Bem-vindos ao meu mundo de imaginação. literatura, cinema, fotografia, tradução de poesia e conheçam contos da minha autoria
O
último comboio
D
|
izem que as gerações de hoje
crescem mais depressa e que por isso sabem mais do que nós. Saber, sabem,
talvez, embora as fontes de informação possam não inspirar demasiada confiança.
Se crescem mais rapidamente, essa afirmação poder-se-ia aplicar à altura, peso
e aos restantes elementos do desenvolvimento físico da criança, mas no que diz
respeito à maturidade, não concordaria em absoluto e já vos vou esclarecer o
meu ponto de vista.
A minha geração,
dada a situação política e económica no país em que nascemos, segundo muitas
opiniões, viu-se obrigada a crescer realmente com a velocidade da luz. Devido,
certamente, também à decadência de valores ou à curiosidade dos adolescentes,
vários temas como a violência, a droga, o álcool e a sexualidade chegaram à
ordem do dia na minha turma, desde o sexto ou sétimo ano da escola. Se fosse só
para ler, informar-se sobre os assuntos, saber, formar uma opinião, estaria
plenamente de acordo com que se tocasse em problemas sérios e actuais na
sociedade, porque defendo a ideia que não há idade que seja pouca para se
encarar a vida com seriedade e reflexão. Agora, praticar cada um dos assuntos
acima referidos, e sobretudo sendo menor de idade, assusta-me. O que mais me
enerva, e não peço desculpa pela falta da correcção política, repito, o que
mais me enerva, no que se refere às vidas dos adolescentes, jovens e
posteriormente, também adultos, e a existência de uma espécie de
cronograma, na verdade nunca escrito em parte alguma, sobre as coisas que uma
pessoa deve fazer a cada idade. Parcialmente, estas ideias podem estar bem, por
isso existe o limite entre a menoridade e a maioridade. Mas, que me digam
que aos dezasséis anos uma menina deve
ter o primeiro namorado, aos dezoito ou ainda antes deve embebedar-se pela primeira
vez (Olha só para isso, leitor curioso! Nenhuma idade é apropriada para a
bebedeira, e em meninas fica muito mal. Em rapazes também, mas há sociedades
que o tolerariam...), a tantos anos deve ir à discoteca sozinha (e cada vez
mais cedo, para mostrar aos pais que é crescida, que não precisa de tutores nem
de prédicas), que deve iniciar a vida sexual o mais depressa possível, porque
se não, isso significa que é feia, estranha, fora do mundo, que não a desejam,
que não tem capacidade de seduzir ninguém... Alto aí! Atenção, meninas! (E tu
também, leitor curioso!) Cá para mim, a intimidade deve ficar encoberta de um
certo véu de mistério, não deve ser revelada, discutida e anunciada “com badaladas grandes”, como se costuma dizer na Sérvia, e sobretudo não deve ser
comentada com qualquer amiga e em qualquer ocasião. Outra coisa, quem foi
educado em determinados valores religiosos, sabe que o momento oportuno para iniciar
a actividade sexual legítima deveria ser a noite de núpcias, porque aenas
assim, autorizada pela lei dos homens e abençoada por Deus, a intimidade
adquire uma outra dimensão, mais profunda, mais sagrada, única. Só
então representará uma entrega absoluta e sem reservas, um acto de confiança, de
proximidade, de pertença, um pacto inviolável entre duas pessoas adultas e
madura, que se amam e respeitam. Só então tem a sua beleza indescritível e
indiscutível. Aliás, nunca ouvi um homem casado a divulgar as suas capacidades
masculinas entre amigos num bar e nunca ouvi uma mulher casada a enumerar as suas
gloriosas vitórias na escuridão do quarto que partilha com o marido. Isso é
mais próprio de pessoas imaturas e pouco profundas, que mais falam naquilo que
mais lhes falta ou com que mais problemas têm na vida real.
