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sábado, 5 de enero de 2013

Nicholas Sparks é assim tão bom? na minha opinião não.

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...

SPARKS, Nicholas (2003) Laços que perduram, Editorial Presença, Lisboa, 397 pp.
Os conhecedores da obra de Nicholas Sparks esperam da sua pena uma terna e comovedora história de amor, geralmente com um fina feliz, que garante ao leitor um certo conforto e uma determinada esperança na existência e possibilidade de preservação dos valores humanos tais como o amor, a amizade, o apoio mútuo entre as pessoas etc.
Ao ler o título Laços que perduram pode ter-se a ideia de que desta vez também se vai abordar o tema do amor, embora tal vez não seja muito comum para este autor combinar o género de romance de amor com um policial. Desta forma o autor pretendeu investigar até onde pode ir a perturbação da mente humana, encarnada a personagem de Richard Franklin, homem com um emprego estável, sucesso na profissão de engenheiro, bem parecido e jovem, que se apaixona pela protagonista e não compreende nem aceita a sua rejeição.
Contando a história de Julie, uma jovem cabeleireira que aos vinte e quatro anos de idade fica viúva porque o seu amado marido Jim morreu de tumor cerebral, a sua luta por ultrapassar a tragédia pessoa e continuar a vida normal, Nicholas Sparkspretende dar uma nova oportunidade à vida, ao amor, à amizade, revelando que o amor verdadeiro é capaz de se opor a todos os obstáculos, ainda que um deles seja a perseguição doentia por parte de m antigo namorado magoado e rejeitado.
O livro, porém, peca desde várias perspectivas: em termos de estrutura, passa demasiado rápido desde a morte de Jim e o período da solidão de Julie, a sua luta por esquecê-lo e o desejo de amar novamente e o período da sua nova vida, fazendo com que o leito quase chegue a pensar que Jim era uma pessoa insignificante no percurso da história da personagem principal. Não é mostrado como é que ele e Julie eram um casal estável e feliz, nada se sabe do início da sua doeça nem dos cuidados que a esposa teve com o marido nos seus momentos difíceis e o período que se seguia àsua morte é descrito apenas vagamente e através de uma série de chavões e clichés (Julie não parava de chorar, dizia que a sua situação era difícil, mas que a ia ultrapassar, não queria sair com os amigos, as roupas do marido falecido ocupavam metade do armário, tudo cheirava a ele e no frigorífico estavam ainda duas cervejas da marca preferida de Jim). Todos estes pormenores podiam referir-se tanto a uma separação do namorado que vivia em casa com a namorada ou a uma situação muito mais banal do que a morte do marido amado e nelas não há nada de comovedor nem nada que revele uma relação muito próxima entre o casal.
Mais um ponto fraco do romance que há que salientar é o detalhe que Henry e Emma tinham três filhas, que se enquadra no contexto de Henry se apresentar como um homem sério, de sucesso, que tem tudo o que deseja, enquanto o seu irmão Mike ainda é um pouco infantil. As meninas são mencionadas apenas uma vez, para depois desaparecerem absolutamente da história e do interesse do leitor. Uma outra história inacabada é o caso de Andrea, que depois de ser tão brutalmente espancada por Richard, apenas “está a recuperar2 no hosptal, sem se dar qualquer desfecho do papel da sua personagem no romance e um qualquer possível inal que ela teria merecido, além de ser uma vítima ou uma beleza bronzeada, fútil e pouco inteligente, que conseguiu que o homem que ela desejava a magoasse e desrespeitasse.
