ideia de que as mulheres precisam
de educação, uma vez que por falta da sua instrução, surgem todas as
dificuldades com as que ela tem que lidar.
Outro tópico dominante no
estudo das mulheres é a existência da razão feminina, que, na opinião dos
enciclopedistas, está subordinada ao seu útero, o que lhe atribui as seguintes
características: uma estrema sensibilidade, uma grande capacidade de
imaginação, capacidade de observar, enquanto o homem tem a faculdade de
raciocinar. O papel que os cientistas desta época lhe destinam é o da mãe e boa
esposa, que deve fazer todo o esforço possível para tornar a sua casa um lugar
agradável, para dar uma educação correcta aos filhos, deve saber conversar,
para ser digna companheira de um
homem iluminado. Por estes motivos é-lhe permitido saber ler, escrever, fazer
contas e ter conhecimentos mínimos de história e geografia. No Iluminismo português parece-nos
interessante o caso de Luís António Verney que fala na necessidade da educação feminina,
embora aenas no que se refere à esfera doméstica.
Um dos momentos importantes na
vida de toda mulher, sem dúvida continua a ser o casamento, que é questionado
pelos iluministas de várias formas. Ainda que alguns filósofos o reduzam apenas
ao aspecto sexual durante toda a vida,
os iluministas franceses fazem diferença entre as classes mais altas, em
que os casamentos são por regra combinados pelos pais de forma a possibilitar a
prosperidade económica do casal enquanto os casamentos nas classes populares
são vistos como uniões regidas pelos sentimentos mútuos. É polemizada a
indissolubilidade do casaemnto, e a escolha pessoal do parceiro, em vez da
imposição do par ideal feita pelos pais. Desta forma, na literatura espanhola
do século XVIII salientamos a obra El Sí de las Niñas, em que o autor Leandro Fernández de Moratín permite à jovem protagonita
recusar o su pretendente muito mais velho do que ela, escolhido pela sua mãe
apenas pela sua riqueza mterial. A
menina na obra não apenas tem o direito de expressar a sua opinião, como também
tem e mostra o afecto pessoal por um jovem da sua idade, com o qual acaba por
se casar no fim. Claro está que na realidade objectiva nem sempre era fácil
conseguir-se uma união duradoura baseada no amor.
O trabalho feminino é uma das
questões que o Iluminismo salienta; sendo ele necessário e obrigatório nos
estratos sociais mais baixos, para a família numerosa poder sobreviver. Como
profissões aceites destacavam-se a lavandeira, a vendedora, a criada, a
costureira etc. Numa sociedade que põe a tónica na educação e escolarização,
não é estranho que apareçam revistas destinadas ao público feminino
propondo-lhe os saberes que se consideram necessários para a sua vida. Mesmo
que nas épocas anteriores ao Iluminismo o convento seja um grande centro da
educação feminina, os ilustrados dirigem-lhe críticas ásperas, acusando as
ordens religiosas de deixar as jovens ignorantes e não preparadas para a vida.
Insiste-se em que a mulher além da leitura, escrita, contas básicas e um pouco
de cultura geral ee saber danar, tocar alguns instrumenos, e na cultura
portuguesa, resonder a motes e improvisar poemas.Como um no caso extraordinário
cita se o de Vitorine de Chastenay, que desde menina sabia latim, que tinha
aprendido juntamente com o irmão, e que tinha conhecimentos de história, geografia,
aritmética, inglês, religião, música e desenho. Ela representa o modelo da
mulher livre pensadora que não se dedica a conversas superficiais.
As leituras recomendadas à
mulher iluminista são as de “exemplo e proveito”, autores clássicos, romances,
livros de história e o que se considera perjudicial são livros de temática
amatória ou aqueles que podem estimular demasiado a sua imaginação. Quanto à
escrita, a forma epistolar foi muito rapidamente apropriada pelas mulheres,
porque através de um género privado, ela consegue expressar as suas ideias
sobre vários assuntos importantes do domínio público.
Voltando à ideia inicial da
mulher iluminista no salão, o autor salienta a capacidade da mulher de se
adaptar a novas circunstâncias culturais e de ir conquistando o seu espaço não
apenas na esfera privada, como cada vez mais no público, uma vez que a sua casa
abre as portas a intelectuais, permite-lhe trocar opiniões, encontrar pessoas,
criaar e tomar posições.
Tendo alargado o espaço em que
actuavam, as mulheres aparecem cada vez mais na vida política. Como exemplos
disso o autor cita os casos da Maria Teresa de Áustria e Catarina a Grande na
Rússia (que se escrevia com Voltaire) e de algumas revolucionárias francesas,
que abriram novos caminhos para a mulher na sociedade e que influenciaram o
desenvolvimento do feminismo.
Este capítulo, de forma clara,
simples e sintética dá a conhecer a situação da mulher no Século das Luzes,
apontando para algumas dificuldades reais com as quais ela teve de lidar, e que
hoje em dia podem considerar-se questões resolvidas (o direito da mulher à
educação, ao trabalho, à escolha do parceiro para o casamento). Há, porém
problemas que nem sequer hoje em dia estão completamente acabados de resolver (
como por exemplo a igualdade absoluta entre o homem e a mulher).
Este capítulo é uma excelente
síntese da posição da mulher na sociedade do século XVIII, a nível pessoal e
profissional. Mesmo depois desta pequena amostra do livro podemos chegar à
conclusão de que a obra toda salienta os aspectos mais importantes da posição
do homem na cultura, sociedade e vida privada no Século das Luzes, sobre tudo
na França.