Bem, se não
podem esperar até à cerimónia do casamento, há casais que começam com “essa
actividade” após algum tempo de relacionamento, justificando-a com amor,
ternura, paixão, desejo ou com outro argumento váliudo para eles. Hoje em dia
quase que não se pode abrir nenhuma revista feminina, das que tratam de beleza,
moda, saúde e condição física da “mulher moderna” sem se lerem conselhos como
seduzir o namorado, sem se enumerarem técnicas e tácticas de comportamento numa
relação e do momento adequado de se introduzirem elementos anti-platónicos na
situação amorosa de um rapaz e uma rapariga. Só que nessas revistas nunca ou
quase nunca se diz que numerosas raparigas, sobretudo as muito novas, se sentem
obrigadas pelos namorados, que se regem pelo medo de serem abandonadas, que podem ver-se pressionadas pelos meios da
comunicação social, pela publicidade, pelas amigas e colegas de turma, amigas,
primas e vizinhas, que as julgam negativamente, que as abordam cm estranheza ou
tentam “psicanalisá-las” nas conversas do café. Todos esses batalhões de amigas, extremamente liberais e emancipadas, na fala apregoarão o famoso “momento oportuno, no
lugar correcto e com a pessoa certa”, para, cinco minutos depois, atirarem
pedras e paus para cima de qualquer timidez, romantismo, argumentos razoáveis
para esperar para encontrar a pessoa certa (E quem é ele? O marido? O namorado
de longa data? O “príncipe encamtado”? Ai, pelo amor de Deus! Quem ainda
acredita nisso? Deixa-te de contos de fadas, por favor! Vivemos no mundo real e
mesmo que esse tal príncipe exista, tens que beijar muitos sapos até o
conheceres e até lá, é a vida... E na vida tens que ter muita experiência para
não ires estúpida ao altar, se esse altar ainda significa alguma coisa...).
Primeiro, minhas
jovens, não façam caso destes conselhos, pura e simplesmente por não serem
sinceros: uma amiga que deseja mudar-vos completamente, não é uma amiga
verdadeira, uma pessoa que não respeita as vossas convicções e que vos chama
nome depreciativos apenas quer intrometer-se na vossa vida, saber o que não lhe
compete, para posteriormente transmitir essa informação a outras conhecidas,
acrescentando detalhes, invertendo situações, extraíndo as vossas frases e
emoções do contexto, apenas por não ter outro tema de conversa e para se
apresentar como a “psicóloga inteligente”,constantemente de serviço, que sempre tem
razão e que nunca comete erro algum... Mas, que prepotência! Justamente essas,
que mais tentam (im)pressionar os outros com as magníficas aventuras e
histórias da sua vida íntima, são as pessoas mais fúteis, mais insatisfeitas e
menos francas que alguma vez vi na vida. Nunca nenhuma dessas, “modernas,
hábeis e instruídas” na área de namoros, relacionamentos, “combinações”, acasos
e não sei que termos mais, irá admitir que, ao tomar a decisão de iniciar, continuar,
interromper ou retomar actividades das que tanto falam, se enganou, que esteve
envolvida com uma pessoa que a decepcionou, magoou ou desrespeitou. Nunca irá
admitir que o que se desenvolve no seu quarto durante a noite pode ser
rotineiro, superficial, doloroso, humilhante, efémero... Nunca irá confessar
não ser capaz de ter uma relação mais profunda, séria, estável, que tem medo de
se comprometer e que por isso apregoa tanto o amor livre, as aventuras de uma
ou várias noites. Elas serão, sem dúvida, as primeiras a considerar estranha
uma menina platonicamente apaixonada pelo mesmo rapaz durante alguns
meses, já não estou a falar em anos, porque me vão chamar de “velha do Restelo”
ou de “princesa encantada”. Com a primeira caracterização não concordo, nem sou
velha, muito menos do Restelo, ainda que lesse Os Lusíadas e conhecesse perfeitamente a personagem e a situação da
obra, mas tradicional e conservadora sou, e não acho mal nenhum a isso. E,
relativamente à princesa encantada, qual é o problema? As fictícias são simpáticas, fieis, não se deixam conquistar facilmente, apenas após as célebres três provas o príncipe consegue merecê-las, enquanto as verdadeiras participam em missões humanitárias ou diplomáticas, são
cultas, lêm muito, expressam-se de uma forma sofisticada e não revelam a sua
privacidade aos jornais cor-de-rosa e aos programas televisivos de vasta audiência. Bem, houve na história
contemporânea algumas escandalosas, como a Lady Diana ou Grace Kelly de Mónaco,
mas essas são tudo menos encantadas...