Em termos de lógica, não se explica como é que Jim, após a sua morte, desde o outro mundo conseguiu enviar a carta e o cão à sua amada, referindo que “esteja onde estiver” ele estará perto dela par a proteger. Esta ideia descobre um pouco sobre as poucas ou nenhumas crenças religiosas que o autor provavelmente tem e o seu fraco conhecimento do cristianismo. Um outro pormenor em que o livro peca é um determinado desleixo de Julie, quando, mesmo na situação perigosa em que se encontrava, pensa mais no seu cão do que em Mike ou o agente Pete Gandy, dizendo que o cão estava habituado a correr a essa hora e que o devia deixar, sem ter a ideia de que a vida de Mike poderia correr risco e que permitir que o agente que a protegia abandonasse a casa não era justamente a ideia mais desejável e prudente, o que teve as consequências devidamente descritas no livro.
Na construção das personagens nota-se a pouca capacidade de as aprofundar psicologicamente de forma a parecerem pessoas credíveis e não apenas caracteres que povoam as páginas de um romance, já que nem os “dilemas morais” de Mike, o melhor amigo de Jim e Julie, quando se apaixona por ela, nem o próprio sofrimento da protagonista em relação o início do namoro com ele passam de um ligeiro lirismo superficial. O que também poderia ser aprofundado é a conflituosa e complexa relação da personagem principal com a mãe, o esforço de Jim por dar à sua esposa um lugar digno na sociedade, porque apenas se refere que foi ele quem lhe deu um lugar para viver e um trabalho, o que poderia implicar que o que Julie sentia por ele era apenas gratidão e não um amor profundo e belo, como se pretende sublinhar ao longo do romance. As personagens bem construídas parecem ser Henry e Emma, como um casal que se conhece bem, que se ama apesar dos ocasionais desencontros, que são excelentes amigos sempre dispostos a ajudar e ouvir os outros.
Embora não formalmente dividido em duas partes, este romance, conforme se aproxima do seu final põe a tónica na investigação do caso de Richard, que estereotipadamente resulta ser uma pessoa fortemente problemática (com um pai alcoólico e uma mãe vítima de violência doméstica, sendo vária vezes transferido em lares de acolhimento para crianças abandonadas, tendo roubado dinheiro a um dos seus colegas da universidade, e acabando por matar a sua ex-esposa, para tudo isso influenciar a sua perturbação psíquica e a sua obsessão louca por Julie) e desta forma parece que a história de amor entre Mike e Julie perde um pouco da sua força e importância no desenvolvimento do livro.
O que parece terno e comovedor nesta história é a relação entre Julie e o seu cão, que é muito mais do que um mero animal de estimação: é o seu companheiro nos dias da tristeza e solidão, é seu amigo, alguém que a alerta para os perigos e situações bonitas na vida, é o seu protector e guardião, fiel, amoroso, sempre disponível e a sua morte brutal causa pena ao leitor.
O romance termina com um final feliz, embora brusco e quase incompleto, porque dois meses após o momento mais dramático na vida de Julie, ela continua a namorar com o Mike, sonhando, porém com o seu ex-marido e agradecendo-lhe por tê-la protegido. Neste desfecho, provavelmente pretende-se sublinhar a ideia da força dos “laços que perduram para sempre e não obstante as circunstâncias da vida real, o que mais revelaria o possível carácter eterno do amor entre a protagonista e o seu marido morto do que seria uma prova de que o novo relacionamento é verdadeiramente aquilo que deixa Julie completamente realizada, plena e feliz. A “nota do autor” no final é mais uma tentativa de se desculpar dos erros e falhas neste romance do que propriamente uma explicação do processo de escrita e da criação literária em si e parece absolutamente desnecessária.
De leitura fácil e rápida, esta obra oferece uma história que provavelmente numa boa adaptação para o cinema teia muito mais sucesso do que como uma obra literária, porém, para quem gosta de livros de conteúdo um pouco mais ligeiro Laços que Perduram seria um óptimo passatempo, sem quaisquer pretensões de ser uma das obras primas da literatura americana contemporânea.


