Filme: Os Maias
Género: Drama (Adaptação do romance homónimo de Eça de Queiroz)
Duração:139 min.
Realização: João Botelho
Cinema: Cinema City Classic Alvalade
Adaptar uma obra literária ao cinema, nunca é uma tarefa fácil. sobretudo quando se trata de um clássico e mais ainda de um romance obrigatório nas escolas secundárias. Este trabalho sempre oscile entre a possibilidade de ser uma cópia fiel do livro original, uma interpretação demasiado livre ou uma adaptação demasiado escolar e sem vida própria. Sem dúvida alguma, João Botelho conseguiu magistralmente escapar a estes três problemas ao recriar a crónica de três gerações da família Maia numa Lisboa oitocentista e provinciana, a sua decadência inserida nas turbulências da sociedade portuguesa da época. Muito mais do que um mero retrato de uma sociedade sufocada pelo conformismo, ócio e luxo da pequena burguesia e muito mais do que a análise e exposição de uma relação incestosa entre irmãos, Os Maias são uma obra de arte sempre actual, podendo referir-se também ao Portugal contemporâneo, aparentemente com a mesma crise (económica e ética, artística e literária).
Em teros de elementos visuais, imagens, fotografias, vestuário, pormenores dos interiores e casas lisboetas, este filme pode comparar-se aos grandes clássicos americanos ou de outros países europeus. Em relação aos cenários exteriores, embora a opção pelas telas e pinturas se possa interpretar como uma limitação de carácter orçamental, antes parece que se pretendia transmitir a ideia da vida como um teatro e da arte como um fingimento, em que todos podem ser interpretados como actores e tudo como máscara, fachada ou fuga de uma realidade insatisfactória. As partes a preto e branco são uma excelente escolha para a narrativa inicial e para a introdução das personagens principais, tal como a mudança de cenários de diferentes cidades em que se amaram Pedro da Maia e "a bele negreira Maria". O que parece demasiado rápido e brusco é a transição de uma geração para outra. A substituição do preto e branco do passado pelas cores da actualidade da narrativa é uma boa solução, embora possa ser usada noutros filmes e séries em que há diferentes níveis temporais. Graciano Dias foi uma excelente escolha para a personagem de Carlos da Maia, enquanto não se possa dizer exactamente o mesmo de Maria Flor como Maria Eduarda. (Está bem que a actriz brasileira possa reprodusir com uma maior precisão as variações de sotaques de quem viveu no Brasil e regressou para Portugal, mas para uma personagem com uma situação familiar difícil e um passado amoroso pouco exemplar, dada a necessidade de criar a filha, esta actriz parece transmitir a ideia de uma mulher demasiado inexpressiva, submissa e doce). Pedro Inês, na sua actuação como João da Ega por momentos é demasiado teatral e exagerado (o que corresponde ao papel de manipulador, escritor que se ufana por causa das suas obras "inacabadas", sendo uma espécie de alter ego do próprio autor), e outras vezes toda a sua força expressiva parece desaparecer bruscamente e apagar-se numa aparente neutralidade. Para a personagem de Afonso da Maia, a mais bem construída e desempenhada em todo o filme, João Perry é a melhor opção possível, tal como o é Rita Blanco para o papel de uma fútil e superficial representante da alta sociedade. Algumas personagens, como nomeadamente Eusebiozinho, importante no livro, mereceriam mais atenção, tal como o gato Reverendo Bonifácio, que na obra literária é muito mais do que um animal de estimação.
Sendo este filme subtitulado como "Cenas de vida romântica", os episódios mais interessantes e impactantes do livro parecem ocupar o seu devido lugar na versão cinematográfica.
O final, talvez um tanto brusco, aparenta neutralizar todo o drama interior humano de Carlos e Maria e parece neutralizar um pouco a realidadde sociocultural portuguesa do fim do século XIX.
Não obstante, trata-se de um excelente filme, que cativa a atenção e não deixa os espectadores indiferentes e que certamente convida não apenas o público escolar a assistir. É um convite sempre aberto para a reflexão sobre os problemas éticos, sociais e individuais sempre actuais, tal como a condição humana com todos os seus defeitos e virtudes.
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