As amigas que
criticam as românticas paixões por alguém,durante um período prolongado, chamando esses amores de medo de ser-se magoado, de
bloqueio perante os novos inícios, de traumas passados que se devem esquecer,
podem até certo ponto ter razão: a demasiada idealização da relação anterior,
em determinadas situações, indicará alguma insegurança ou problema a nível
pessoal (ausência de auto-estima, um estereótipo acerca de “todos os rapazes”,
uma experiência dolorosa e mal-sucedida), mas tudo isso é ultrapassável,
fazendo parte da vida e não merecendo ser submetido à “análise científica” das
“Queridas Conselheiras” sem outro assunto de momento
Agora, diz-me
tu, leitor, curioso, a tua opinião? Por mais tolerante que sejas, gostarias de
namorar com uma moça que iria revelar a vossa privacidade a todas as raparigas com quem toma café
ou faz compras...? Agradava-te que as redes sociais se enchessem de vossas fotografias privadas e comentários públicos?
Claro que não. Eu sei que os rapazes tendem a elogiar as suas capcidades de sedutores, sobretudo na presença de amigos, mas acredita que nem todos são assim. Apenas os fúteis. Nunca ouvi um rapaz educado, culto, digno a querer quebrar a confidência entre ele e a namorada, conspurcando e banalizando os momentos belos, únicos e inesquecíveis, passados ao lado da amada. Nunca nenhum jovem decente considerará esse tema válido de uma conversaem a companhia numerosa. Os que verdadeiramente têm fama de serem dignos de admiração feminina , geralmente são os mais discretos. Não apenas por “á agua silenciosa ser a mais perigosa”, mas porque um gentleman nunca revela aspectos demasiado pessoais que poderiam afectar ou manchar de algum modo a imagem da sua dama em público. Aquela cujo nome se arrasta pelas bocas de todos não é uma dama e aquele que cai na tentação de o fazer, não é um gentleman. Estás de acordo, leitor curioso?
Claro que não. Eu sei que os rapazes tendem a elogiar as suas capcidades de sedutores, sobretudo na presença de amigos, mas acredita que nem todos são assim. Apenas os fúteis. Nunca ouvi um rapaz educado, culto, digno a querer quebrar a confidência entre ele e a namorada, conspurcando e banalizando os momentos belos, únicos e inesquecíveis, passados ao lado da amada. Nunca nenhum jovem decente considerará esse tema válido de uma conversaem a companhia numerosa. Os que verdadeiramente têm fama de serem dignos de admiração feminina , geralmente são os mais discretos. Não apenas por “á agua silenciosa ser a mais perigosa”, mas porque um gentleman nunca revela aspectos demasiado pessoais que poderiam afectar ou manchar de algum modo a imagem da sua dama em público. Aquela cujo nome se arrasta pelas bocas de todos não é uma dama e aquele que cai na tentação de o fazer, não é um gentleman. Estás de acordo, leitor curioso?
Minhas meninas,
adolescentes ou jovens adultas, tendo ouvido isto, concordarão com que este
tipo de conversas é melhor evitar, ou se já não vos é possível suportar as
vossas colegas de turma e amigas insolentes, respondam, digam a vossa opinião,
manifestem-se, argumentem, discutam. Ser tímida não é um problema de dimensões
mundiais. Com a vossa timidez poderão prejudicar talvez o vosso percurso
pessoal. É verdade que um namoro “tardio” poderá carecer da magia do primeiro
beijo na adolescência, mas poderá enriquecer a vossa experiência emocional com
uma outra maturidade, com a clareza dos vossos objectivos, com a disposição
para um relacionamento mais sério, que tem outro tipo de encanto. Aliás, quando
as coisas são mais esperadas, mas desejadas, mais merecidas, têm um sabor
diferente e recordam-se durante mais tempo. Se um
rapaz vos disser que devem abandonar essas ideias antigas, se vos caracterizar
de estranhas ou feias por não terem um dossiê grosso de namorados e amantes
anteriores, simplesmente acabem o relacionamento. Vai vos custar, vão chorar,
mas mais vale chorar algumas semanas do que arrepender-se pelo resto da vida.