viernes, 4 de enero de 2013

Higiene e poesia? Com Jovan jovanovic Zmaj tudo é possível

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Prljave ruke
 Jovan Jovanovic Zmaj

Pre i posle jela treba ruke prati
nemoj da te na to opominje mati.
Prljavim rukama zagadi se jelo,
pa se onda bolest unese u telo.


Mãos sujas
Jovan Jovanovic Zmaj

Antes e depois de comer é preciso as mãos lavar
Não deixes que para isso a mãe te vá alertar
com as mãos sujas contamina-se a comida
e então a doença no corpo é introduzida.
Tradução:
Anamarija Marinovic

jueves, 3 de enero de 2013

poema sérvio sobre a amizade, o inesquecível ZMAJ; claro!

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Dobar drug

Koji ima dobra druga,
ne boji se očajanja
podeljena tuga
upola je manja;
podeljena sreća
dva puta je veća.
 Jovan Jovanovic Zmaj

Bom amigo
Quem tem um bom amigo
não tem medo do desespero
tristeza dividida
duas vezes é menor
felicidade dividida
duas vezes é maior.
Tradução:
Anamarija Marinovic

miércoles, 2 de enero de 2013

tradição sérvia em versos

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DED I UNUK - Jovan Jovanović Zmaj
Uz'o deda svog unuka,
Metn'o ga na krilo,
Pa uz gusle pevao mu
Što je nekad bilo.

Pevao mu srpsku slavu
I srpske junake,
Pevao mu ljute bitke,
Muke svakojake.

Dedi oko zablistalo
Pa suzu proliva,
I unuku svome reče
Da gusle celiva.

Dete gusle poljubilo
P' onda pita živo:
"Je li, deda, zašto sam ja
Te gusle celiv'o?"

"Ti ne shvataš, Srpče malo,
Mi stariji znamo,
Kad porastes, kad razmislis,
Kaz'ce ti se samo!"
 O AVÔ E O NETO  Jovan Jovanović Zmaj
Tomou o avô o seu neto
Ao colo colocou-o
 E tocando gusle para ele cantou
O que foi antigamente

Cantou-lhe a glória sérvia
E os heróis sérvios
Cantou-lhe das batalhas severas
Sofrimentos  vários.

O olho do avô brilhou
uma lágrima a deitar
E disse ao seu neto
Gusle para beijar.

 A criança gusle beijou
E  perguntou vivamente:
“Diz-lá, avô porque é que eu
Beijei este instrumento?”

“ Tu não entendes, serviozinho,
Nós os mais velhos sabemos
Quendo cresceres, quando pensares
Dir-se-te-á sozinho!"
Tradução: Anamarija Marinovic

sábado, 29 de diciembre de 2012

natal na versão de Fernando Pessoa traduzido para sérvio

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Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
Bozic
Bozic... U provinciji sneg pada
u ususkanim domovima
jedno osecanje odrzava
prohujala osecanja.

srce svetu suprotstavlja se
kakva je porodica istina!
misao moja duboka je,
sam sam i ceznju snivam.

i kako se beli od milosti
krajolik meni nepoznati
vidjen iza stakla iz unutrasnjosti
doma koji nikada necu imati.
Tradução: Anamarija Marinovic

George Steiner visto de perto

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STEINER, George, SPIRE Antoine (2004) Barbárie da Ignorância, Fim do Século, Lisboa, 106 pp.
Consagrado como linguista, crítico literário, ficcionista, pensador e filósofo de ideias fortemente cosmopolitas, Geoge Steiner é por ventura menos conhecido pela sua esfera mais íntima e pessoal, é justamente este aspecto que é apresentado na série de entrevistas feitas por Antoine Spire. Que todos os preconceitos, estereótipos e “barbáries” provêem da ignorância, é mais do que um lugar comum, e por isso não é de estranhar que o livro comece com o destaque da vasta cultura e pluriculturalidade em que este pensador foi educado desde a infância. Nascido em Paris, de pais judeus da origem checa e austríaca, trilingue, grande leitor de obras dos célebres autore clássicos e defensor do ensino e aprendizagem do latim e do grego, como dois grandes pilares da erudição europeia, George Steiner teve o privilégio de criar a sua identidade por cima dos nacionalismos, tendências políticas militantes ou qualquer totalitarismo que impedisse que ele hoje seja considerado um dos espíritos mais liberais e tolerantes da ciência europeia actual. Embora tenha feito o seu Bar Mitswa (confirmação ao judaísmo), fê-lo mais para se inscrever no “clube do qual não nos demitimos” do que para afirmar a genuína pertença afectiva e cultural à comunidade judaica. Isto descobre-se quando o autor confessa ter abandonado o estudo do hebraico por mera preguiça e também para dar preferência ao estudo do grego e do latim. Steiner, poliglota desde a infância, é um fervoroso defensor da aprendizagem das línguas estrangeiras, porque na sua opinião, elas são as vias pelas quais se acede “à felicidade de uma outra civilização” (p.17), mecanismos que ajudam a perceber as psicologias e mentalidades dos povos que as falam, um degrau para o cosmopolitismo e a verdadeira “cidadania do mundo”.
É interessante saber que este pensador dá um grande valor à persistência, perseverância e luta, uma vez que nasceu com uma ligeira deficiência no braço direito , mas mesmo assim aprendeu a escrever com a mão direita e a viver e encarar  seu defeito como um grande privilégio e não como estigma e “uma escola de esperança em que cada progresso é objecto de registo”, referindo o lema de Espinosa que “a coisa excelente deve ser difícil”. Este exemplo é mais um convite para a reflexão, mais um chamamento de atenção aos saudáveis não apenas para não desvalorizarem e discriminarem as pessoas diferentes, mas também para examinarem as suas próprias capacidades e limitações.
Além de aspectos pessoais do célebre autor, esta obra apresenta as suas reflexões sobre a linguagem, a literatura, a posição do poeta e da poesia face à barbárie, a filosofia de Heideger, os limites da fé, a cultura, as diferenças entre a crítica literária e a literatura. Com uma ligeira ironia sobre este assunto e sobre si próprio, Steiner refere que se cada um dos críticos fosse capaz de escrever uma obra de Joyce ou um poema de Puchkine, não seria um “prof” comodamente sentado no seu departamento ou dando aulas a quem o quer ouvir. Na sua opinião, o ser professor é mais d que uma profissão, é vocação, missão e “doença” no sentido mais positivo e apaixonado da palavra, uma vez que “quem não estiver doente de esperança, não tem a mais pequena hipótese de ser professor” (p.98). É nesta frase um tanto missionária que se vê toda a entrega que Steiner revela em relação à sua própria profissão, e também um convite para o exame de consciência e de vontade para quem quer seguir o difícil e atraente caminho de transmissor de conhecimentos  saberes a gerações posteriores
É interessante também a singular visão que este pensador tem sobre Hitler e a sua capacidade de falar em público e seduzir as massas, sendo que “o génio da retórica de Hitler é a morte da nossa linguagem” (p.37). Reconhecendo este talento a uma das figuras mais negativas e sombrias da História da humanidade, Steiner interroga-se sobre os limites do conhecimento, sobre as falhas humanas e sublinha o perigo das más interpretações da língua e da palavra, entidades inseparáveis do pensamento e da lógica.
Esta série de entrevistas está dividia segundo o critério temático em “capítulos” com títulos atraentes e bastante originais (Quatro contentores do lixo na Lua, Um planeta vazio no sal grego da manhã, Um clube limpo de judeus, O nome do Deus desconhecido) que tratam dos temas que preocupam o autor, desde a criação da identidade até à ficção científica e o valor da erudição. Mais uma vez com linguagem clara ideias penetrantes, esta obra chega ao leitor com uma incrível capacidade de sedução, mostrando vezes sem conta que “o espírito humano é indestrutível, totalmente” (p.80) convidando o público a viver, sentir, pensar e expressar-se de uma forma única e original.

a Europa segundo George Steiner

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...