E tu, leitor
curioso, o que pensas sobre este assunto? Dizes que não te importas, que é o
passado da tua namorada, que não tens direito a julgá-la, questionar os seus
comportamentos, que não interferes na vida dela... Olha, até certo ponto, fazes
bem, não a deves pressionar, espera que ela própria te confie algunas
situações, que construa uma nova vida ao teu lado, com sinceridade, honestidade
e clareza, mas, sê franco contigo mesmo: tu casavas-te com uma rapariga que tem
um passado amoroso escandaloso, que esteve envolvida com demasiados rapazes,
incluindo alguns dos teus melhores amigos, que já tem uma reputação de fútil,
promíscua ou superficial? Gostavas que uma
jovem que já foi tema e fornecedora de material de multas conversas de
café acerca da vida íntima, fosse mãe dos teus filhos...? Não é necessário
dizeres-me a mim, eu apenas sou a narradora desta história, não tua amiga
próxima, nem tua mãe, mas admite isso a ti próprio, aposto que a tua resposta
será negativa.
Agora, para
ilustrar mais uma vez o meu ponto de vista, vou reproduzir o trecho de uma
conversa entre Ana (não te assustes, é essa
mesma Ana, a tradicional e conservadora, a “princesa encantada” que
participou no diálogo, não tenhas medo, não foi ela que disse ou fez nada de
indigno) e uma das suas colegas da Universidade.
Lana era uma
rapariga baixinha, com alguns quilos a mais e o rosto coberto de borbulhas, em
nada correspondia à imagem esperada de uma loura pintada, maquilhada, de saltos
altos e sorriso artificial que vão aos cafés para verem e serem vistas. Lá
está, criamos estereótipos, generalizamos, etiquetamos, sem querer, e mesmo
sendo frequentemente contra isso. Não era aquela típica beleza das capas das
revistas nem nada que se parecesse. Ir aos sítios concorridos e populares na
cidade de Belgrado, ela ia, mas em vez de pedir um licor, um cocktail, ou outra “bebida feminina”
adocicada e leve, própria das meninas fancy,
ela pedia uma cerveja, o que não era propriamente bem-visto naquela rua cheia
de bares ultramodernos, coloquialmente chamada de “Vale de Siliconas”. E com um
comportamento assim, a imagem e a bebida que pedia, a falar “com toda a boca”, como se costuma dizer lá
na minha terra, sobre os seus sucessos amorosos, parecia mais uma caricatura do que propriamente uma
sedutora. Se não falava em si mesma e nas suas capacidades de mulher-aranha,
começava a contar com todos os pormenores os episódios mais recentes de o Sexo e a Cidade (Ai meu Deus! Aquelas
quatro fúteis! Por mais que a crítica tenha elogiado a série e depois os
filmes, por mais que as actrizes sejam excelentes e que haja elementos de
humor, posso garantir que mais banal e trivial do que isso na televisão não há!
E que modelos de mulheres elas propagam? Não, isso não é cá comigo, não).
Lana
deliciava-se, Ana torcia o nariz. Claro, como todas as meninas tradicionais e
bem-educadas, preferia ver os clássicos
ou passar o tempo a ler, a conversar com as amigas, ir ao teatro tudo, menos
tocar em assuntos privados dos outros. Mas, perguntas-te tu, leitor curioso,
como é que uma digna princesa encantada como Ana pode ser amiga de uma rapariga
tão superficial como Lana. Pois, foram colegas de turma no Liceu e na
Universidade e muitas vezes cruzavam-se, próximas não eram, amigas muito menos,
sobretudo depois da conversa que aqui vos transcreverei.