STEINER, George (2004) A Ideia da Europa, Prefácio de José Manuel Durão Barroso, Gradiva, Lisboa, 55 pp.

Desde a existência da Comunidade Económica Europeia (a actual União Europeia) as ideias sobre a necessidade de um continente unido com os mesmos ideais e valores políticos, económicos, sociais e culturais parece ser uma constante que preocupa os pensadores, filósofos, sociólogos e outros investigadores do domínio das ciências sociais e humanas e esta obra não é excepção. Nas palavras de José Manuel Durão Barroso, este ensaio oferece “novas formas de encarar o Velho Continente” e também “explica a ideia da Europa a partir da escala humana, da geografia, de filósofos, artistas, professores sempre em movimento” (p.15).
O pensamento interessante e bastante original do qual parte Steiner pretendendo desenvolver o seu conceito da Europa concentra-se na importância dos cafés das grandes cidades da Europa, e particularmente a ocidental, que se relacionam quase intuitivamente com as personalidades dos poetas, políticos, filósofos e artistas que os frequentaram. Desta forma os cafés de Lisboa que foram os lugres preferidos de Fernando Pessoa, os cafés vienenses e parisienses frequentados pelos grandes nomes das culturas dos respectivos países, revelam um pouco sobre o espírito de cada uma das cidades em questão, sobre o grau da cultura destes países. Da mesma forma, é sublinhada a ideia que um pub inglês e um típico bar irlandês têm a sua história, cultura e mitologia próprias, que determinam o lugar de cada uma destas cidades no mapa cultural da Europa actual.
É precisamente a partir da cultura, uma cultura específica e universal ao mesmo tempo, que segundo Steiner se deve construir uma Europa unida e unificada, que só então será forte e resistirá às ameaças políticas e a vários tipos de crises que o continente pode enfrentar. Parece-nos que o ideário que Steiner propõe rsponde e corresponde de certa forma às ideias europeístas elaboradas por Eduardo Lourenço, que defende a possibilidade da criação de uma “mitologia europeia”.
De acordo com Barroso, “quem diz cultura, diz liberdade e diz diferença” (p.7), isto é, a cultura deve estar por cima de quaisquer nacionalismos, excessivas preocupações com a identidade étnica, política ou nacional e deve aproximar os povos.
Quando foi fundada, a actual União Europeia baseava-se apenas nos critérios económicos (e economicistas) e a cultura e o seu valor nas integrações europeias foram aparentemente bastante secundarizadas, para se evitarem os orgulhos nacionalistas e para não se fomentarem as ideias da supremacia de uma cultura sobre a outra. Esta tendência, porém, mudou, o que é visível na linha de pensamento de George Steiner.
Nas palavras de Rob Reiman, a cultura deve ser um convite para a cultivação da nobreza de espírito, para o interesse pelo Outro. Desta forma, segundo este autor “a cultura como amor não possui a capacidade para obrigar” (p. 20). Isto é, a verdadeira cultura, pela qual luta a Europa unida nega qualquer totalitarismo qualquer possibilidade da uniformização do pensamento humano.
Voltando à ideia inicial de Steiner sobre a importância das cafetarias numa cidade europeia, ver-se-á que estes sítios são encarados como locais “ de entrevistas, conspirações, debates intelectuais, mexericos” tal como locais em que as pessoas procuram reconhecimento político, artístico e literário”. Os cafés são encarados como centros de vida social e cultural, como sítios que reflectem um específico espírito urbano europeu, que não existe nem na América do Norte, nem na Ásia, nem na Austrália. Uma outra especificidade da cultura europeia, na perspectiva de Steiner é que “a Europa foi e é percorrida a pé” (p. 28), diferentemente dos outros continentes em que as distâncias geográficas entre as cidades são bastante maiores e as pessoas parecem ser bastante mais afastadas umas das outras. Nesta imagem enquadram-se o valor, a importância e a diversidade de viajantes (peregrinos, autores de livros de viagens, comerciantes, mestres, pensadores) que percorreram o solo do continente europeu a pé. Esta é uma característica importante da polis grega, o berço do pensamento filosófico europeu. As cidades europeias na linha de reflexão de Steiner são encaradas como cenários de acontecimentos ao mesmo tempo “luminosos e sufocantes”, cujo significado depende da perspectiva de quem observa estes lugares e as personalidades que criaram cultura em cada uma delas.
Este ensaio debruça-se também sobre o valor por vezes excessivo d passado histórico nos países e culturas europeias encarnado no “peso ambíguo do tempo verbal pretérito”, o que pode representar um problema grava quando a sobrevalorização da identidade nacional conduz a genocídios, limpezas étnicas, preconceitos sobre o Outro e sobre si próprio. A identidade cultural europeia, segundo Steiner, reflecte se na “herança dupla de Atenas e Jerusalém”, isto e nenhum europeu pode nem deve negar a importância e força com que a sabedoria grega moldou a sua forma de pensar e ver o mundo, e com que séculos de história, valores e fé cristã influenciaram a forma de crer, sentir, ter esperança e olhar para o futuro. Como três pilares principais da cultura europeia, Steiner destaca a música, a matemática e a filosofia, que elevam o espírito humano e que enriquecem o seu mundo interior.
Não obstante, este autor alerta para a intuição da Europa que pode ruir sob o peso da sua própria grandeza, riqueza e complexidade, que não tiveram equivalente na História e como exemplo desta afirmação refere as das guerras mundiais e a aparente perda de força e de importância do cristianismo na Europa. Este autor claramente tem em conta a cristandade ocidental, esquecendo mencionar sequer o cristianismo ortodoxo, que poderia ser uma das potências reemergistes no cenário cultural europeu actual.  Da mesma forma este pensador chama Moscovo de “subúrbio da Ásia”, e nesta atitude revela-se uma posição um pouco depreciativa da Rússia e da sua cultua ou um determinado elitismo com que se enfrenta o Ocidente europeu no sentido cultural.
Steiner é da opinião que a Internet, a padronização técnica a vida quotidiana, o uso do inglês como uma espécie de língua franca na comunicação não apenas vai aproximar os povos, como vai salientar a necessidade e a importância de um continente unido nas suas diferenças e particularidades, fazendo com eu um sonho europeu, liberto de ideologias falidas continue a ser sonhado e vivido até se concretizar.
Esta peculiar análise da cultura europeia e da Europa em si a partir de pormenores aparentemente insignificantes, o estilo sobro e a linguagem clara e sem pretensões intelectualistas, tornam a leitura desta obra acessível, embora não fácil ou simplista, que são justamente as características pelas quais o pensamento de George Steiner se destaca nas humanidades europeias contemporâneas.
Um dos pontos menos fortes deste livro é a talvez demasiada concentração na cultura da Europa ocidental, sem se debruçar sobre os valores da Europa do Leste, a Europa central o a do Sul, porque não é completamente possível construir-se uma mitologia europeia comum sem se terem em conta as suas grandes partes no sentido geográfico, político, social e cultural.
De ideias bem desenvolvidas, hipóteses fortemente argumentadas e de temática sempre actual, A Ideia da Europa é uma obra que deve ser lida e reflectida por qualquer intelectual europeu, porque se debruça sobre aspectos fundamentais para uma sociedade e uma vida melhor, e porque “a vida não reflectida , não é efectivamente digna de ser vivida” (p.55).

jueves, 27 de diciembre de 2012

conto na lusofonia, cruzamentos, actualidades e culturas plurifacetadas

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...
ROCHETA, Maria Isabel, NEVES, Margarida Braga (2012) O Conto na Lusofonia 2 Antologia crítica, CLEPUL, Lisboa, 167 pp.
 Quando se olha para o título desta colectânea, à primeira vista dir-se-ia que se trata de "mais um livro da mesma série" ou ainda de mais um sucesso entre os leitores que desejam conhecer mais profundamente o rico e multifacetado mundo lusófono: mundo literário numa língua que serve como "pátria" de oito identidades diferentes culturais, políticas, linguísticas e sociais, fazendo talvez com que este conceito unificador se fragmente por dentro em várias "micro-pátrias", algumas das quais ainda procuram a sua afirmação e visibilidade no mapa cultural e literário do mundo, um mundo cada vez mais globalizado e uniforme.
Após uma leitura mais atenta ver-se-á que o leitor tem nas suas mãos uma obra de arte única e irrepetível, que trata os temas universais como o amor, a identidade nacional, os dramas familiares, a rotina, o preconceito e a ignorância, o lugar do homem e da mulher, as consequências da colonização e descolonização, as ilusões das crianças, a miséria, a própria criação literária e a autoria de uma obra, de uma forma original, aliciante e intrigante. Reflecte-se sobre a felicidade e união familiar, sem a despótica e ao mesmo tempo impessoal figura do pai, a submissão da mulher num casamento em que o sucesso e o prestígio do marido são as únicas coisas que importam, a impossibilidade de uma criança curar a sua vista devido ao alcoolismo do pai e a sua consolação nos finais felizes das telenovelas, os "estigmas pós-coloniais" , a ignorância enraizada numa sociedade que leva aos estereótipos, discriminações e preconceitos, numa África recentemente liberta, que procura a sua esperança num futuro melhor, é importante o papel da memória (pessoal e colectiva), da identidade, do enraizamento e a desnaturação, a transitoriedade da celebridade e da vida humanas.
Todos estes contos, quer que se trate das celebres realizações dos autores consagrados, ou ainda das publicações inéditas, deixam quem lê com a vontade de ler mais e de conhecer a vida e a escrita dos autores, os pormenores sobre as técnicas narrativas, a construção das personagens e sobretudo da realidade nos países lusófonos: Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé , salientando que todos estes autores têm um denominador comum- a pertença a lusofonia, sem demasiada mirtificação e mistificação deste termo.
De entre os autores representados nesta antologia destacam-se os célebres nomes como Machado de Assis, Agustina Bessa-Luis, David Mourão-Ferreira, Mário de Andrade, Mia Couto, Ondjaki, embora também se atribua o devido lugar aos autores reconhecidos nos seus meios locais (Albertino Bragança, Nélida Piñon) que através da sua escrita ainda procuram uma afirmação fora das fronteiras do seu país, e a lusofonia parece ser um excelente meio para permitir que se concretize a utopia de um mundo no qual o valor estético e literário da obra está por cima dos traços identitários nacionais, raciais, sexuais etc.
Seguindo a mesma estrutura e ideia das antologias anteriores, esta também acompanha todos os contos de uma leitura feita por um especialista, tais como Beatriz Weigert, Susana Ventura, Inocência Mata, Jorge Martins Trindade, Conceição pereira, que abrem mais uma perspectiva de interpretação e servem como um guião de descoberta de significados escondidos em cada uma destas breves obras literárias, deixando ao leitor suficiente espaço para criar as suas próprias ideias a partir da leitura e das questões que lhe possam surgir. Este formato da colectânea é útil tanto para o público escolar e universitário, como para os que já possuem uma formação em letras, porque a linguagem que os leitores críticos usam para darem o seu contributo para o esclarecimento dos contos é simples, clara e compreensível, não descurando, porém o rigor de uma investigação científica.
diferentes em tempos cronológicos em que surgiram (embora a maioria remeta para o século XX e a contemporaneidade) e pelos critérios temáticos que abordam, mas unidos pela lusofonia e pelo elevado valor estético, estes contos representam recortes das realidades dos países de expressão portuguesa, e pérolas de sabedoria, beleza e universalidade das literaturas que se criam e cultivam neste espaço cultural vasto e complexo, às vezes não demasiado conhecido para o leitor estrangeiro que os aprecia, lê e analisa.

Amor, drama, tragédia humana, transitoriedade da vida

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...
Filme: Amor
Género: Drama
 Duração: 127 min.
Cinema: El Corte Inglés
Com: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Rita Blanco
Realização: Michael Haneke
palma de ouro no Festival de Cannes 2012