Lana era muito adepta dos tais cronogramas: aos quinze anos tem que se fazer isto, até aos dezoito aquilo, aos vinte o outro, enquanto Ana sabia perfeitamente que tudo tinha o seu momento e que só então tem o seu verdadeiro valor e significado. Lana tinha namorado há sete anos, parecia ter uma relação estável, falava da sua intimidade e até demais para o bom senso e bom gosto, Ana estava mais virada para os estudos, desejava sempre namorar, casar pela Igreja, de branco e como Deus manda, sabes, leitor curioso, todos os ideais de meninas românticas bem-comportadas, que ela considerava convicções certas, e não se importava minimamente com o passar do tempo, com a opinião dos outros, com os textos dos jornais que propagavam a “idade certa” para tudo (subentendendo que para a intimidade isso significava “o mais cedo possível”), de filmes horrorosos como o Lucky Seven (está bem, é uma comédia romântica simpática para se ver no computador num Sábado à tarde, mas é um a história em que a mãe, entes de morrer, propõe à filha um plano rigoroso de tudo o que a menina deve fazer a que idade, incluindo a ideia de ter sete namorados na vida, sendo o último o “de sorte”). Que falta de imaginação! Como se as vidas se produzissem numa fábrica, como se tudo devesse seguir à risca uma regra absurda, como se não houvesse liberdade. E o aclamado número sete, simbólico em muitas culturas, religiões e superstições... Tão vazio de sentido neste contexto. Lana estava muito bem enquadrada no contexto dos cronogramas, tinha um pavor ao envelhecimento (outra futilidade tão apregoada nas revistas cor-de-rosa), e considerava-se conselheira suprema de toda a gente. Sem preparação e instrução nem em psicologia, nem em comunicação interpessoal, é escusado dizer. Sobretudo gostava de mostrar os seus extraordinários conhecimentos da matéria amoros, considerando que iria magoar ou "ensinar" as "boazinhas", "tímidas", "antiquadas".
Lana era muito adepta dos tais cronogramas: aos quinze anos tem que se fazer isto, até aos dezoito aquilo, aos vinte o outro, enquanto Ana sabia perfeitamente que tudo tinha o seu momento e que só então tem o seu verdadeiro valor e significado. Lana tinha namorado há sete anos, parecia ter uma relação estável, falava da sua intimidade e até demais para o bom senso e bom gosto, Ana estava mais virada para os estudos, desejava sempre namorar, casar pela Igreja, de branco e como Deus manda, sabes, leitor curioso, todos os ideais de meninas românticas bem-comportadas, que ela considerava convicções certas, e não se importava minimamente com o passar do tempo, com a opinião dos outros, com os textos dos jornais que propagavam a “idade certa” para tudo (subentendendo que para a intimidade isso significava “o mais cedo possível”), de filmes horrorosos como o Lucky Seven (está bem, é uma comédia romântica simpática para se ver no computador num Sábado à tarde, mas é um a história em que a mãe, entes de morrer, propõe à filha um plano rigoroso de tudo o que a menina deve fazer a que idade, incluindo a ideia de ter sete namorados na vida, sendo o último o “de sorte”). Que falta de imaginação! Como se as vidas se produzissem numa fábrica, como se tudo devesse seguir à risca uma regra absurda, como se não houvesse liberdade. E o aclamado número sete, simbólico em muitas culturas, religiões e superstições... Tão vazio de sentido neste contexto. Lana estava muito bem enquadrada no contexto dos cronogramas, tinha um pavor ao envelhecimento (outra futilidade tão apregoada nas revistas cor-de-rosa), e considerava-se conselheira suprema de toda a gente. Sem preparação e instrução nem em psicologia, nem em comunicação interpessoal, é escusado dizer. Sobretudo gostava de mostrar os seus extraordinários conhecimentos da matéria amoros, considerando que iria magoar ou "ensinar" as "boazinhas", "tímidas", "antiquadas".
Uma vez, aliás,
a última em que as duas personagens desta história conversaram, Lana mostrou-se rigorosamente preocupada com o estado do coração de uma amiga e com determinadas funcionalidades do seu corpo e disse-lhe, com uma voz
alarmante e cínica:
- Então, estás à
espera de quê? Apanha o último comboio, sabes o tempo passa, e se não arranjas
um namorado agora, quando o vais fazer? Só se é jovem uma vez...Apanha o último comboio...