Começando de uma forma dramática, delirante e inesperada, com uma equipa que abre um belo e grande apartamento no centro antigo de Paris a descobrir uma senhora idosa morta e coberta de flores, este filme insinua que o tema da morte será muito importante. Não se diria que se trata do acto de morrer em si, mas de todo o processo que o envolve: como é que uma doença incurável muda a vida da própria pessoa afectada e como este facto se reflecte naqueles que a rodeiam, amigos, familiares, médicos, enfermeiros. Este filme emocionante, arrepiante, bizarro, terno e profundo ao mesmo tempo questiona não apenas a existência como também os limites e alcances do amor, as forças e fraquezas que o ser humano enfrenta com a velhice, a esperança e a exaustão dos ideais e o triunfo da quotidianidade dura sobre os restos dos afectos.
Georges e Anne, dois professores de música reformados, já octogenários, vivem uma vida cultural e social muito activa, frequentam teatros, concertos, lêem muito, tendo também momentos de rotinas diárias, pequenas brigas, como qualquer casal que se conhece muito profundamente e que viveu muito tempo lado a lado. Uma noite, a protagonista continua acordada, olhando para o vazio e pretendendo que não se passa nada, o que seria talvez um dos primeiros sinais do drama humano marcado pelo medo da velhice, solidão, desamparo, doença e morte. No dia a seguir, ao pequeno-almoço, ela tem uma branca na memória, deixa de reagir, o que preocupa extremamente o seu marido, atencioso, carinhoso e terno. segue-se o acidente vascular cardíaco dela, a sua ansiedade e preocupação de poder permanecer num lar ou num hospital e uma série de cuidados, atenções, lembranças, mimos e pequenas provas de amor, que perdura mesmo quando as paixões juvenis já há muito tempo se desvaneceram. Quando ela fica paralisada do lado direito e quando nem sequer a música e o sucesso de um dos seus antigos alunos lhe servem de consolação, até a visita da filha, do genro e de pessoas próximas começam a incomodá-la, porque ela não deseja ser um peso e um obstáculo no percurso normal das vidas de quem a rodeia. Ela sente toda a sua miséria, doença e desfiguração física como uma perda e transformação angustiante da sua identidade numa outra realidade que lhe é estranha e que a leva a uma demência progressiva e ao sentimento da inutilidade e da ausência da necessidade de ela estar neste mundo, o que se torna cada vez mais um facto evidente e triste até para a sua família. Nesta história, talvez mais do que a profundidade do mundo íntimo e de toda a vulnerabilidade de uma mulher que antigamente era respeitada, realizada e brilhante na sua profissão e na vida pessoal, o que se destaca é a paciência, o carinho e a ternura do marido que compreende todos os sofrimentos da sua amada, tentando suavizar e diminuir a sua dor. Ele canta com ela, lê-lhe o jornal, lava-a, alimenta-a, põe pêssego na sua papa, para lhe ser mais saborosa, conta-lhe histórias do seu passado para a fazer rir, dá-lhe banho e massagens, faz exercícios e terapia da fala com ela, deixa tudo para a acudir e proteger, até que um dia não aguenta mais e sufoca-a com uma almofada.
Pelo que se apresenta na obra, nenhum dos protagonistas tem quaisquer crenças religiosas, o que dificulta e aprofunda ainda mais a sensação da impotência  do ser humano perante a dor e a proximidade da morte. Nos poucos momentos de lucidez, Anne recorda-se dos momentos que ela e o seu amado passaram quando ainda eram namorados, vê os antigos álbuns de fotografias e sublinha que uma vida comprida é tão bela. O marcante nessa cena são as suas mãos idosas com a aliança de casamento, que parecem acariciar cada uma das folhas do álbum que contém as inúmeras memórias e pequenas felicidades de um casal harmonioso. Quando nos momentos de loucura e falas despropositadas menciona a sua mãe e o concerto, tal como o facto que o dinheiro desaparece quando se vende uma casa, o espectador pergunta-se até que ponto essas frases não serão por um lado o seu desejo de ser protegida e de continuar a viver a sua vida plena em que a música é um fio condutor, e por outro lado, anunciam a destruição do lar familiar, a pobreza e a ruína.
O que surpreende o público é o final , em que se ouve água na cozinha, vê-se a protagonista a lavar a louça, como se não tivesse acontecido nada e recorda o seu marido para levar o casaco antes de os dois saírem para a rua. Pouco depois entra a sua filha no apartamento vazio e ali permanece sozinha à espera de algo indeterminado. Esta ideia leva a pensar que toda a história do filme, cheia de presságios negros e relacionados com a morte, o sufoco e o medo (a mão idosa que sufoca Georges, o pombo que entra duas vezes e não tem por onde sair), é apenas uma alucinação do marido, a sua imaginação do que é que poderia ser se a sua amada Anne adoecesse gravemente.
Esta história é um apelo á humanidade, um questionamento para os limites da resistência humana, uma explicação das dificuldades que passam não apenas os doentes como também os seus familiares e amigos, uma denúncia contra determinados enfermeiros que tratam mal os pacientes indefesos, uma prova de amor, amizade, união familiar,uma interrogação sobre a transitoriedade da vida e o seu sentido.
Com a excelente actuação dos protagonistas, uma grande atenção aos pormenores, a fotografia e a imagem que por vezes dizem mais do que as próprias palavras, com a música como um elemento salvífico e terrível ao mesmo tempo, Amor é o tipo do drama que não deixa ninguém sem reflectir sobre a vida, a morte, o medo e o mais profundo e mais belo dos sentimentos-o amor humano.

miércoles, 26 de diciembre de 2012

a saudade portuguesa mais uma vez

BEM-VINDOS AO APAIXONANTE MUNDO DE LETRAS PRECIOSAS E IMAGENS ENCANTADORAS, SEJAM LEITORES, OBSERVADORES, CRÍTICOS E PALAVRÓFILOS, LEIAM, LEIAM, LEIAM. MESMO QUE UM PROVÉRBIO POPULAR SÉRVIO DIGA QUE "A CABEÇA É MAIS VELHA QUE O LIVRO", ISTO É QUE O PENSAMENTO É MAIS ANTIGO QUE A ESCRITA, LEIAM, ISSO AGUÇA O ESPÍRITO, ENRIQUECE O VOCABULÁRIO E A ALMA, DESPERTA A CURIOSIDADE E FAZ VOS PALAVRÓFILOS CURIOSOS TAMBÉM...
  VASCONCELOS, Carolina Michaelis de (1996) A Saudade Portuguesa - Divagações filológicas e literar-históricas em volta de Inês de Castro e do cantar velho "Saudade minha, quando te veria" e a Fonte dos Amores, Guimarães Editores, Lisboa, 156 pp.
Inúmeras vezes já se tem discutido a saudade portuguesa, do ponto de vista filosófico, literário, psicanalítico, cultural, antropológico ou até religioso e da influência deste complexo sentimento no carácter nacional português, na sua forma de pensar e de sentir, e da sua  "alma colectiva". O olhar de uma estrangeira, alemã de nascimento e portuguesa de casamento e "adopção", porque estudou e sentiu a cultura portuguesa como algo que lhe era muito próximo dela, é sem dúvida um dos contributos mais notáveis no que diz respeito à análise deste elemento da cultura portuguesa.
Partindo do mito dos amores proibidos e ilícitos entre o rei D. Pedro e a sua amada e amante Inês de Castro, Carolina Michaelis de Vasconcelos compara algumas das realizações literárias deste tópico nas línguas espanhola e portuguesa, analisando e devidamente explicando os elementos da história, lenda, mito e imaginação dentro de cada uma delas.
O que é interessante na visão desta autora é a sua afirmação sobre  a saudade enquanto sentimento e a sua particularidade na língua, literatura e imaginário portugueses: "É inexacta a ideia que as outras nações desconhecem este sentimento. Ilusória é a afirmação (...) que mesmo o vocábulo "Saúdade"- mavioso nome que tão meigo soa nos lusitanos lábios- não seja sabido dos bárbaros estrangeiros (estrangeiro e bárbaro são sinónimos) não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza do Além-Minho" (p.31). Como confirmação desta sua perspectiva, a autora refere alguns dos equivalentes desta palavra (e sentimento e filosofia) na sua língua materna, citando também alguns traços distintivos entre este conceito e os termos alemães, sendo os alemães também metafi´sicos e referentes ao Além, embora não tão aplicados na poesia lírica.
Como uma das possíveis definições  do termo português "Saudade", Michaelis de Vasconcelos cita as seguintes ideias: " vibra maviosamente a mágoa complexa da saudade: a lembrança de se haver gozado em tempos passados, que não voltam mais, a pena de não gozar no presente, ou de só gozar na lembrança, é o desejo e a esperança de no futuro tornar ao estado antigo da felicidade" (p.22)
Reflectindo um pouco sobre estas designações da saudade, pode ver-se que este sentimento é próximo da nostalgia dos "velhos bons tempos", de uma "idade de ouro" da tranquilidade, sossego e realização, que só existia no passado, que no presente é inalcançável, mas que permanece sempre como um sonho, uma utopia e uma fé no futuro. Esta investigadora é também da opinião que a saudade pode ter uma dimensão espiritual, quase religiosa, isto é designa o desejo da salvação e redenção da alma através do desejo de se estar perto de quem partiu, de se confessar a grandeza da falta que a sua ausência causou,  tendo-se a esperança de que nalgum momento se voltará a estar junto da pessoa amada e desejada.  Entre outras características da saudade portuguesa, esta pensadora refere também as "qualidades ternas, suaves, submissas, resignadas da paixão portuguesa" (p.35). Embora a autora analise a manifestação deste sentimento na literatura erudita dos séculos XV e XVI,  a saudade portuguesa descrita e verbalizada exactamente assim está muito presente nos cancioneiros medievais e ainda antes, na poesia portuguesa de expressão oral, podendo-se afirmar a existência de um modus amandi específico do povo português.
A este sentimento ligam-se estreitamente os sentimentos do "isolamento, ausência, falta, mágoa, carência, desamparo, tristeza, melancolia, dó de alma, o mal de ausência, a nostalgia" como também a " vontade de se possuir o que nunca se possuiu" (p.54.)
Estas são as razões pelas quais Carolina Michaelis de Vasconcellos opta por deduzir a etimologia do termo "saudades" do vocábulo latino "solitates" que seria o plural do termo "solidão" e como prova para a sua reflexão refere o "equivalente" espanhol "soledades",  como a sua "raíz evidentíssima". Esta, porém, a nosso ver não seria a ideia mais feliz , em primeiro lugar porque em espanhol existe a palavra "añoranza", que seria o equivalente semântico do termo "saudade" e em segundo lugar porque o processo do desenvolvimento fonético deste termo em português que a autora cita como "alterações fonéticas normais" parece muito forçado, e porque outras fontes mostram algumas divergências no processo do desenvolvimento do português a partir do latim vulgar.
O que representa um dos aspectos importantes deste livro é o fragmento de um velho cantar " Saudade minha,quando vos veria" cantado pela D. Inês de Castro e a sua criada de confiança, Violante, dirigido ao "seu penhor querido" D. Pedro. Neste canto exprime-se toda a dor e toda a angústia causadas pela ausência do amado, a "pena e o tormento" que dominam a alma da rainha apaixonada, a impossibilidade da concretização do seu amor etc, que parecem caracterizar de uma forma muito singular a palavra e o próprio sentimento da saudade.
Com uma série de anotações e esclarecimentos no fim do livro, a consulta e a compreensão da cultura portuguesa, do seu lirismo e da saudade torna-se mais prática e fácil, como também as lendas e pormenores do mito de Pedro e Inês e a Fonte dos Amores.
Para quem estuda a cultura portuguesa, esta obra deve ser uma das referências fundamentais acerca da mentalidade, lirismo e forma de exprimir os afectos do povo português. O facto de ser da autoria de uma estrangeira (embora naturalizada e bem enquadrada na sua cultura de acolhimento) atribui a esta visão de um segmento da literatura e cultura portuguesa um carácter mais neutro e imparcial, que se distancia e ao mesmo tempo aproxima da mentalidade e sensibilidade de um povo, de uma forma clara, científica e meditativa. Este estudo abriu o caminho a muitas outras perspectivas e visões do conceito da saudade (in)traduzível para outras línguas , literaturas e culturas.