- Olha, tu tens
ao teu lado o teu belíssimo comboio, apanha-o tu. O meu, aquele que chega à
hora certa, está-se a preparar e consertar específicamente para mim, e eu prefiro aguardar
e ter a certeza de que uma das paragens desse comboio será uma bela igreja
ortodoxa (de preferência a “minha”, a de
Todos os Santos em Lisboa), que as próximas paragens seguirão todas as etapas
que Deus previu para a minha vida, do que andar de carruagem em carruagem ou
perder tempo em comboios e paragens erradas.
As duas colegas
de turma nunca mais se falaram, Ana achou a metáfora do último comboio tão
gasta, que nem sequer valia a pena mencionar-se mais e Lana ficou calada.
Provavelmente por não ter conseguido enervá-la nem mostrar qualquer tipo de
superioridade sobre ela nem de a impressionar com as descrições detalhadas das supostas capacidades
de namorada constante e de uma amante
fervorosa e sempre desejada.
Os anos
passara.se com a velocidade de um comboio japonês, daqueles ultramodernos que aperecem na televisão cada vez que se menciona alguma notícia sobe a economia e progresso deste país. As
intervenientes desta conversa ainda não dirigem a palavra uma à outra, mas como o mundo é pequeno, Ana chegou a saber que
a mãe de Lana tinha morrido. Que pena! De ter sabido, tinha ido ao funeral, a
animosidade entre elas já não tinha importância, e até gostava muito daquela senhora tão
educada, doce e simpática. Foi exactamente por essa data que o namoro de Lana,
que tinha durado sete anos, acabou. Desgraçada da rapariga! Como é possível o
namorado tê-la deixado precisamente num momento tão doloroso? Onde estava agora
o comboio dela? Numa outra estação? A correr para alcançar outras passageiras
com pressa? Na garagem, cansado e gasto?
O facto era que Lana estava só. E mais triste que nunca.A tão extrovertida e divertida Lana, com tantos amigos no Facebook, com vários pretendentes, estava só, abandonada, com o rosto inundado em lágrimas. Só... Esse era o seu pior medo...
O facto era que Lana estava só. E mais triste que nunca.A tão extrovertida e divertida Lana, com tantos amigos no Facebook, com vários pretendentes, estava só, abandonada, com o rosto inundado em lágrimas. Só... Esse era o seu pior medo...
Não, Ana não se
está a regozijar com a infelicidade dos outros, nem sequer da sua antiga e inoportuna colega de turma Nunca se
lembrou de se apresentar como superior perante ela nesta situação nem de se
rir, nem de ser cínica e de perguntar pelo “último comboio”, que tinha fugido
no momento mais inesperado da estação de Lana, que aparentava tão segura e
firme. Não, não se alegrou, não ficou feliz, nem sequer a acusou nem lhe
ocorreu desempenhar o papel de catequista ou Professora de Ética e nem sequer
se lembrou de lhe pregar um sermão. As pessoas têm direito a errar e emendar os erros. Sabe ela perfeitamente que há comboios e
comboios, bem como há passageiras e passageiras: as que correm detrás de um e
ficam sujas de pó, magoadas e sós, as que esperam pelo seu e acabam de o
confundir com outro, conseguindo ou não, encontrar a devida paragem a tempo e
as coo ela, absolutamente convencida de que há um único comboio certo para quem
sabe comprar o bilhete correcto de fé, esperança e amor...
Será que Lana
aprendeu algo com a lição dura que a vida lhe deu? O que é feito do combio dela? Apanhou outro? Estará na fila À procura de um bilhete? Ainda restam alguns?
Será que Ana, por sua vez, tem algum comboio a aproximar-se da sua estação? Será que...?
Será que Ana, por sua vez, tem algum comboio a aproximar-se da sua estação? Será que...?
Não sei... São
demasiadas perguntas retóricas para uma história quotidiana cujas personagens se
identificam com uma vilã desgraçada e uma princesa encantada...